ERA SÓ MAIS UM JOSÉ

O pobre sobe o morro e chega em casa depois de mais um dia de trabalho, no qual ele, faxineiro terceirizado faz de tudo um pouco e limpa o pó do chão para tirar dali o seu pão. O pobre, cansado vai para o banho, sabonete? Que nada ele usa sabão, no fim, volta pra sala, cômodo apertado, onde divide espaço com 5 filhos pequenos e a mulher, aflita e preocupada pois o jantar que já estava atrasado, agora parece não vir por que o gás que estava no fim, acabou de evaporar. Chateado, o pobre cujo nome é José, abre a gaveta do armário, comprado no Topa-tudo e tira de lá um CD, pirata na verdade mas não importa pois é dos Racionais MC, chama a mulher e os filhos, coloca o CD num pequeno aparelho de som comprado de segunda mão e tenta dar um conforto a família dizendo que amanhã será melhor. Toca o telefone. Do pobre? Não! Do orelhão que fica no buteco, ao lado do barraco do pobre, é o traficante do morro querendo falar com José e lhe oferecendo o triplo do seu salário ganhado após 30 dias de exaustiva faxina. O combinado? Há ele só teria que ficar na porta do buteco segurando uns pacotinhos com um certo pó branco e depois entregá-los para algumas pessoas, e não precisava nem perguntar seus nomes só teria que anotar os valores num caderno porque mais tarde seria feito o balanço das vendas. O pobre desliga o telefone, pensando muito no que acabou de fazer, mas ao mesmo tempo se lembrando que talvez não tivesse outra escolha pois, o Contrato de Trabalho no Condomínio estava acabando e ele, terceirizado, ficaria desempregado mesmo. 2 anos se passam, e o pobre agora parece rico, antes subia o morro cansado e a pé, agora tá de Pálio Zero, comprado á vista com o dinheiro dos negócios, que é como costuma dizer. Na sua casa as coisas mudaram, o banho é na Hidro, e ele não precisa mais usar sabão porque já pode desfrutar da mordomia dos produtos importados. Na sala o som é digital e com gabinete para 7 CDS, mas é na hora do Jantar que o Zé do Pó como agora é conhecido, mostra o seu luxo pois onde antes havia o costumeiro atraso, hoje em dia tem até hora marcada, 19 hs porque as 20 ele tem encontro com seu fornecedor para fazer o balanço e o acerto do dia. E assim, o pobre vai levando a vida... O homem que um dia limpou o pó da sujeira armazenado nos móveis e no chão, agora possui um estoque de pó na sala do seu barracão. Pó que suja ainda mais, deixando feridas quase incuráveis na vida das pessoas que por ele são vencidas. Mas infelizmente, como diz o velho ditado:

- O crime não compensa!

E numa bela tarde de sábado, o Delegado Jorge Amorim do 16º Distrito Policial, recebe uma ligação anônima, onde uma pessoa lhe revela que no alto do morro, em frente ao bar do Zeca, um certo traficante chamado Zé do Pó estaria vendendo drogas. Só isso bastou para que em exatos 10 minutos 15 viaturas da polícia cercassem o morro. E lá em cima, onde era a BOCA DE FUMO, e o ponto do José, em meio a troca de tiros com a polícia José tenta correr, mas deixa cair sua arma uma 765 cromada mas com a numeração raspada pois é arma do crime. O que fazer agora? O morro todo cercado e pobre do José, ele que graças ao pó deixou de ser pobre, agora desarmado, pobre José, voltou a ser pobre, como escaparia? Um beco, a correria, mas era um beco sem saída, e agora? Talvez invadir o barraco da Dona Maria, mas não deu tempo, e após 3 tiros, disparados pelo policial que o perseguia, um corpo cai no chão, era o José, mas que dó... O homem que saiu de tão baixo, da sujeira do pó, e esteve tão alto, mas ainda sujo e envolto no pó, agora aí está, outra vez caído, imóvel e só, pobre José outra vez no pó. José um brasileiro comum, homem trabalhador, que tirava seu sustento do pó, hoje reside solitário e só na Quadra 28 Cova 15 Cemitério da Paz.

Dele, só restou a certeza de que mesmo tentando se livrar do pó,

pobre José, hoje Jaz completamente desfeito em pó.

ESCREVI ESSE TÊXTO EM 2002, DEPOIS DE TER PERDIDO

ALGUNS AMIGOS, QUE MORRERAM POR CAUSA DAS DROGAS,

E TAMBÉM NO MUNDO DO CRIME. E ESPERO QUE ELE POSSA

SERVIR DE ALERTA PARA TODAS AS PESSOAS, A FIM DE QUE

ELAS EVITEM TRILHAR ESTE CAMINHO,

QUE NA MAIORIA DAS VEZES NÃO TEM VOLTA...