Contrato Silencioso

O telefone tocou na mesa do Deputado Robalmir, que um tanto trêmulo atendeu, e escutou um homem do outro lado da linha:

_Deputado?

_Sim.

_Tudo certo. Amanhã de manhã o serviço estará concluído.

_Muito bom, tem que ser rápido.

_Evidentemente, Deputado, sendo assim, depois da conclusão eu pago o resto do combinado ao nosso "amigo".

_Sim, está ótimo. Mas não vai ter problema algum, não é?

_Claro que não, Deputado, está tudo certo, é limpeza total !

Na estrada rumo ao interior de Goiás, um Vectra preto trafegava em velocidade compatível com a região, vidros fechados, ar-condicionado ligado e no toca-cds uma música de Milionário & José Rico. O telefone celular tocou baixo e o motorista então atendeu:

_Sim...

_Está tudo certo, concluindo o serviço, vá para Uberlândia e seu dinheiro será entregue na rodoviária.

_Certo. disse desligando.

O Vectra parou em frente a uma mansão da pequena cidade de Buriti Alegre, o motorista desligou o motor e ficou esperando. O relógio apontava 18:00 horas.

O homem pacientemente enfiou a mão por trás do console do painel do Vectra e retirou uma pistola Glock 9 mm prata, encaixou cuidadosamente o silenciador, verificou o pente e deixou no banco, depois enfiou a mão em uma das botas e conferiu a pequena pistola 6,35 que carregava por precaução, fez o nome do pai, uma oração, tirou os óculos escuros e pôs-se a observar o movimento.

Passados 40 minutos, um Santana prata parou em frente a mansão, e do mesmo desceu um homem aparentando 50 anos ou mais, baixa estatura, calvo e um tanto acima do peso.

Nisso o motorista do Vectra desceu, colocou a pistola na cintura, pelas costas, cobriu com a camisa de manga comprida marrom e foi em direção ao homem que desceu tranquilamente do carro e se preparava para entrar em casa.

Então, o homem chamou em um tom médio:

_Doutor Antônio?

O senhor calvo se virou e levou uma sequência de nove tiros, todos na região do peito e abdome, caindo sem reação alguma.

Rapidamente o homem retornou ao Vectra e saiu em alta velocidade, rumando para a divisa com Minas Gerais.

Entrou em uma estrada de terra, foi até uma plantação de milho, abandonou o Vectra, andou alguns metros e encontrou um Golf prata, com a chave no contato e um celular no porta-luvas.

Rodou até uma fazenda, pegando um atalho e ganhou a estrada rumo à divisa novamente.

A polícia, ainda examinando o corpo e colhendo testemunhos de alguns que disseram ter visto um carro preto, sem definição de marca ou modelo saindo em alta velocidade; e empreenderam em busca, o delegado conferindo o corpo então disse, confirmando:

_É o Dr. Antônio Padilha, Prefeito da cidade, não levaram nada.

O delegado sabia que se tratava de queima de arquivo, já que o Prefeito estava envolvido em um escândalo com obras superfaturadas e era acusado de envolvimento em um esquema de propinas pagas para Deputados e Assessores, tendo um depoimento marcado para daí dois dias, onde prometia abrir a caixa de ferramentas.

Na estrada, o Golf agora corria além da velocidade, faltando poucos quilômetros para chegar à divisa, o condutor se distraiu ao tentar trocar o CD do aparelho, quando colidiu com uma vaca que atravessava a pista, o carro então, capotou várias vezes e com a força do acidente, o corpo do homem foi atirado fora do carro e esmagado pelo peso do carro na penúltima capotada.

A polícia rodoviária foi atender à ocorrência e ao verificar o corpo, tentando prestar primeiros socorros, e o carro procurando mais vítimas, perceberam que no interior deste, estava a pistola 9mm e um celular; e nas botas daquele, descobriram a outra arma e chamaram a investigação.

O delegado que já havia descoberto o carro Vectra abandonado e constatado que era roubado no estado do Mato Grosso, verificou as marcas do pneu deixadas na estrada de terra e as marcas do Golf, supondo que provavelmente, o agora defunto tinha sido o autor do assassinato do Prefeito Antônio.

Identificado o cadáver, pelos documentos e pelas digitais, constatou-se tratar de um pistoleiro conhecido no estado de Mato Grosso, que devido à fama de impiedoso e infalível matador de aluguel, era conhecido com "Juca Mato Grosso", mais de 30 assassinatos nas costas, na maioria políticos, e apenas uma passagem na cadeia por porte ilegal de arma.

O delegado, em sua sala na DP, estava admirando o celular do bandido, que estava com a memória limpa, sem ligações recebidas ou efetuadas e nenhum número na agenda, e mordendo o lábio inferior ficava pensando: "quem terá sido o mandante?", "como poderei descobrir?"

Foi quando o telefone vibrou em suas mãos, ele atendeu e porém não falou nada, só escutou.

A pessoa do outro lado da linha, disse atônita:

_Cadê você cara? Por que não chegou ainda?

O Delegado, não achando outra alternativa, respondeu:

_O carro estragou, vou dar um jeito e aparecerei, vamos marcar outro lugar?

O homem respondeu:

_Está bem, Hotel Half's, amanhã, no café da manhã, tudo bem?

_Sim, ótimo. Respondeu o delegado, já buscando na Net o endereço do hotel sugerido.

No outro dia, o delegado chegou cedo ao hotel, que ficava em Uberlândia, foi o primeiro a sentar em uma das mesas do café, juntamente com o delegado titular daquela cidade.

Vários hóspedes foram sentando-se, ocupando as mesas para o café e quando já havia muita gente, o delegado pegou o telefone e ligou para o número que ficara registrado na memória.

Um sujeito magro, branco quase pálido e bem vestido com terno e gravata atendeu, nisso o delegado chegou em sua mesa e calmamente sentou-se, dizendo:

_Calma senhor, vou ser breve e claro; sou o Dr. Lemos e esse aqui é o Dr. Eduardo, somos delegados e queremos respostas concisas e verdadeiras, e já adianto que o senhor não tem direito a um advogado, por enquanto. Você é o mandante da morte de Antônio Padilha?

O homem tremia, as lágrimas brotavam em seus olhos e ele começou a dizer soluçando:

_Sou pai de família, não tenho nada a ver com isso, só vim trazer um dinheiro.

Então você sabe quem é, pode começar a dizer, pois por enquanto você é o único suspeito.

O homem desabou. Confessou que o mandante era Dr. Robalmir Afanantes, deputado federal conhecido por vários escândalos administrativos, para o qual trabalhava como assessor, que o preço pela morte do prefeito foi combinado em R$ 60.000,00 e que estava incumbido de fazer o pagamento ao autor.

Em duas semanas, Deputado Robalmir foi indiciado pelo crime, porém tem vários benefícios que a lei lhe concede e provavelmente, a culpa recairá unicamente sobre o defunto, o matador "Juca Mato-Grosso", ex-pistoleiro sanguinário; já que o assessor, ficou preso uns dias e ao sair graças a um "habeas corpus", sofreu um estranho atropelamento em via púbica.

Um dia, talvez eu possa contar uma história diferente, com outro desfecho, mas por enquanto, Dep. Robalmir tem um grande escudo chamado foro privilegiado.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 20/06/2008
Reeditado em 07/07/2008
Código do texto: T1043241
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.