O DELEGADO DADEU E O BOM CURANDEIRO

* Da série do DELEGADO DADEU

O Delegado Dadeu , como bom descendente de família italiana era um homem temente a Deus , batizado na Igreja Católica , fora criado freqüentando as Missas e Novenas e não obstante saber-se que o cotidiano da vida policial torna os homens mais frios em relação às rotinas religiosas, ele sempre que podia freqüentava os cultos religiosos das Paróquias por onde passava.

Jamais pensou que durante sua carreira fosse enfrentar problemas atrelados à religião, mas tudo mudou quando Dadeu foi trabalhar em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul cujo nome ele sempre preservava quando contava o causo que aqui vai narrado.

Tanto quanto preservar o nome dessa cidadezinha, Dadeu reconhecia que o episódio lhe rendera problemas em casa, sobrando para pressões e opiniões até de seus parentes mais próximos . O Policial viveu aquilo que poderia se denominar sua própria história de “Guerra Religiosa”.

Tudo transcorria normal na pacata comunidade da “Colônia” onde sete entre cada dez habitantes eram descendentes diretos de italianos, até que chegou a mudança de um cidadão conhecido como “Zé Souza” que se instalou na comuna com uma representação de botas e artigos de “correaria” .

Todavia, paralelamente com essa representação comercial “Zé Souza” montou em um galpão anexo um “Centro Espírita” onde realizava sessões religiosas sempre freqüentadas por inúmeros forasteiros e que foi , pouco a pouco , atraindo muitos dos moradores locais . Era voz corrente que o homem realizava “curas” espirituais.

Não demorou muito em despertar a fúria do Padre e de sua legião de carolas , sobretudo porque corriam notícias que fiéis católicos estavam se valendo até de disfarces para freqüentar o centro espírita de “Zé Souza” e pela cidade espalhavam-se comentários de curas milagrosas.

O Promotor de Justiça sentido-se pressionado acabou determinando a abertura de inquérito policial a respeito de uma senhora que denunciou ter sido “enrolada” pelo Espírita, pois teria ido ao “Centro” para curar uma dor na coluna e este, além de exigir-lhe pagamento, nada resolveu . Dadeu não tardou em descobrir que a senhora era uma das “carolas” e que estava lá a serviço de seu próprio fanatismo religioso.

Tentou explicar isso ao Promotor e ao Juiz de Direito, contudo , ambos cada vez mais pressionados determinaram a prisão preventiva do “Zé Souza” e Dadeu como convém, teve de cumprir a medida recolhendo o infeliz à carceragem da Delegacia de Polícia.

Contrariado com a medida Dadeu já estava, mas sentiu-se ainda mais contrariado quando viu a serenidade de “Zé Souza” ante a voz de prisão. Ele não apenas acatou sem nenhuma resistência, como dirigiu-se ao policial com ternura e humildade . Já no interior da cela, sentado, o homem lia o evangelho e o “Livro dos Espíritos”, como a aceitar calmamente aquilo tudo.

No final da tarde, intrigado e com lástima daquele infeliz , Dadeu mandou abrir a cela e levou um chimarrão “recém encilhado” para matear com o preso . Pediu licença e sentou-se para iniciar um diálogo com o espírita . Foi logo perguntando:

- Me diga uma coisa , porquê um homem como o senhor veio para uma cidade como esta , crivada de católicos ?

O homem com toda serenidade deu-lhe uma resposta que deixou Dadeu petrificado. Disse:

- Delegado, eu já passei por dezenas de cidades e em todas aconteceu a mesma coisa !

- “Eu não posso fugir de minha fé e nem do meu destino” , arrematou.

A conversa foi ficando boa e Dadeu foi ouvindo as palavras sempre mansas e serenas do homem . Ele disse que recebia orientações de um guia espiritual e que os chás e “passes” que oferecia às pessoas não faziam mal a ninguém . E , sobretudo , um argumento do homem estremeceu as bases do Delegado Dadeu, que era um homem muito justo e foi este:

- “Delegado, quantas vezes o senhor ouviu dizer que um Padre Católico foi preso por realizar um exorcismo ou exaltar um “milagre” de cura em nome de Deus” ??

Preso, mas livre para falar , “Zé Souza” foi apresentando ao Delegado Dadeu uma série de relatos históricos de outros religiosos que fizeram apologia a curas milagrosas e que jamais foram tocados pela justiça dos homens .

“Nós espíritas somos seguidamente rotulados como curandeiros e criminosos, não obstante não se conheçam impérios patrimoniais e nem templos suntuosos construídos sob o lastro da doutrina espírita”.

- “Se nosso trabalho fosse criminoso e nós próprios tratados como curandeiros , diga-me Doutor Delegado, onde o senhor conheceu um espírita milionário” ??

Dadeu conta que saiu do interior da cela já no adiantado da noite e teve uma das piores madrugadas de sono de sua vida, tanto que quando o Fórum abriu suas portas Dadeu estava lá de plantão, esperando pelo Juiz e pelo Promotor.

A conversa a portas fechadas envolvendo o trio foi regada por cálidas discussões e, ao final da tarde , sem muitas explicações chegou até a Delegacia o Alvará de Soltura do líder espírita.

Dizem que poucos dias depois Dadeu recebeu uma carta onde “Zé Souza” se despedia da cidade e agradecia o empenho do Delegado, causando enorme surpresa, conquanto ninguém sabia o que havia sido tratado naquela reunião fechada. O espírita não apenas adivinhara os fatos, como sustentava em sua despedida que sua permanência na cidade iria só prejudicar o trabalho de um homem justo e caridoso.

Dadeu jamais foi o mesmo homem depois desse episódio e sempre disse que o caso funcionou como um “divisor de águas” em seus conceitos sobre religião .