Demoeste! Parte 4 - O trem tá chengado!

A primeira coisa que Kruger viu depois de morrer foi uma baita de uma fila. Era daquelas que dá até vontade de entrar sem saber por que é de tanta gente que vemos parados na expectativa de algo grandioso acontecer. Ele teria se juntado a ela por esse impulso misterioso que o ser humano tem de criar filas, no entanto era preguiçoso demais para isso e até sua falecida alma ainda estava meio bêbada do porre da noite anterior.

- Ta barulho demais da conta aqui, porra! – falou, empurrando um padre que estava na fila e depois passando por um homem que reconheceu quase que de imediato. Precisou de um tempo até sobrar um neurônio espiritual mais sóbrio (a essa altura dava para acreditar que qualquer coisa poderia existir, até isso) que pudesse realmente analisar a imagem. – Eu te matei, num matei não?

O homem não ficou nem um pouco lisonjeado por ter sido reconhecido pelo seu assassino. Tinha morrido de calças arriadas enquanto se aliviava e só recebera como mensagem o fato para nunca mais “cagar em nenhum trabalho”. Na verdade a mensagem não literal. A vítima não deveria era sair avacalhando os contratos do Chinês, mas Kruger tinha um senso de humor quase original e resolveu esperar um dia inteiro até o alvo ter que se aliviar e então deixar um recado literal.

Passou pela vítima sem ouvir os palavrões e empurrou mais um monte de gente que o acusou de querer furar a fila.

- Vou furar a bunda da mãe de vocês, seus putos! – dizia enquanto continuava empurrando e passando.

Era gente demais e finalmente, no meio daquela penumbra, ele viu que estava perto de uma estação. O pessoal se amontoava demais na plataforma sob as luzes queimadas. Naquele escurinho ele até se deitaria no chão e dormiria bem, mas odiava aquela gritaria. Andou então para o outro lado da plataforma, mais iluminada, mais limpa e totalmente vazia. Aproveitou para abrir as calças e dar uma aliviada ali.

- Vai viajar moço? – perguntou um homem de branco. Era um sujeitinho baixo sentado atrás de um balcão para venda de passagens. Parecia que estava dormindo há algum tempo, mas teve um despertar emocionado quando Kruger apareceu.

- Vou nada! Nem tenho dinheiro! Gastei o resto na cachaça...

- A gente ta em promoção, moço. Cobramos barato...

Continuou mijando sem se preocupar em responder. O vendedor se inclinou no balcão e insistiu.

- A gente vende duas por uma. Você pode levar alguém com você de graça. Imagine só...

- O quê que tem de bom lá?

- Ah... – Parou e olhou para cima. – Tem muita coisa... – Esfregou as mãos. – A gente se diverte muito... – Mordeu o polegar. – A gente canta... E...

- Quanto é a passagem mesmo?

- É bem barata... Só com um pouco de boa vontade você compra... A gente pode até negociar para você comprar também um terreninho lá.

- E vou fazer o que com a bosta desse terreno? Botar um coral pra cantar nele?

O vendedor ficou pensando, daqueles pensamentos longos que parecem uma filosofia própria e um questionamento sobre a própria vida.

- Você pode dar sua alma se não tiver boa vontade ou dinheiro... Ou pode só convencer uma outra pessoa a vir. Se você convence outra, ganha a sua!

- Já vendi minha alma... Acho que não vai dar...

O vendedor suspirou e deixou os ombros caírem.

- Tem certeza?

- Ele tem certeza! – disse o Diabo da Cartola Branca aparecendo de repente. Kruger fechou as calças e sorriu para ele. – Como está, meu amigo?

- Meio chateado... Me mataram no meio da foda. Não tava boa, mas eu queria terminar.

- Pois é... Que azar... Vamos pro outro lado que o trem está chegando. Não queremos nos atrasar ou deixar aquele monte de gente esperando...

- Eles vão me esperar?

- O Inferno sempre espera, Kruger. Somos pacientes e estamos sempre satisfeitos com sua presença. Nós não discriminamos...

- Tem até chinês e mexicano lá? – perguntou o pistoleiro morto, levantando uma sobrancelha.

- Tem sim.

- Sempre imaginei que todos esses putos iam pra lá.