A Cabrinha Branca

Certo dia, em que o astro amenamente cálido convidava ao passeio, segui pelo carreiro poeirento orlado de silvas e giestas jovens, para os lados dos lameiros frescos do rio. Desci, acompanhado pelas sombras dos pinheiros até às planuras espartilhadas das margens e enquanto avançava vi, pequenina e mansa, uma cabrinha de pelugem imaculada de branco que pastava a inocência da sua gulodice casta pelas verduras macias de um produtivo lameiro.

Acerquei-me da cabrinha confirmando a delicadeza da sua brancura: nem um pêlo escuro contrariava a visão de um corpo de neve assestado no verde da pastagem.

Sem se assustar continuou a saborear a tenrura das ervas enquanto eu me aproximava. Ao me abeirar, distando pouco menos de um passo do pequeno animal, este levantou o focinho, fixou-me com atenção e vi os seus beiços, que inicialmente pareciam esboçar um sorriso, transformarem-se em mandíbulas portentosas e ameaçadoras. Cuspiu-me um “méeee” cavernoso, e saindo da raiz dos seus pêlos a negrura irrompeu, transmutando a brancura numa horrenda revelação de negros comportamentos. Atirou-se a mim. Felizmente consegui esgueirar-me. Quando cansado, já no cimo do monte me voltei para trás, observei, junto à margem do rio, uma cabrinha branca entretida a pastar.

Moisés Salgado