O CHEIRO DA MORTE

A notícia de que um serial killer estava agindo livremente na cidade logo se espalhou e chegou aos ouvidos dos moradores que, em estado de choque, mal conseguiam sair de casa com medo de ser a próxima vítima. O pânico tomava conta das conversas entre os que se arriscavam a passar um tempo em qualquer boteco da região.

Percebendo que a cidade estava à beira de um colapso, mas com uma pulga atrás da orelha dizendo para continuar levando sua vida mansa, o delegado da cidade, já quase aposentado, sabia que precisaria fazer alguma coisa. Dr. Alaor, como gostava de ser chamado mesmo tendo sido registrado como Augusto, convocou a imprensa e, demonstrando muita estupidez, disse que a história do tal serial killer não passava de um boato. Invencionices da oposição, que queria derrubá-lo do cargo.

Os mais inocentes chegaram a acreditar na história, mas logo perceberam que foram enganados, quando na mesma noite, correu a notícia de que mais uma vítima havia sido encontrada. E dessa vez não era um cidadão qualquer, já que se tratava do dono da padaria. Da mesma forma que ocorrera com as outras vítimas, o padeiro foi encontrado nu, amarrado à cadeira da cozinha.

E logo que ficaram sabendo do novo crime os primeiros protestantes começaram a se amontoar na frente da delegacia. Além de ofender o Dr. Alaor, eles pediam também para que um novo delegado fosse colocado no cargo. Acreditavam que só assim a onde de crimes poderia acabar.

Temendo mais protestos na frente da delegacia e, principalmente, querendo mostrar para a oposição que não havia perdido o faro para solucionar os crimes mais misteriosos, Dr. Alaor anunciou para quem quisesse ouvir que iria resolver o caso. E, mais do que isso, iria expor o tal serial killer em praça pública para ser apedrejado por quem quisesse se vingar.

Logo pela manhã os trabalhos começaram com uma visita à casa do padeiro. A cena era horrível e um forte cheiro tomava conta do lugar. Mas, para desespero do Dr. Alaor, depois de uma minuciosa inspeção pela casa, nada foi encontrado. Nenhum fio de cabelo, nenhuma impressão digital, nenhum sinal de arrombamento. Só mesmo o cheiro forte, já misturado com o cheiro da morte.

As investigações continuavam enquanto novos crimes iam surgindo. Depois do padeiro, foi a vez do leiteiro, o carteiro e até o açougueiro. E a cena que o delegado encontrava era sempre a mesma: as vítimas nuas, amarradas à cadeira da cozinha, nenhum fio de cabelo, nenhuma impressão digital ou sinal de arrombamento. Só o cheiro forte, misturado com o cheiro da morte.

Intrigado, todas as noites o Dr. Alaor ia para casa pensando nos crimes. Quem poderia estar cometendo essas atrocidades? Como ele, que conhecia todos os moradores da cidade, não conseguia apontar um mísero suspeito? O que sua mulher iria pensar dele, caso não conseguisse resolver os crimes?

As dúvidas na cabeça do delegado só aumentavam quando chegou a notícia de que dessa vez quem tinha se dado mal havia sido o tintureiro. E depois de mais um dia inteiro de investigações sem encontrar nada além do cheiro forte misturado com o cheiro da morte, Dr. Alaor entrou em casa e percebeu algo familiar no ar. Pensou, cheirou, inspirou e notou um cheiro forte. Não tão forte como o cheiro forte misturado com o cheiro da morte, mas também forte.

O que poderia ser um bom sinal, um indício para a solução dos crimes, se tornou motivo de desespero quando ele percebeu que o primeiro e único suspeito das barbaridades que estavam ocorrendo na cidade não era um suspeito, e sim uma suspeita.

Com tristeza no coração e em silêncio, Dr. Alaor passou a seguir aquele cheiro forte e a investigar sua própria mulher. E antes que ela pudesse cometer mais um assassinato, foi surpreendida pelo marido, que além de salvar a pele do bombeiro e acabar com a série de crimes que aterrorizava a cidade, descobriu também que a esposa não passava de uma vadia.

Como prometido, expôs a mulher em praça pública. E foi o primeiro a jogar uma pedra, para mostrar que não estava para brincadeira.

Agora, se por um lado a cidade toda estava aos pés do Dr. Alaor, um verdadeiro herói, como diziam os mais entusiasmados, por outro lado o delegado estava humilhado e desolado com o fato de todo mundo saber que, além de herói, ele era também o maior corno da história da cidade.

Depois de muitas noites em claro, sem conseguir colocar a cabeça no travesseiro, talvez por medo de se machucar com os chifres, Dr. Alaor decidiu deixar de ser doutor e também Alaor. Com o orgulho ferido, colocou o rabo entre as pernas, voltou a ser Augusto e deixou a cidade. O Dr. Alaor estava acabado, mas havia aprendido uma lição: não se deve meter o nariz onde não tenha sido chamado.