A Mansão ACBR - parte 2

# Parte 2 – O assassinato

# Gritos ecoaram da ala oeste da mansão. Um cheiro horrível de ovo podre podia ser sentido até no hall. Luky acudiu imediatamente, enquanto Lu Naomi atendeu às batidas na porta.

# A origem do cheiro foi elucidada sem dificuldades: uma grande nuvem de espuma malcheirosa saía da porta do laboratório de Strix. Ela estava de jaleco, óculos de proteção e luvas, acionando um extintor que cuspia algo rosa. Os gritos tinham sido de Pandora e Fran. Aparentemente, tinham ido chamar a garota para montar uma mesa de bridge e acabaram dando de cara com a espuma.

# _Não precisa de pânico, Luky _Strix sorriu, enquanto manipulava o extintor de forma a empurrar a espuma de volta para o laboratório. _Foi só um pequeno vazamento que atingiu meu vidro de ácido e fez essa lambança toda. A propósito, Basil amanheceu meio doentinho hoje, liguei para um veterinário e ele disse que deve vir ainda hoje. Enquanto isso, talvez eu consiga fazer um remédio... Devo passar o dia todo no laboratório, só quero que me chamem quando o veterinário chegar, tá?

# Acabou de dominar a espuma e entrou, fechando a porta e pendurando uma plaquinha de “Gênio trabalhando”.

# _Acho melhor não contrariar _Luky disse, para as duas assustadas moças. _Vamos, quero apresentar nosso novo mordomo a vocês.

# Diego foi apresentado a todos (menos Strix, já que ninguém teve coragem de chamá-la) e Lu Naomi recebeu a incumbência de mostrar a ele as dependências da casa, enquanto explicava o trabalho. “Nossa, como ele abusa da loção!”, Luciana pensou, torcendo o nariz enquanto falava.

# _Mr. Pugliesi, aqui no hall, você pode ver que há uma campainha. Quando ela toca, é que um hóspede precisa de alguma coisa. O senhor atende o telefone que está sobre a mesinha do canto e atende o pedido. No térreo, ainda temos a biblioteca, veja só, alguns hóspedes gostam muito de ficar aqui quando querem paz e silêncio. Tirando quando algum anúncio importante deve ser feito, ninguém deve falar aqui dentro, sob nenhuma hipótese. Essa porta no fim do corredor é da Área Restrita, de entrada apenas para os hóspedes. Ainda temos o Museu do Crime, a cozinha e alguns banheiros. Agora, vamos subir as escadas.

# “Essa é a ala leste, onde estão os quartos. Todos têm uma placa com o nome do ocupante. Na ala oeste, apenas um quarto está ocupado, venha ver. Esse é o laboratório da Strix, quando essa plaquinha de “Gênio trabalhando” estiver pendurada, se o senhor tem amor à vida, é melhor não entrar. Os outro quartos, oficialmente, estão vazios. Apenas oficialmente. Esses hóspedes são tão imprevisíveis!...”

# O mordomo ouviu calado. Logo que se inteirou de todas as tarefas, saiu silenciosamente. Luciana estremeceu levemente quando o viu descer as escadas sem fazer ruído. “Estou ficando paranóica!”

#

# André andava de um lado para o outro na frente de uma das vitrines do Museu do Crime. A máscara branca de um famoso ladrão de jóias o olhava de trás do vidro, acompanhada das roupas e da arma de madeira usados por ele. Não eram a companhia mais animada do mundo... “Por que ela não aparece logo?”

# O esqueleto de um cão com o crânio estourado. Dez negrinhos de porcelana quebrados e colados precariamente. Um baú e um biombo. Um cartão de visitas amarelado escrito “Brilhantes Detetives de Blunt”. Um sarcófago greco-romano horrível. “Brrr... Esse lugar é horrível quando está à meia-luz e a gente está sozinho...”

# Um ruído veio de perto da porta. André deu um salto.

# _André? Você está aí? _alguém sussurrou.

# _Lisa? Você demorou.

# _A Tuppie me pegou de conversa. O que foi?

# _Lisa... Precisamos ter essa conversa. Agora.

# _O que foi? _ela repetiu, assustada com o tom dele.

# _É que... _suspirou fundo. _É que... Bem, você sabe. Não podemos continuar com isso indefinidamente, Lisie. Você tem um namorado. Eu... Eu preciso saber se... entre nós... é mesmo sério, ou se é só para você se divertir. Isso está me enlouquecendo... Mal consigo responder pelos meus atos. _Silêncio. _E então?

