O Delegado Dadeu e o causo do “alemon Schmidt”

* Da série O DELEGADO DADEU

** Leia os demais "causos" de Dadeu

Dadeu já havia completado dez anos na Polícia Civil e tornara-se conhecido na instituição , afinal sua passagem por diversas sub-delegacias e a rodagem por inúmeros pontos do interior do estado , não apenas conferiram-lhe uma vasta experiência, como também um volume muito grande de “estórias” que se tornaram conhecidas no meio policial graças aos encontros regionais e até estaduais, quando era uma atração para os demais “tiras” ouvirem os “causos” – em geral cômicos – que rendiam gargalhadas aos colegas.

Atendendo a uma convocação para reforço do policiamento em Porto Alegre devido à inauguração do estádio “Beira Rio” , Dadeu chegou e se abancou na mesma pensão da rua Lima e Silva , onde se abrigavam costumeiramente quase todos os policiais que vinham do interior . De pronto combinaram churrasco , marcando encontro no Palácio da Polícia , que possuía nos fundos um galpão com churrasqueira.

Logo indagaram se tinha algum “causo” novo e ele então passou a narrar a ocorrência na chácara do alemão Schmidt , no interior do Município de Candelária , onde havia estado por um curto período de tempo como “Delegado Substituto” . Schmidt era conhecido como um imigrante trabalhador, que obtinha “milagres” explorando uma pequena chácara com uma produção diversificada de alimentos coloniais.

O “alemon Schmidt” - como era conhecido em Candelária - havia angariado fama porque na pequena propriedade criava gado leiteiro e produzia um queijo de qualidade tão diferenciada que vinham pessoas de outros municípios comprar sua produção . Além disso, a chácara contava com pocilgas tão organizadas que envergonhavam os outros criadores de suínos , que ele mesmo dizia : - “Aqui non ten chiqueiro de porco , ten suínocultura...” E fabricava salames deliciosos.

Galinhas, ovos, mel de abelha , melado de cana , além de doces caseiros produzidos pela mulher - “Frida” - complementavam a variedade . Mas não era essa a única característica do “alemon” , pois Schmidt além de muito trabalhador era reconhecido pelo mau humor e pela fúria que incendiava seu ser contra quem quer que impusesse a mínima contrariedade a seus interesses.

Como a chácara ficava muito próxima da zona urbana da cidade de Candelária, os larápios costumavam fazer ataques à propriedade, pois era uma tentação tanta variedade de alimentos de qualidade – um convite para os “mãos-leves” . Os primeiros furtos foram comunicados à Polícia que, como sempre nesses casos , desde aquela época já enfrentava muitas dificuldades para apurar a autoria. Evidentemente, o “alemon” não aceitava esse contexto .

Antes da chegada de Dadeu , o Delegado anterior havia cumprido um mandado judicial na chácara e apreendido uma escopeta calibre 12 , que o “alemon Schmidt” havia utilizado contra um larápio que “visitou” seu galinheiro . Ele já havia sido alertado de que não poderia “fazer justiça com as próprias mãos”,visto que isso o tornava tão errado quanto os próprios bandidos , tendo sido advertido pelo então delegado: - “Se matar alguém vai ser processado por homicídio” ...

Mas o “alemon Schmidt” não se conteve de um tudo e – na impossibilidade de matar os ladrões - carregou diversos cartuchos com pólvora e , no lugar dos chumbos, cargas de sal grosso. Tiro e queda : - acertou as costas do gatuno e dizem que a ferida não cicatrizou nunca , deixando o meliante com dores insuportáveis – “corria água na ferida dia e noite” - o que rendeu até um certo sentimento de piedade nas pessoas , a tal ponto que o Juiz Municipal não vacilou em determinar a apreensão da arma e abriu um processo por lesões corporais que acabou arquivado “por insuficiência de provas”.

Algum tempo depois, sabedores de que o “alemon Schmidt” estava desarmado, meliantes se arriscaram a uma nova incursão , mas desta feita ao tentar chegar no galinheiro, depararam com arames eletrificados, levando uma “patada” – choque elétrico – o que afastou e frustrou o iminente furto das aves .

Um deles então decidiu escalar a chaminé do galpão onde eram fabricados os queijos e os salames, enquanto o outro ladrão ficava à espreita dando proteção . Mergulhou no cano da chaminé do forno onde eram “defumados” os salames e toicinhos . Mas logo a seguir começou a gritar que estava entalado no meio do caminho .... O “alemon Schmidt” havia colocado uma rede de arames já prevendo a “visita” .

A gritaria acordou o “alemon Schmidt” que saiu de sua casa, e pacientemente foi para o galpão provocando um silêncio sepulcral e uma nervosa curiosidade nos larápios, tanto o que estava preso no cano da chaminé , quanto o que havia se postado à espreita . Logo o que era expectativa virou desespero ...

Os enormes braços do “alemon Schmidt” carregavam toras de lenha de “vassoura vermelha” que iam sendo acomodadas no leito do forno e a fumaça então produziu o cheiro típico do fogo alimentado à lenha de mato cujas primeiras chamas já se fizeram acompanhar dos gritos de socorro do meliante.

O outro, em desespero, diz o folclore que corria mais que uma lebre e chegando à Delegacia acordou o Delegado Dadeu que dormia no pequeno apartamento funcional aos fundos da repartição, confessando o crime, mas clamando pela vida do cúmplice. Subiram no Jeep e passaram no destacamento da Brigada Militar onde recolheram o apoio de dois soldados PMs , rumando para a chácara . Ainda ouviam alguns gemidos agonizantes vindos da chaminé , enquanto os soldados e o próprio Dadeu jogavam baldes de água no fogo.

O gatuno foi levado ainda com vida ao Hospital de Candelária – sobreviveu com queimaduras graves e muitas cicatrizes de herança - dividindo cela depois de recuperado com seu colega ladrão . Dadeu indiciou o “alemon Schmidt” por tentativa de homicídio, mas ele foi levado à Júri popular sendo defendido por um jovem advogado de São Sepé que alegou inocência, visto que seu cliente não sabia da presença do ladrão quando ateou fogo ao forno ... A tese de defesa nem era tão consistente, mas dizem que os jurados não se arriscaram a condenar o vingativo “alemon Schmidt” ...