Um ano em Pereirópolis XVI - "O crime"

Dia desses me perguntaram se em Pereirópolis só acontece coisa boa. Eu perguntei de volta “por quê?”, ao que responderam “porque tu nunca contou nenhuma desgraça, nenhum crime, nada...”. Bem, esses tempos até contei sobre um crime ocorrido lá. Ou melhor, publiquei exatamente como me foi enviado pelo casal de amigos Rafaela Mathias e Breno Santana: o Caso Jersey (http://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/947835).

As pessoas são esquisitas, né? Eu e o Seu Horácio nos esforçamos para contar coisas boas, lembrar de histórias agradáveis sem sermos (muito) moralistas, e as pessoas querem sangue!. Para os leitores da página policial, aí vai uma escabrosa.

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Jandira era solteira convicta. Desde que o pai foi para Santa Catarina dizendo “um dia eu volto”, assumiu com firmeza a casa, os irmãos menores, a mãe profundamente melancólica num tempo em que ter depressão ainda nem estava na moda. Esperou os irmãos crescerem e estudarem – o que foi mais longe virou seu guarda-livros. Viu a mãezinha morrer da tristeza que nunca a abandonou. A filha jurou para si mesma no dia do enterro materno que não morreria do mesmo mal. Por isso, nunca se casou.

Isso não significa que nunca tivesse seus casos. Era muito namoradeira. Todavia, gostava de acordar sozinha; prezava muito sua liberdade e proibiu-se de ficar privada dela. Desse modo, o caso que durou mais tempo foram seis meses. Terminava e começava outro logo em seguida. Às vezes, com o mesmo namorado, só para as coisas não saírem do controle.

Os negócios iam muito bem. Era proprietária de uma loja de roupas femininas, muito conceituada, mas começou trabalhando com a sacola nas costas, batendo de porta em porta. Por anos a fio, fez – sem saber – o mesmo caminho que os tropeiros, fundadores da cidade, fizeram: Pereirópolis – São Paulo – Pereirópolis. Era sacoleira mesmo, e das boas. Dizem que era capaz de vender uma casa incendiando. Nos últimos tempos, deixou a sacola de lado, e abriu sua loja tão sonhada. Como já tinha clientela pronta, por ser empreendedora, por ter a única loja de roupa apenas para mulheres, e por ter um bom gosto invejável e estar sempre antenada para o que estava na moda (exceto a depressão), a loja da Jandira virou um sucesso. E ela ganhou bastante dinheiro. Mas continuou atravessando a Via Dutra, religiosamente, uma vez por mês.

Dizem que dinheiro não traz felicidade, mas com ele, Jandira comprou uma casa enorme, com uma piscina gigantesca, e um salão de festas grande como o do Grande Hotel Pereirópolis. A coisa mais óbvia era que, em uma cidade pequena, o falatório se espalhasse: ninguém acreditava que uma sacoleira estivesse tão rica, a ponto de construir uma mansão, só vendendo roupas. Volta e meia, nas esquinas e nas conversas de comadres, vinha o assunto: “a Jandira arrumou um velho rico”, ou “a Jandira está sonegando imposto”, ou comentários ainda piores.

Numa manhã de segunda-feira, as duas vendedoras da loja esperaram até as nove e meia. Jandira ainda não havia chegado, e isso era muito estranho. Ligaram para o telefone residencial ou para o celular, e caía na secretária eletrônica. Uma delas, a Lidiane, foi até a casa da chefe, distante poucas quadras dali. Encontrou a faxineira, Verinha, sentada na porta da casa, branca como cera, à beira de um colapso.

“A Jandira tá morta.”

E estava mesmo. Foi encontrada na cama, deitada de bruços, ainda vestida, uma faca de sua própria cozinha cravada nas costas. A mesa posta para dois, um jantar simples – espaguete al pesto – pronto para ser servido. Sem sinais de luta, nada roubado, nada fora do lugar. E também, nenhuma impressão digital estranha às da casa, ou um mísero fio de cabelo diferente.

Até hoje, é único crime inexplicável de Pereirópolis.