# Ela ficou surpresa de ser abordada assim. André sempre lhe parecera tímido demais para entrar nesse tipo de assunto. E o pior é que ela nem estava totalmente certa de seus sentimentos. Gostava de provocá-lo, mas... E o namorado? Ela também gostava dele. E ele era terrivelmente ciumento. O que fazer? O que responder? Abriu a boca para falar várias vezes, mas foi se permitindo ficar em silêncio. Lançou um olhar suplicante a André, mas ele parecia disposto a ir até o fim daquela vez.

# Mal ela abrira a boca para pedi-lo que não a pressionasse, ouviram um ruído vindo da porta. Não puderam ver mais que um vulto deslizando silenciosamente, mas o cheiro de loção que ficou no ambiente deixou bem claro quem deveria ser.

#

# Só Tiago e Flávio estavam no salão de jogos, fazendo uma nega de sinuca. Flávio deu uma tacada e errou a caçapa por pouco.

# _Tiago...

# Tiago também errou por pouco, ao estremecer com a voz do sócio.

# _Agora, não, Flávio.

# Flávio deu uma tacada excepcionalmente forte e encaçapou.

# _Se não agora quando?! _na sua exaltação, fez a bola branca pular da mesa. _Hastings, você sabe que mal temos com o que pagar nossa estadia aqui esse ano. Já estamos tendo que trabalhar de graça para aquela megera para ela não nos despejar do nosso apartamento!

# Tiago respirou fundo e tirou a bola quatro de jogo.

# _Você se preocupa demais. Eu já disse que tudo vai dar certo. Aquele meu negócio... Não tem como dar errado!

# _É claro que tem! Aliás, tem várias maneiras de dar errado! Se a polícia sonhar... _deu outra tacada raivosa, espalhando todas as bolas de suas posições.

# _Polícia, polícia, polícia... Até parece que sou um criminoso! _Tiago também descontou a impaciência na bola branca.

# _Está bem perto _errou a caçapa de novo, por conta do nervosismo.

# _Não reclame! Você também fez coisas desse tipo!

# Tiago encaçapou uma bola e olhou vitorioso par o sócio. # Nesse momento de triunfo, um pigarro assustou os dois.

# _Sinto muito, senhores _Diego estava com uma bandeja. _Aqui está a bebida que pediram. Sinto pela demora. Querem mais giz para os tacos?

# _N-Não, obrigado.

# O mordomo fez uma reverência e se retirou. O ar impregnado de colônia masculina insinuava que ele talvez estivesse naquela sala por mais tempo que dera a entender.

#

# Sir Pete se refestelou na poltrona da biblioteca que ficava em frente à lareira. Um quadro de Leo Lopes estava pendurado lá, onde os retratos dos donos anteriores da mansão estiveram outrora, olhando zombeteiramente as prateleiras de livros.

# _Olá, Leo. Já faz tempo, não? É difícil arranjar um momento a sós por aqui...

# O retrato ainda estava mudo.

# _Eu juro que estou fazendo o possível. Lembra que disputamos a Mansão no leilão? Naquele dia você venceu. Agora, são suas sobrinhas. Isso não é justo, Leo, não é! Mas ainda mantenho a promessa que lhe fiz.

# O velho deu um suspiro dolorido. Um farfalhar de tecido o fez se virar bruscamente.

# _Seu chá, milorde.

# _Não entre assim sem se anunciar _repreendeu, irritado. # _E não é permitido falar dentro da biblioteca. Tenha isso em mente no futuro.

# Diego não se deu ao trabalho de perguntar como se anunciar sem falar. Serviu o chá e saiu. Lorde Death bebeu o primeiro gole distraído e cuspiu com violência.

# “Salgado de novo! Quando eu pegar o engraçadinho!...”

# Mitáfilo dedilhava seu violão sem produzir nenhuma música específica. A conversa que havia tido há pouco com Tuppence tinha esgotado sua capacidade de pensar.

# “_Adriano! Você registrou a letra que compus para sua banda como sua?! Sabe que isso se chama roubo de propriedade intelectual?!

# _Tuppie... Por favor... Não é que eu queria... Todos ficaram dizendo que a letra era minha e coisa e tal... Quando o registro estava sendo feito, não tive coragem... Desculpe...

# _Você nem precisava disso! _ela disse, com lágrimas de raiva. _Todo mundo sabe que você é um bom letrista! Por que não pôde dar um espacinho para mim?!

# _Tuppie... Não fica assim... Eu vou desfazer isso, prometo! Vou fazer o registro voltar pro seu nome... Não chore, por favor. Tuppie...

