A VELHA DA CASA DE POMBOS

Naquele belo dia de domingo, eu e meu amigo Emanuel passeávamos pelas matas floridas da vegetação recém restaurada com as chuvas que há uma semana banhavam a região. Foi quando vimos dois pombos voarem alto no céu. Isso nos lembrou que perto da vila dos agricultores vivia uma senhora de aspecto muito estranho, tinha a pele escura como à noite e duas grandes verrugas na face acima do lábio superior. Todas as crianças da região tinham um imenso pavor daquela mulher macabra que um ano atrás se apossou da velha casa de pombos situada no terreno do tocador de viola. Osvaldo abandonara aquela região levando apenas sua viola e a roupa do corpo, dizendo que iria buscar fama em alguma cidade bem longe dali. Vendeu o terreno a um senhor desconhecido que nunca veio sequer olhar as terras que comprou. Até a estranha mulher aparecer carregando uma enorme sacola preta num fim de tarde quando o sol já desaparecia no horizonte da serra. Desde aquele dia aquela mulher se isolou completamente na casa de pombos sem jamais trocar uma única palavra com ninguém. Parecia que alguém lhe tinha arrancado à língua. Quando saia da vila, voltava uma semana depois carregando a mesma sacola preta. Eu e meu amigo estávamos exatamente no terreno do senhor Osvaldo procurando um carneiro que tinha pulado da cerca do curral da fazendo de seu Pedro, onde trabalhávamos em período integral. Apressados em encontrar logo o fugitivo e aproveitar o resto do dia ouvindo os violeiros que estavam de passagem pela fazenda, saímos olhando rapidamente em todos os lugares até que ouvimos alguns disparos vindos da casa onde vivia a estranha mulher negra de cabelos assanhados. Era comum no interior do nordeste, caçadores patrulharem aquele lugar tentando matar algum preá ou qualquer outra caça. Por isso resolvemos encontrar o autor dos disparos para lhe dizer que desde o começo da manhã havia um carneiro perdido pelo mato e que parasse com a caçada pelo menos até nós o encontrar-mos. Só que o rumo dessa história mudou completamente quando vimos um homem alto e forte enterrar um cadáver embrulhado num saco preto exatamente no quintal da velha casa de pombos. Nossos ossos ficaram congelados de medo e pavor! Amedrontados e escondidos num monte de entulho próximo da cerca que dividia o terreno do seu Osvaldo com as terras da fazenda de seu Pedro. Era mais que óbvio que o embrulho misterioso tratava-se do cadáver da velha das verrugas como era chamada pelos habitantes da vila próxima. Por algum motivo aquele homem tinha assassinado a estranha mulher e a enterrado no quintal de sua casa. Continuamos olhando cautelosamente, quando de repente o sujeito levantou da cova e saiu em disparada num cavalo que estava amarrado nos fundos da casa. Vimos também que, dois pombos idênticos àqueles que vimos na mata, pousaram na janela e entraram na casa pouco antes do homem vestido de vaqueiro americano, terminar o serviço no quintal.

Meu coração estava a mil por hora, as pernas do meu amigo não paravam de tremer diante daquele grotesco acontecimento. Tínhamos muito medo, mas acima de tudo éramos muito curiosos, por isso atravessamos a cerca e nos dirigimos até o local, sempre olhando para os lados com medo de que alguém pudesse nos ver naquele lugar bizarro. Emanuel estremeceu ao ver diante dos seus olhos um machado ainda sujo de sangue que se encontrava encostado na parede da velha casa!

— O que será isso David? — Perguntou meu amigo olhando assombrado para um velho saco preto escondido atrás da porta.

— Não sei e não estou com vontade de saber! — Respondi de imediato, embora uma insuportável curiosidade me fizesse imaginar o que diabo poderia ter dentro daquele estranho saco, que sem dúvida era muito parecido com o que a velha carregava quando entrou na vila pela primeira vez.

A casa por dentro, encontrava-se completamente imunda. Havia antigos destroços de móveis espalhados pelos cômodos. Além de um incômodo cheiro dos dejetos e urina dos pombos e ratos. Vasculhamos a casa em busca de algo que pudesse nos esclarecer o que tinha acontecido há alguns instantes, mas a única coisa que encontramos foi um machado cheio de sangue que poderia muito bem ter sido a arma utilizada para abater a vítima humana. Ou quem sabe o pobre carneiro morto e pendurado na parede de um minúsculo quarto da velha casa onde seu Osvaldo convivia com sua pequena criação de pombos.

— Esse lugar me dá arrepios! — Exclamou meu amigo com um olhar de pânico na face.

— Tem razão! É melhor irmos embora, mas eu creio que não tornaremos mais a encontrar nem a velha estranha que morava aqui, muito menos o carneiro que era do seu Pedro.

— Você acha que aquele pobre carneiro morto era o mesmo que estávamos procurando na mata?

