ANJOS LOIROS

Aquele era o metro o quadrado mais caro da cidade, e morar ali,era privilégio de bem poucos. Havia na vizinhança uns cinco condomínios de luxo e a construtora se preparava naquele dia para começar a edificação do sexto.

Villeneuve,rico empresário da construção civil,fazia questão de estar presente,quando o trator levantasse o primeiro pedaço de terra,que seria o passo inicial para mais uma torre de quarenta andares.

Já na planta,todas as unidades haviam sido vendidas, o que era motivo para uma dupla comemoração. Insistia em usar sempre a mesma equipe,que trabalhou na construção de seus últimos projetos,do engenheiro chefe ao ajudante de obras,todos eram profissionais experientes e qualificados no ramo da construção civil.

O empresário recuperava-se da perda da filha,jovem de quinze anos que desaparecera em circunstâncias misteriosas,assim como outras três jovens,todas na mesma faixa etária e com o mesmo perfil: brancas,magras,altas e loiras,estilo Top Model. Durante esses nove meses,em que quatro garotas sumiram (apenas três corpos haviam sido encontrados),o departamento de polícia da cidade,já tinha esgotado todos os recursos na busca por esse maníaco homicida,que raptava as jovens,as levava para um lugar ermo,as matava asfixiada e depois abusava sexualmente delas,escapelando-as em seguida. Os cabelos cuidadosamente postos em um saco plástico,era envelopado e endereçado aos pais das vítimas,sempre homens importantes: políticos influentes,juízes,empresários,médicos. O modo operante sempre o mesmo. Quem seria esse doente, e qual seria sua intenção,em torturar duplamente os pais daquelas garotas,que já bastantes maltratados pela perda da filhas,ainda sofriam forte trauma,ao abrirem o envelope, e se depararem com a longa e loira cabeleiras de sua meninas? Em um papel azul,colado com letras de jornal,a seguinte oração: “A soberba destrói”.

Chamo-me Antunes, e sou o investigador responsável por esses casos,batizados como : “Operação anjo vingador”, e naquela manhã,que já tinha me comprometido com minha ex-mulher que iria buscar nosso filho na escola e depois almoçar com ele no shopping,tive meus planos alterados,quando às 11h40min, meu celular tocou,teria que pegar o menino às 12 horas no colégio.

-Alô...Antunes.

-Alô Tenente

-Sabe onde está acontecendo o levantamento da pedra inaugural do Babilônia?

- O novo condomínio da construtora Villeneuve?

-Esse mesmo.

-O que tem senhor?

-Corra pra lá agora,encontraram um cadáver enterrado no terreno,ao que parece é mais uma vítima do “Sr.Soberba”,era assim que o serial era conhecido.

O sangue fugiu do meu rosto,outra vítima? Meu Deus,será que esse pesadelo não acaba nunca?Pensei comigo mesmo. Desliguei o celular,dei o balão com o carro,estava a uns seis quarteirões do local do achado macabro,lembrei-me do meu filho, e agora? Liguei pra minha ex,após meia dúzia de impropérios,e a promessa velada de que se quisesse ver meu filho novamente,que entrasse na Justiça,pra deixar de ser negligente. Desligou o celular e freei bruscamente em frente ao imenso terreno onde se levantaria o Babilônia.

Os repórteres já se amontoavam ávidos por sangue,como urubus em meio a um aterro sanitário. Identifiquei-me, a legista foi logo dizendo:-Antunes,acho difícil uma identificação imediata,o cadáver está em péssimas condições,mais o bacana ai,jura que é a filha desaparecida.

-Quem Villeneuve?Assustei-me. Só podia estar delirando.

-De certo o corpo estava irreconhecível,vamos precisar de tempo.

-Quanto tempo?

-Acho que 24 horas no mínimo,melhor ir falar com ele.

-E o cadáver?

-Ainda na pá da basculante,pedi para baixá-lo só quando chegasses.

Dirigi-me primeiro ao corpo,será que o empresário estaria certo? A filha desaparecera a cerca de quarenta dias,aquele corpo deveria ter aquele tempo de morto. Avaliei rapidamente.

-Podem levá-lo.Por favor doutora Sarah,pense que isso é urgente.

-Farei o possível, assim que tivermos resultados concretos,telefono avisando.

-Ok,agradeço, agora vou falar com Villeneuve.

O estado do empresário era lastimável,entre lágrimas só repetia a frase: “Minha pobre filhinha”

- O que o faz pensar que esse corpo é o da sua filha Júlia? Perguntei seco.