# _Não estou chorando! Você é um farsante. Eu te odeio! E é bom fazer o que está dizendo, ou vou espalhar a história aos quatro cantos!”

# Ela saíra batendo a porta. Agora o remorso de Mitáfilo era maior que tudo. Ele era um maldito covarde! Tuppence era uma garota tão legal... Não cobrara nada para compor a letra para a banda, letra que estava conseguindo tirá-los do anonimato, e ele fizera isso.

# A bebida forte trazida pelo mordomo logo que Tuppie saíra caiu do céu para ele. Estava precisando muito daquilo para se reanimar.

#

# Samael chegou ao espelho. “Nem mamãe me reconheceria.” Tudo estava correndo bem até aquele momento. “Só mais um pouco. Mais um pouco e estarei livre!”

# Saiu para a sacada. Tinha sido sábia a decisão das Lucianas de transformar o terraço que interconectava os quartos da ala leste em sacadas individuais. Muito mais seguro. “Até parece que elas adivinharam!”

# Tirou um objeto do criado-mudo com todo o cuidado, segurando-o com a mão enluvada. “Mais um pouco. Só mais um pouco.” Uma tossezinha fez com que se virasse para a porta. “Mas ela estava fechada! Que audácia!”

# _Seu chimarrão, Mr. Darcângelo. Nunca havia preparado um antes, espero que esteja satisfatório.

# “Também espero, para o seu bem!”

# _Obrigado.

# “Argh! Como usa perfume, esse cara. Isso não é coisa de homem!”

#

# Luky, como sempre, tinha mil coisas para cuidar. Fazia uma lista de compras. Ia pedir ajuda para as primas, mas elas haviam deixado a sala. “Não sei se ser gerente daqui é uma honra ou um castigo! E essas benditas contas que não fecham!”

# Lu Naomi e Lu Bertini saíram disfarçadamente do hall e foram diretamente à adega. Tinham uma idéia e sabiam que a cautelosa Luky não iria aprovar. Mas droga, o hotel era delas também e elas achavam que precisavam ousar para crescer.

# Estavam com uma garrafa de Sirop de Cassis nas mãos, quando o mordomo apareceu para pegar umas garrafas. Olhou para elas com um olhar malicioso, pegou o que queria e saiu, sempre silencioso. As duas se entreolharam, a garrafa começando a tremer nas mãos de Lu Bertini.

“E agora?”

#

# Uma pessoa entrou sorrateiramente na Área Restrita. Foi direto à escrivaninha e abriu o bauzinho com as fichas dos hóspedes. Procurava uma específica. “Cá está!” Uma garota com olhos azuis como os de uma boneca e ar de fragilidade o encarava da foto. A pessoa copiou uma ou duas informações relevantes daquela ficha e sorriu. “Pai e responsável: Alexander Van Allen. Perfeito! É ela mesma!”

O papel que a pessoa estava segurando era um documento curioso.

# “Strix Van Allen: filha de Alexander Van Allen e neta de Marius Van Allen. Mais nova de onze irmãos, um já morto. Provável herdeira do Castelo.

# - Especialista em ciências ocultas.

# - Conhecimento bom em venenos.

# - Apenas finge comer (todo o chá que tem em suas xícaras pode ser encontrado nas pobres plantas das salas). Anorexia?

# - Confia muito nos outros.

# - Prestes a fazer faculdade de Química.

# - Tem renda própria. Qual a fonte?

# - Presenciou alguns crimes durante suas viagens, mas sua participação neles foi abafada pelo pai. Provas obtidas.”

# Depois de reler satisfeita sua obra, a pessoa saiu. Diego Pugliesi esperou que o indivíduo estivesse fora de visão, ignorou a placa de só para hóspedes da Área Restrita e começou a remexer as fichas, ele mesmo. Um estranho sorriso surgiu em seu rosto.

#

# Alguém bateu na porta do laboratório de Strix. “Finalmente, esse veterinário!” Atendeu alegremente. O homem começou a dizer alguma coisa, mas ela não permitiu.

# _Doutor! Graças a Deus, pensei que o senhor não vinha mais! Pode vir por aqui e sair pela porta do terraço. Basil está lá, esperando.

# _Mas... Mas...

# _Não se preocupe com o tamanho dele, é um doce!

# A menina baixinha o conduziu através de uma bancada até a porta do terraço e a escancarou.

# _Fique à vontade!

#

# A neve começou a cair muito grossa depois que anoiteceu. O vento parecia querer derrubar a mansão. Zaira exerceu novamente seus dotes culinários e o jantar foi servido. Os hóspedes chegaram pouco a pouco, mortos de fome.

