Eu matei o Sarney

Era uma sala com uma mesa e duas cadeiras. Além de mim, havia dois federais. Como eu estava sentado, um deles permanecia de pé, mascando chicle, encostado na parede e apenas me observava. Não gostava de olhar na cara dele, pois parecia gargalhar por dentro, mas sua fleuma só deixava escapar um sorrisinho de desdém. O outro fazia o papel contrário. Não parava de falar, gesticulava como um técnico italiano à beira do gramado. Perguntava por que eu fiz aquilo, se agi sozinho, quais eram meus reais interesses, quem estaria por trás de tal atentado. Preferi ficar quieto e, no fundo, achava graça daquela situação.

Ele queria saber por que eu matei aquele velho caquético. Nem precisei responder, ele mesmo emendou a resposta: havia muito mais gente que queria fazer o mesmo.

_Por que não esperou mais? Ele não iria durar muito, já era um velho gagá. Olha agora a m que você fez! M ou favor, já nem sei...

Mas para tudo! Esperar ele morrer? Pra no JN passar um filme da vida dele, um especial na TV, depoimentos emocionados de quem conviveu com ele. Quantos crápulas apareceriam em horário nobre pra babar o ovo do defunto, bando de quadrilheiros puxa-sacos. Não! Eu queria ter a honra de ter feito algo de bom pelo meu país, algo que muitos congressistas jamais conseguiram. Eu me sentia como uma célula T eliminando uma célula cancerosa. Estava em êxtase.

Tive de quebrar o monólogo daquele interrogatório.

_Como estão as ruas lá fora? Estão gritando meu nome? Alguém já queimou a bandeira do Maranhão?

O federal que se escorava na parede deu uma grande risada, abriu a porta e saiu sem para de rir. Bem, ele não parecia ser muito inteligente, mas entendeu a piada rapidinho.

Já o matraca agiu como não tivesse achado a menor graça. Em vez disso, seu olhar ficou mais ameaçador. Se não fosse pela câmera instalada em umas das paredes, teria me dado uns belos sopapos. Mas ele respirou fundo, e sua testa, antes franzida voltou ao normal.

_Você cometeu um homicídio! Vão foder com sua vida. Como você me chega e dá 3 tiros à queima roupa naquele velho?

_ E nas redes sociais? Estão mais curtindo, comentando ou apenas compartilhando?

Agora eu vi que o tapa seria inevitável. Deveria permanecer quieto. Mas o que é o destino? A porta se abriu, outro federal chegou com um papel na mão, era o tal habeas corpus.

_ Pode liberar o maluco. Além desse, há mais de 30, protocolados por advogados de todo país que compraram seu caso.

O matraca parecia aliviado. Devia estar muito à contra gosto ali. Não era um caso que ele queria pegar. Rapidamente sua face ficou serena, pegou um molho de chaves do bolso e me retirou as algemas. Recebi até um tapinha amigável nas costas.

No corredor, recebi uma chuva de flashs. Dezenas de jornalistas de amontoavam naquele espaço estreito. Todos queriam minha voz, minha opinião. Alguns federais fizeram um cordão de isolamento. Eu me sentia como um pop star, mas acho que nem merecia tanto carinho, afinal não fiz nada demais, apenas matei o Sarney.