Ele olhou fixo em mim.

-Meu Deus!!! O que tem feito para descobrir quem é esse monstro que faz isso com as filhas de gente de bem? Responda!Gritou –o que tem feito?

-Acalme-se

-Acalmar-me?! Vendo o corpo da minha pobre filha em frangalhos?

-Como sabe que é sua filha?

-Coração de pai não se engana, e além do mais,aquela tornozeleira foi eu quem lhe deu,quando fez treze anos,tem um pingente que é a fada Sininho em ouro,com os olhos de esmeraldas,pendurada no fecho.

Estava completamente embaraçado diante do sentido observador que tinha aquele homem,ter os olhos voltados justo para a tornozeleira?

-Antunes,isso fica com você, um policial havia vindo me entregar justamente essa peça em um saco plástico lacrado ,escrito: “Prova”,eu observei e conjeturei,diante disso,devo admitir que tenha 90% de chances de ser o cadáver de Júlia,pois a jóia era exatamente como o pai descrevera.

Ainda fiquei por ali,tentando encontrar pistas,tinha a impressão de que aquele cadáver havia sido “plantado” ali de propósito,para que aquilo tudo acontecesse,algo melimetricamente planejado.-Diabos!!! Que canalha,gritei levando a mão a cabeça. Um maldito desse merecia ser condenado à cadeira elétrica,se tivesse pena de morte em nosso país.Fui para a delegacia,precisava olhar os laudos e comparar a forma como as outras meninas haviam sido encontradas,se havia algo em comum entre elas. Júlia era o quarto cadáver a ser encontrado,lembrei que os chineses tem pavor do numero quatro,representa a morte para eles.

Houve forte pressão da imprensa, e em poucas horas,três suspeitos haviam sido detidos,mas como estavam “limpos”,tiveram que ser liberados.Passei o resto do dia analisando fotos e provas,o maníaco que fizera aquilo,não tinha interesse nenhum em valores materiais,aquela tornozeleira deveria custar à bagatela de uns cem mil no mínimo,as esmeraldas eram consideráveis.

Exausto fui pra casa,precisava descansar,eram quase vinte e três horas,cheguei,tomei um banho,engoli um sanduíche com suco,apanhei o controle da televisão,pensei em assistir o jornal,desisti,o noticiário só falava do corpo encontrado.Deitei no sofá e pensei:-Como um homem desesperado,ia atentar para uma pulseira de pé,quando esses pés encontravam-se coberto de terra?

Decidi que após os funerais iria ter uma conversa com Villeneuve,meu celular tocou,era Sarah.

-Alô Antunes

-Alô Sarah,então?

-Você vai ficar surpreso com o que vou te falar

-Diga

-Júlia não foi estuprada!

-O que? Então é ela mesma?

-Sim,é ela,mas não havia nenhum sinal de violência sexual, e ainda posso assegurar que o assassino hesitou em tirar em escalpelá-la.

-Tem certeza disso? Perguntei surpreso

-Pelos anos de profissão,posso dizer com cem por cento de certeza,ele conhecia a vítima,mais que isso, tinham afinidade,a menina não foi dominada,parece que havia confiança em seu algoz,diferente das outras três vítimas.

-Sim,as outras tinham hematomas pelo corpo e foram brutalmente violentadas.

-Sabe o que isso significa? Temos um suspeito...

-Villeneuve.Dissemos juntos.

-Por isso identificou a tornozeleira da filha,mesmo em choque, e o corpo?

-Foi liberado,o sepultamento é amanhã.

-Estarei lá Sarah,quero olhar Villenenuve nos olhos.

-Faça isso,mas agora descanse,vou fazer o mesmo,ma mantenha informada,ok?

Então era isso,canalha maldito!!! Mas como acusá-lo sem provas,m homem rico,influente,amigo íntimo do governador?

Acordei cedo,nem fiz a barba,tomei um gole de café gelado do dia anterior,e parti pro cemitério,precisava encarar o patife.

A capela mortuária já estava lotada,eram nove horas,não demorou a urna lacrada com o corpo de Júlia chegou,amparada pelo marido, a senhora Villeneuve, estava muito abatida,um enorme óculos de lentes negras,impedia de ver as olheiras profundas,me mantive afastado,não queria que ele me visse,assim poderia analisar melhor os passos,a fisionomia,daquele que até então pra mim era um pérfido assassino. Na missa de corpo presente, o padre em sua indumentária de gala,encomendava a alma em latim,um coro de adolescentes entoou Ave Maria de Gounod,os soluços se misturavam a melodia. Na hora do caixão baixar à cova,a mãe não resistiu e desmaiou,foi levada para uma sala,onde médicos a atenderam,algumas amiguinhas disseram palavras de despedida.Villeneuve ficou até o fim,acho que aquele sepultamento seria um alívio para sua consciência perturbada pelo remorso,não resisti,quando ele caminhava para o carro,o abordei.