# _Onde está o Mitáfilo? _perguntou Luky, notando a ausência daquela cabeleira.

# Tuppence emburrou. Ninguém respondeu e Luky perguntou de novo.

# _O mordomo deve saber _sugeriu Lu Bertini. _Mr. Pugliesi! Mr. Pugliesi!

# A voz dela ecoou pela mansão escura, mas não ouve resposta. Samael chamou-o também, com sua voz mais potente, mas não adiantou.

# _Ao invés de gritar o mordomo, é melhor gritarmos o Mitáfilo logo de uma vez! _ele disse, desgostoso. _Mitáfilo! Mitáfilo! ADRIANO!!!!!

# Nada. De repente, um tropel de passos começou a descer a escada. Só que quem desceu não era o Mitáfilo.

# _Boa noite, gente! Boa noite, Sam, boa noite, Fran, boa noite, Pete, André, Tiago, Lus, Zaira, Lisa, Flávio... Ah, tem gente demais, considerem-se todos cumprimentados!

# Com uma animação incomum para alguém que aparentemente não comia há horas, Strix foi à geladeira e abriu uma latinha que parecia de refrigerante.

# _A propósito, Strix... _perguntou Lu Bertini. _Você encontrou o novo mordomo enquanto descia? Ele começou hoje. Um barbudo, começando a ficar careca...

# _Mordomo? _ela engasgou ligeiramente. _Ele era um mordomo? Xiiiii...

# _Não gostei desse “xi”.

# _É que eu achei que ele era o veterinário que eu chamei pra examinar o Basil. Cheguei até a colocar a focinheira no pobre coitado. Eu não queria, vocês sabem que o Basil é um doce, mas o veterinário disse que não viria se eu não pusesse. Mas o que eu tava falando? Ah, é, o homem. Ele bateu na porta do laboratório e o pus no terraço, junto com o Bê. Mas se ele era só um mordomo... Ah, meu Deus, vou ter que ligar pro veterinário de novo!

# Sem aviso, saiu correndo e subiu as escadas. Samael balançou a cabeça.

# _É melhor pôr outro aviso de emprego de mordomo no site e nos jornais, Luky.

#

# Terminado o jantar, os moradores da mansão foram em grupo para o hall: alguns subiriam as escadas, outros iriam para a biblioteca. No momento em que começavam a se separar, a campainha tocou várias vezes.

# Lu Naomi estava mais perto da porta e a abriu. Um homem barbudo entrou cambaleante. O mais recente mordomo da ACBR caiu ajoelhado aos pés dela, com um punhal ensangüentado na mão. Com um olhar desvairado, começou gemer e a balbuciar:

# _Ah... Oh... Ah... O cão...

# Não conseguiu mais se suster e se estendeu no chão. Podia-se ver uma ferida nas suas costas, bem próxima da área do coração.

# _Meu Deus...

#

# Depois do primeiro instante de surpresa, André abaixou-se e verificou o pulso e a respiração do homem. Pela sua expressão, nem precisava ter dito nada, mas foi automático:

# _Ele está morto.

# Strix vinha descendo as escadarias saltitando como sempre, cantarolando uma música alegre.

# _Quem tocou? É o veterinário?

# Ante o silêncio sepulcral, parou ainda nos degraus e olhou o homem estendido na entrada.

# _Ah... Eu não dou uma dentro, né? Ligo pra polícia?

# O silêncio permaneceu, ainda mais constrangido.

# _Eu faço isso _Luky se prontificou, tremendo. Foi até o telefone e fez a ligação.

# Os outros ficaram sem saber o que fazer.

# _Acho melhor _sugeriu Lorde Pete Death _que esclareçamos algumas coisas antes que a polícia chegue. Mesmo por que, com essa neve, é possível que demorem. Vamos nos reunir na biblioteca.

# Mal o grupo todo se instalou na biblioteca, Luky chegou, anunciando:

# _A polícia disse que a ponte que liga a vila à Mansão caiu e não poderá ser consertada até essa nevasca passar. Ela sugeriu que transportemos o corpo com cuidado até um lugar onde não transitemos muito e não toquemos em mais nada até eles chegarem. Também disse que ninguém pode entrar ou sair daqui, mesmo quando a neve parar.

# Concordaram, tensos. Todos estavam muito insatisfeitos por terem um novo caso de polícia na Mansão.

Strix Van Allen
Enviado por Strix Van Allen em 07/03/2007
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