— Tudo leva a crer que sim. A questão é quem iria matar uma velha negra, matar um carneiro, enterrar a velha no quintal, supondo ser ela que esteja naquela cova, e depois pendurar o corpo do carneiro em um torno de madeira fincado na parede de um dos quartos da casa?

— Eu não sei! — Disse meu amigo, quando um calafrio percorreu-lhe a espinha.

Não falamos mais nada, apenas saímos cautelosamente até a porta e fomos embora daquele lugar que poderia tornar-se o nosso túmulo caso aquele homem voltasse. Resolvemos não tocar no assunto por algum tempo, e acima de tudo não contar a ninguém do ocorrido.

Passaram alguns dias sem que nada de anormal acontecesse. Os habitantes da região estavam ocupados de mais com seus afazeres para notar a falta de uma estranha a qual procuravam manter o mais distante possível. Embora um ou outro comentário surgisse de vez em quando entre os piões das fazendas e chácaras vizinhas. Alguns diziam que a velha negra era uma praticante de magia negra e que na casa onde vivia era fácil encontrar animais mortos de forma cruel e grotesca para a realização de rituais mágicos. E de fato começamos a acreditar nessa hipótese quando associamos isso ao fato de que algumas crianças desapareceram nas regiões próximas onde se localizava a casa de pombos. As coisas estavam nesse ponto quando uma notícia surpreendente chegou à fazenda de seu Pedro. Um caçador tinha encontrado na casa de pombos um baú enterrado contendo vários malotes de dinheiro. Eu corri até a casa do meu amigo Emanuel e juntos fomos averiguar o caso. Qualquer um que se deparasse com tal soma de dinheiro iria provavelmente desaparecer com ela sem deixar rastros, menos um homem, Matias, o velho caçador era o homem mais honesto e justo da região.

Quando chegamos à velha casa de pombos, vimos que estávamos certos, Matias havia encontrado o saco. A primeira cena que vimos foram várias pessoas reunidas em torno do saco cheio de dinheiro, conversando com Matias. Ao lado do saco uma peruca velha, um kit de maquiagem e uma pá encostada na parede. Ao examinar uma das notas com a mão, notei que a textura era muito lisa, ocorreu-me então que talvez aquele dinheiro fosse falso, isso explicaria a razão pela qual o homem foi embora da cabana sem levá-lo consigo. Entre os homens no local estava também um oficial da justiça que achou conveniente levar o saco de dinheiro para ser analisado na delegacia da cidade. Eu e Emanuel ficamos no local depois que todos foram embora acompanhando o oficial.

— Escute Emanuel, — falei ao meu amigo. — a resposta para esse mistério está na cova aonde vimos aquele homem enterrar alguém ou alguma coisa.

— Você não está pensando em cavar aquela cova pra ver o que tem lá, ou está?

— É o mais lógico a se fazer, não acha?

— Não David, — respondeu meu amigo — é melhor não fazer isso!

Mesmo com medo, meu amigo me ajudou a desenterrar o misterioso embrulho. Enquanto fazíamos isso, notamos que alguns pombos que estavam ali perto das paredes da casa tinham alguma coisa enrolada nas pequenas patas, algo semelhante a minúsculos pedacinhos de papel. Para nosso espanto, descobrimos no fundo da cova criada pelo misterioso homem mais sacos de dinheiro dentro de um plástico negro. Dentro da casa Emanuel encontrou um bilhete escondido debaixo dos restos de uma cômoda. Emanuel o tinha encontrado por puro acaso, na verdade ele estava procurando alguma coisa para cortar os grossos barbantes dos sacos que encontramos. O bilhete era um conjunto de informações muito interessante:

O esquema falhou. Escondi o dinheiro verdadeiro numa cova nos fundos da casa. O processo de lavagem foi descoberto por um agente federal infiltrado. Ele sabe sobre o nosso sistema de comunicação, por isso, é bom você ignorar as mensagens dos pombos, elas são falsas. Assim que você ler este bilhete destrua-o!

Obs. Depois que a poeira baixar você pegará o dinheiro e irá nos encontrar na nossa terceira base de operações, por enquanto fique escondido e destrua também o material do meu disfarce, na pressa eu esqueci.

Ass. J. B.

Aquele bilhete explodiu como uma bomba em nossas mãos, afinal existia uma quadrilha especializada em lavagem de dinheiro bem debaixo do nosso nariz. E ao que tudo indicava essa quadrilha estava prestes a ser desarticulada pelos federais. O nosso problema era descobrir a quem o bilhete estava endereçado, é lógico que não era para a estranha mulher negra, pois no bilhete fica claro que aquela figura estranha era apenas um disfarce do homem que saiu em disparada após esconder o dinheiro. Antes que pudéssemos verificar os sacos que encontramos, avistamos alguém se aproximando e por isso nos escondemos cautelosamente atrás de alguns armários velhos. Nossos olhos estavam atentos a cada movimento do intruso, que parecia estar muito nervoso, pois estava falando sozinho quando entrou:

— Meu Deus! Por que eu me meti nesta encrenca. Aqueles imbecis vão me matar se eu não cumprir a minha parte do acordo. Ficar rico sem fazer esforço, que idéia! E para piorar acabei demorando muitos dias para vir até aqui! — disse o homem bronzeado e careca de estatura mediana que deixou os nervos do meu amigo Emanuel muito tensos, pois ele percebeu o cabo de um revólver na cintura do homem, que cintilou com a luz que vinha da porta escancarada. — Onde foi que aquele desgraçado do Jeferson escondeu as instruções. Aquele idiota foi muito burro ao deixar que um caçador da região encontrasse um dos sacos de dinheiro falso. — o homem passou muito tempo procurando atrás da cômoda e de outros móveis antigos as tais instruções, mas não encontrou nada, afinal nós estávamos com elas. Meu receio era de que ele viesse procurar onde estávamos escondidos, porém ele resolveu ler o que estava escrito nas mensagens dos pombos.

— Se Jeferson não colocou nenhuma instrução debaixo da cômoda, significa que ele estava com muita pressa em abandonar esse mausoléu, o carneiro que roubei do seu Pedro e deixei aqui pra ele comer já está fedendo na parede do quarto. Mas como fui burro! — disse o homem batendo a palma da mão na testa. — As instruções devem ter vindo direto da nossa segunda base de operações através de nossos pombos-correio. Espero que eu esteja fazendo a coisa certa! — disse o homem a si mesmo ao desenrolar uma das pequenas tiras de papel envoltas na pata esquerda do pombo-correio, enquanto eu e meu amigo estávamos acompanhando cada movimento do homem através das frestas dos armários.

— Essas mensagens só podiam ser lidas por Jeferson, mas como ele desapareceu sem explicação, acho que posso me inteirar do ocorrido e saber como vão às coisas. Interessante! — falou o estranho ao ler a mensagem. — Então é isso, bem só me resta ir até lá! Vou mandar a resposta agora mesmo. — o homem começou a escrever em uma tira de papel em branco e a colocou na pata do pombo, depois o pegou entre as mãos, foi para fora da casa e jogou para cima. Da porta o vimos olhando para cima enquanto escutávamos apenas o ruflar das asas do pombo no momento em ele voou. O careca não entrou na casa, em vez disso, foi caminhando em direção a estrada, pegou um carro de lotação e desapareceu rumo à cidade. Até ali nós tínhamos acompanhado cada passo daquele homem, da casa de pombos até a beira da estrada, mas agora ele estava fora do nosso alcance, resolvemos que não havia mais nada a fazer exceto voltar até a fazenda de seu Pedro e pedir que alguém nos ajudasse a recolher o dinheiro nos sacos para que fosse encaminhado até a delegacia.

Quando o noticiário das cinco falou sobre a quadrilha recém desmantelada especializada em lavagem de dinheiro, todos ficaram de cabelo em pé, mas nem tanto quanto Emanuel e eu. A reportagem do noticiário era a seguinte:

A famosa quadrilha de lavagem de dinheiro teve seu último membro, Josias da Silva, capturado esta tarde por volta das três horas, quando um hábil agente federal, Mauricio Alves, utilizou o próprio sistema de comunicação da quadrilha para enganar os criminosos. E embora um dos bandidos, chamado Jeferson Barbosa tenha conseguido escapar após descobrir a verdade sobre as mensagens falsas implantadas pelo agente federal nas patas dos pombos-correios, utilizados como sistema de comunicações entre as bases de operações dos criminosos. Informamos que a polícia federal em parceria com a polícia civil e militar já conseguiu capturar o elemento na divisa do estado através de uma denúncia anônima. O bandido confessou que utilizava um disfarce para fazer seu trabalho sujo. Após fazer a lavagem de dinheiro comprando gado com dinheiro falso e vendendo em outras regiões ele voltava para seu esconderijo disfarçado de uma velha negra com uma sacola preta nas costas, recheada com o dinheiro da venda dos animais. A peruca e a maquiagem faziam desaparecer o responsável por inúmeros golpes que deixaram muitos criadores na miséria. Em sua longa ficha de crimes ele também é acusado de abuso sexual de menores, o que o leva a ser o principal suspeito do desaparecimento de algumas crianças da região onde ele atuava. Assim como Jeferson Barbosa outros três criminosos agiam em outras regiões mais distantes do sertão. Todos eles se comunicavam da mesma maneira. Utilizando um grupo de pombos-correios altamente treinados, as informações eram passadas de uma base a outra. Um sistema bem engenhoso, mas que acabou se tornado a ruína de todo o bando. Também informamos que o dinheiro de uma parte dos golpes foi encontrado por dois jovens corajosos, um de 14 e outro de 15 anos, o dinheiro foi devolvido aos seus donos legítimos. Inclusive um dos criadores resolveu, em agradecimento, doar aos dois rapazes duas rezes.

Gilberlandio Francisco
Enviado por Gilberlandio Francisco em 19/05/2011
Código do texto: T2980691
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