_Senhor Villeneuve,precisamos conversar

-Agora investigador?

-O mais rápido possível.Disse seco.

-Amanhã passe em meu escritório, cedo estarei lá, e dizendo isso entrou no carro.

Resolvi descansar pelo resto do dia,dei um telefonema para meu chefe e disse que ia trabalhar no caso,tentativa vã..algum tempo depois,meu celular tocava,me avisando que outra vítima do Senhor Soberba,havia sido encontrada,achei muita coincidência,um corpo achado em seguida de outro,parecia ter sido feito de propósito,para desviar a atenção de Júlia,mas se fosse o empresário a que horas teria praticado esse crime? Teria um cúmplice? Impossível,pesquisas comprovam que seriais costumam sempre agir sozinhos.

No outro dia,fui ao escritório do empresário,ele demonstrava estar muito infeliz.

-Deve estranhar eu aqui trabalhando. Não respondi nada. Sempre fui assim,me entrego ao trabalho para esquecer o sofrimento,assim foi quando perdi meus pais,e deu certo.

-Senhor Villeneuve,vou direto ao ponto,não pretendo tomar muito seu tempo.Júlia conhecia o assassino.

-Como? Perguntou assustado.

-Júlia não foi violentada,nem espancada,quem a escalpelou,parecia não estar com coragem para fazê-lo.

-Quem foi esse maldito? Ele levantou-se e caminhou pela sala como uma fera enjaulada. Você suspeita de alguém?

-Sim. Do senhor,disse a queima roupa.Ele pareceu desfalecer,o semblante empalideceu,tal qual um boneco de cera amarelado, o suor escorria de seus ralos cabelos,os olhos esbugalhados.

-Está louco filha da puta? Gritou,dando um soco na mesa. Caia fora daqui,senão eu me tornarei um assassino de verdade.

Levantei-me calmo,podia ver que aquele sujeito era um canastrão, e não conseguiria manter aquele teatro bufo por muito tempo.

-Saia da minha frente senão não respondo por mim.

-Será difícil,não tenho cabelos loiros,nem longos.Ironizei.

-Vou processá-lo,juro.

-Antes disso volto com um mandado e o ponho atrás das grades.

-Tem ódio de mim,porque consegui desapropriar e tirar teus velhos do terreno em que moravam?

-Não se preocupe,eu volto!!! E dizendo isso sai.

Não chegava a odiá-lo, tudo bem que foi um período muito difícil para meus pais,acho que nunca chegaram a superar a perda da casa que compraram com muito sacrifício na década de cinqüenta, o preço pago pela desapropriação foi muito menor do que o imóvel e o terreno valiam,lembro que depois disso,papai entrou em profunda depressão,adoeceu e morreu em pouco menos de um ano,e minha mãe,coitada,foi logo atrás...enfim!!!

Por coincidência,ou não, depois daquele bate boca,fui afastado do caso,exatamente no dia em que encontraram a sexta vítima,embora já houvesse registro de mais de quinze moças desaparecidas até aquela data,todas com o mesmo perfil alvo do serial.

Depois desse,nenhum outro crime ocorreu,que pudesse ser associado ao nosso maníaco,o caso foi arquivado,junto com as poucas provas.Nem mesmo a influência das famílias das vítimas adiantou. Villeneuve inaugurou o Babilônia e mais outros três condomínios,em um prazo recorde de dois anos. O mais recente,recebeu o nome de Júlia Villeneuve,talvez uma tentativa de “resgatar” sua liberdade emocional,que com certeza estava encarcerada na cela do remorso,ou não!

Confesso que ainda tentei investigar por conta própria,mas meu esforço foi em vão,e resolvi parar. Hoje quase três anos depois do sepultamento de Júlia,estou aqui diante de seu túmulo,vim lhe trazer margarida amarelas,como pequenos girassóis,eram suas flores preferidas; como eu sei??!! Todas as meninas sempre têm um diário secreto.

Maíra Monteiro
Enviado por Maíra Monteiro em 16/11/2010
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