Quando a Casa Cai...

“- Investigação criminal é foda!

Eu e minha equipe ficamos quatro meses na campana desses malandros e finalmente conseguimos engaiolá-los com uma quantia substancial de pó, pedra, erva, bala e doce. Prá quem ainda não entendeu o babado: cocaína, crack, maconha, ectasy e LSD. A marihuana eu até podia acreditar que era prá consumo próprio da molecada. O resto tava é muito do suspeito. Só prá começo de conversa eram doze quilos da branquinha. Doze quilos prá consumo? Nem um aspirador de pó agüenta isso.

Claro que era piázada de faculdade. Esses putos sempre estão se metendo em confusão! Sempre em crimes e contravenções. Tem para todos os gostos. Desde trote nos calouros com uso de violência até tráfico pesado nas barbas dos professores e reitores. Imagino que os profes também devem consumir o seu baratinho qualquer. Afinal, ninguém é de ferro. E para aturar esses boyzinhos deslumbrados eles devem ficar entorpecidos durante todo o expediente. Essa é minha humilde opinião. Eu também gosto de fumar um baseadinho de vez em quando prá ficar mais gostoso. Para relaxar da tensão do dia a dia. Porem eu não fico entregando minha rapadura prá ninguém. No distrito também tem colegas que caem com tudo nas drogas. E os agentes infiltrados, então? Uma vez vi um maluco desses enfiar uma agulha no braço cheia de heroína só prá entrar no clima. Um ano depois foi internado numa clinica de reabilitação e transferido lá para onde o Judas perdeu as meias. Profissionais do nosso ramo também podem se viciar. E tem muitos que se viciam mesmo. Cavacos do ofício. “Ócios dos orifícios”, com dizia um poeta aqui da terrinha.

Foi lindo quando demos o flagrante na rapaziada. Teve babaca que na hora que foi algemado e caiu prá dentro da viatura começou a ter chilique e chorar feito criança! Parece mentira, mas teve um, o mais boçal de todos, que a hora que a casa caiu parecia um moleque birrento de sete anos de idade! Dá prá acreditar? Os caras carregam um montão de droga pesada em cima e acham que não vai pegar nada? Doce ilusão, xará. Pode fazer e acontecer à vontade. Se a cana dura pegar o “fragoroso” nós não vamos aliviar a barra de ninguém. Sou macaco velho. Tenho 15 anos nesse ofício. Estudei cinco de Direito para passar num concurso público e ser nomeado. Fui designado direto prá Entorpecentes. Posso dizer com certeza que gosto do que faço. Nesse ramo tem cara que paga a propina e fica sossegado, tem outro que tá com o nariz cheio de “talco” e quer trocar tiros e morre de bobeira, e tem esses idiotas que nasceram em berço de ouro e acham que precisam de “emoções fortes”. Quando esses aí vem na nossa mão pagam caro. É processo e detenção. Pode ser estudante do que for. Se for “estudante” é porque ainda está estudando, certo? Certíssimo.

Lembro de uma vez que fiz uma diligência e abordei o carro do cidadão. Tava cheio de droga o carango! Dei voz de prisão e cara devia estar com os cornos cheios de algum barato e quis me peitar dizendo que era estudante de Direito! Grandes merdas! Tomou um pé debaixo do ouvido que deve estar zumbindo até hoje e foi direito prá dentro do xilindró. Sem cuspe. Tá pensando o quê? Autoridade aqui sou eu, meu chapa.

Agora a molecada tá no distrito tudo com carinha de Madalena arrependida. Na hora de fazer a presepada todo mundo no maior gás. Quando dão com os burros n’água ficam apavorados e fazendo caras e bocas. Porra, o bagulho é proibido no Brasil! Então? Só faço meu trabalho, meu amigo. Só tento trabalhar direito. Peguei em flagrante não tem discussão. Quem paga meu salário são os impostos do povão. Servidor público estadual. É isso que sou.

Agora, quando vem o pai e mãe desses bostas com aquela conversinha mole que o marmanjão de vinte e tantos anos não passa de uma criança e que isso é coisa da idade, juro que me dá uma vontade de cobrir de bordoada.

Mas seguro minha onda. Porque eu não estou nada a fim de responder processo administrativo.”

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 24/08/2010
Código do texto: T2457034
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