A Muquirana, capítulo 2

Desde que a idosa fora encontrada morta na cama, dentre os membros da família, Mota só conversara com Eduardo. Era um rapagão, enorme, que devia ter uns dois metros, mais ou menos. Tinha aquela aparência saudável dos germânicos, ossudo, e com os cabelos meio avermelhados. Do pai, que devia ser bem brasileiro, parecia não ter herdado mais que o sobrenome. E uma cadeira na diretoria do Grêmio Desportivo Pereiropolitano. Ele tinha uma cópia da chave da casa da avó, afinal, entrara sem bater. Tinha ficado com o número do celular dele, e, certamente, Mota faria uso daquele número, oportunamente. Mas, naquela hora, o que mais o intrigava era a relação entre mãe e filha. Tudo o que o detetive sabia era que elas tiveram uma briga séria, anos antes. E foi para a casa da filha, Valquíria, que ele se dirigiu, quando desceu no ponto de ônibus, quase em frente da casa da velhinha. Viviam a menos de quinhentos metros em linha reta, na mesma rua, e não se falavam havia pelo menos dez anos. Mota fez o percurso a pé. Deu-se o trabalho de contar os passos: setecentos e oitenta passos mais ou menos miúdos.

— Uau... – foi o que Mota conseguiu dizer, quando viu a casa dos Marques, onde vivam Valquíria e o marido, que Mota ainda não sabia o nome. Era um sobrado colonial, em estilo enxaimel, impecável. Parecia com algumas das casas de Linha Bonita, aquelas que ainda existem, originais, do século XIX, cujos habitantes pareciam recém ter chegado com a primeira leva de colonos alemães e austríacos. O terreno era cercado por uma sebe indefectivelmente aparada , ponteada por pés de hortênsia, em plena floração. Lembrava ao Mota um quadro que havia na casa de sua mãe. Até o galo de metal, empoleirado em uma rosa dos ventos, na cumeeira mais alta das tantas “águas” do telhado. Mota não lembraria depois para que lado apontava, até porque não tinha vento.

— Bonita, né? – ouviu uma voz de homem, do lado de dentro da sebe.

— É, sim. Nossa. É um cartão postal. – respondeu o detetive, espontaneamente.

— O senhor está procurando alguém? – perguntou o homem, vestindo um macacão verde, luvas e galochas de borracha amarelas, de maneira que a figura completa lembrava um jardineiro de filme. Aliás, tudo aquilo era insolitamente cinematográfico, o que deixava Mota um tanto impaciente. O rosto do homem não lhe era estranho, viçoso e corado como um anão de jardim.

— Sim. É aqui que mora a senhora Valquíria Marques, se não me engano? Eu sou...

— Não, o senhor não se engana – interrompeu o homem, com um sorriso que Mota não soube decifrar – gostaria de falar com ela?

— Se não for um incômodo...

— Imagine. Por aqui, por favor – disse o anão de jardim, tirando as luvas de borracha, colocando-as nos bolsos do macacão, apontando para o caminho calçado de pedras, o mesmo que levava à garagem e à porta de entrada do sobrado. Caminhava de um jeito engraçado, balançando um pouco para os lados. Bergamota respirou fundo para não rir.

Sem nenhuma cerimônia, o homenzinho abriu a porta da frente, e falou em tom de voz alto, mas docemente

— Amor, temos visita. Vou entrar pela porta da cozinha.

— Já vou – respondeu “amor”, lá de dentro. Mota se sentiu meio idiota por ter concluído um pouco tarde que aquele homem engraçadinho era o Sr. Marques, o dono da casa. Mas sua suspeita estava certa, ou quase: Eduardo herdara dele só o nome, o título do clube social, mas também uma bela propriedade.

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