O ESQUARTEJADOR, SEGUNDA PARTE
Tangenciando a noite, o sol, numa agonia dourada, tentava curvar seus raios pelo horizonte, assombrado já pela escuridão.
Pela rua deserta e tomada pelo frio da brisa vinda dos morros adjacentes, a velhinha caminhava, pensando em nada.
A vida que não lhe fora venturosa, também não lhe pregara grandes peças. Feliz a seu modo, nenhum dissabor perturbava a sua existência.
Pela manhã fora ao postinho.
Na farmácia ficou sabendo que o seu remédio ainda não havia chegado. Não tinha importância, voltaria no dia seguinte.
E, já que estava lá, aproveitou para tirar a pressão. Estava tudo bem, ainda bem.
Tomou um cafezinho com a enfermeira, sua amiga.
Cumprimentou o médico que chegara atrasado e tinha cara de poucos amigos. Mas ela sabia que era coisa de momento. Logo ele estaria atendendo a todos com a dedicação de sempre.
Na volta para casa teve uma idéia: iria para o outro lado da cidade.
Há muito não tinha notícias da irmã, e já que não pagava ônibus mesmo...
Matando as saudades, as irmãs não viram a hora passar.
Reviraram até as caixas de sapatos, revendo as fotos de família e, entre lágrimas e sorrisos saudosistas, revigoraram suas forças e afinidades.
Mas a tarde chegara e ela precisava voltar. Não queria, mas a sua casa era a sua casa, enfim...
Agora caminhava lentamente e, não fosse pelo vira-lata que fuçava um saco de lixo no meio da rua, ela seria o único ser vivente por ali.
À porta da casa ela encontrou uma sacola de grife e, embora não era seu costume, levou-a para dentro e a colocou sobre a mesa.
Ligou o televisor "para esquentar" e correu ao banheiro, pois estava que não aguentava mais...
* * *