TERRA MÃE

- O que aconteceu?

- Não sei, cheguei agora.

- Quanta polícia!

- Pois é...

Ao som da serra elétrica vindo de sabe-se lá onde, agentes da polícia vasculhavam o local palmo a palmo. Já era tarde, meia-noite e pouco, e alguns perdidos na noite curiosos estavam ali à beira do barranco olhando o meticuloso esforço policial em buscar pistas para o crime.

- Que crime?

- Vá lá saber... Aqui acontece de tudo!

- É verdade.

- Tá frio aqui, parece até que estamos no inverno.

- ... mas estamos no inverno!

- É?!

- É.

- Tá bom.

Tendo à mão uma lanterna, o policial, oculto pelo foco de luz, grita lá de baixo:

- Algum de vocês viu o que aconteceu?

Silêncio...

- Tô falando com vocês aí de cima... alguém viu alguma coisa?

Protegendo os olhos da luz intensa, Bernardino, morador nas redondezas, cria coragem, - pois fora o único que não fugira à investida da lanterna da “otoridade” – e responde com voz titubeante:

- Não senhor...

- Fala mais alto, não tô ouvindo - grita o policial, firmando a lanterna no rosto do infeliz.

- Não, senhor, aqui ninguém viu nada não – respondeu Bernardino, olhando os rostos assustados da turma que se afastara da beira do barranco – aqui ninguém viu nada não, senhor...

- Tá bom, tá bom - resmunga o investigador se equilibrando para não escorregar no capim molhado.

O tempo passou e o barulho da serra elétrica cessara. Mais duas viaturas chegaram e homens encapuzados delas saíram. Avaliaram do alto o declive acentuado e desistiram de descer a barranca. Afinal, já tinha muita gente por lá.

Bernardino, esquecido pelo policial, acomodou-se onde estava. Seus parceiros de noitada retomaram suas posições. Uma fina garoa começava a vir da escuridão celeste, mas a curiosidade aquecia-lhes os ânimos em ficar por ali.

- O que vocês estão fazendo aí?

Assustado, o bando de curiosos, novamente sob a luz intensa de uma lanterna, ficou dessa vez encurralado à beira do abismo. Ninguém conseguiu escapar à inquisição e, em uníssono, o grupo respondeu:

- Nada não, nada não!

O foco de luz lentamente perscrutou rosto a rosto como a querer arrancar respostas mais consistentes. Cada um ali se sentiu impotente e oprimido pelo carrasco resplandecente.

- Eu não vi nada...

- Nem eu.

- Eu também não.

- Muito menos eu.

- Menos eu.

- Nada, nada, nada...

- Muito bem, muito bem, muito bem... Se não sabem de nada, o melhor, então, é irem pra casa - o policial apaga a lanterna ao ver ali o de sempre: um bando de bisbilhoteiros, e se afasta encolhido em direção aos seus companheiros abrigados nas viaturas.

- Vâmo imbora?

- Vô não, quero ver o que vai dar isso aí.

- Cê viu o guarda mandar...

- Qui nada, agora eles tão é dormindo nas banheiras...

- He, he, he, os outros lá é que se lasquem!

- Pois num é?! Vâmo é ficá aqui...

- Cêis qui sabem, mais eu é que vou me mandar. Tá muito frio.

Fora mancada retornar ali e, por isso, Bernardino precisava juntar suas coisas e se mandar para o nordeste. Ia sem arrependimentos... mas com um friozinho lascado no bucho.