UMA QUESTÃO DE ÉTICA

- Tenente, veja ali...

- O quê?

- O cara ali, com um carrinho cheio de bagulho...

- Bagulho?!

- É... aqueles trecos lá dentro do carrinho.

O pessoal precisa passar por uma reciclagem, pensa o oficial olhando para aquele cidadão que, tranqüilo, transporta num carrinho de obras vários aparelhos eletrônicos e cumprimenta os policiais, desejando-lhes uma boa noite de trabalho.

A viatura para ao lado do suspeito – afinal, àquelas horas a situação não é nada comum.

- Boa noite, cidadão. O que o senhor está fazendo?

- Estou carregando estes equipamentos neste carrinho. Na mão é muito pesado...

- Certo. Mas de onde o senhor vem com esses aparelhos?

- Dali de cima. Peguei numa casa.

- O senhor não acha estranho tudo isso? A essas horas da madrugada?

- ?!!!...

- Faça o seguinte, o senhor vai nos mostrar de onde retirou tudo isso, tudo bem?

- Claro, não fica longe!

Com a ajuda de dois policiais da equipe, o carrinho e os “bagulhos” foram colocados no “chiqueirinho” da viatura.

- Não, não, não precisa ir aí, senhor, entre aqui na parte da frente.

- Era só o que faltava! - resmunga um dos pê-emes.

- O que foi, soldado?

- Nada não, senhor.

A viatura agora está parada em frente a uma residência. A madrugada está um pouco fria e não se vê ninguém mais na rua.

- Foi daqui, então, que o senhor retirou estes produtos?

- Foi sim, senhor.

- O senhor mora aqui?

- Não, senhor.

- O senhor é dono da casa?

- Não senhor.

- Esse cara é um vagabundo, tenente! – exaspera-se um dos soldados.

- Calma aí - retruca o comandante da equipe.

- Desculpe.

- Cidadão, como foi que o senhor tirou estes objetos da casa?

- Não foi por aqui, não. Foi pelos fundos. Na casa não tem ninguém, mas eu não quis me arriscar...

- Arriscar?!! Arriscar o quê?

- Arriscar-me a ser preso.

- !!!?... E então?

- Peguei uma escada e a apoiei no muro. Subi, passei a escada para o outro lado e desci. Pela porta da cozinha, que não estava trancada, entrei e peguei os aparelhos – que não são lá aquelas coisas! – e fui colocando sobre o muro. Depois foi só descer...

- Mas, e o carrinho?

- Bom, o carrinho peguei numa obra ali perto. A escada é uma porcaria, por isso não a trouxe comigo. Hoje em dia os patrões não respeitam seus empregados... que perigo!

- Bom, o senhor sabe o que está acontecendo aqui, não sabe?

- Claro!

- O senhor está sendo preso por roubo...

- Furto.

- Que seja, furto.

- Que seja, não!... É furto.

- Exatamente.

- Eu entendo, senhor. Mas posso pedir um favor?

- Tudo bem, qual é?

- É que eu perdi o meu boné e acho que ele está lá dentro da casa... O senhor pode pegá-lo para mim?

Um dos policiais, após procurar pela casa, sai com um boné encardido seguro pelas pontas dos dedos e o entrega ao tenente.

- É esse?

Com um brilho de alívio nos olhos, o preso agradece e inclina a cabeça para receber o boné.

- Então esse é seu boné? Grande timão, heim?

- Pois é, senhor. Eu tenho muito apreço por este boné!

- É mesmo?... E se, agora, eu ficasse com este boné? O senhor não acha que as pessoas desta casa não tinham estima pelos bens que lhes estavam sendo roubados, quer dizer, furtados ? O que o senhor me diz?

- Aí não haveria mais diferença entre mim e o senhor, tenente.

* * *