A crucificada: 2/3 - Primeiras informações

Outra parte do segundo capítulo que termina aqui. Mais uma vez eu digo que o texto não é tão longo quanto parece. Ele é composto de muitos dialogos, o que o deixa um pouco grande.

Leiam as outras partes nesses links:

http://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/4236030

http://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/4241488

http://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/4244859

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IV

O senhor Soares entrou dois minutos depois acompanhado de Viviano.

Lino olhou para ele e deduziu que devia ter pouco mais de quarenta anos. Sempre fora bom em adivinhar idades.

Ele parecia menos assustado que a mulher. Tinha o rosto cansado e vários cabelos grisalhos. O ombro caído e o andar lento escondiam sua verdadeira idade.

Ele sentou-se e foi logo falando com uma voz mascada:

- Que coisa horrível! E logo na fazenda onde moramos.

- O senhor imagina por quê? – perguntou Lino desconfiado.

- Por que o que?

- Porque sua fazenda foi o alvo.

Ele balançou a cabeça.

- A fazenda não é minha. Trabalho para os proprietários.

- Quem são os proprietários? – perguntou Ramón.

- São uns ricaços. De família alemã se eu não estiver enganado. Estão na Argentina em viagem.

- De qual família são?

- Hol... Alguma coisa assim, não me lembro.

Lino suspirou.

- Isso não vem ao caso agora. O senhor não respondeu minha pergunta. Tem alguma ideia do por que a fazenda que você mora ser o alvo?

- Não, não tenho. – respondeu rispidamente. – Tentei pensar em alguma coisa, mas não cheguei à conclusão alguma.

- O senhor a conhecia?

- Quem?

Ramón esbravejou:

- A minha avó. A vitima é claro.

- Não, não a conhecia. – respondeu nervosamente.

Lino o encarou e estudou seu rosto por um instante.

Depois disse:

- O senhor pode se acalmar.

- Não estou nervoso. – retrucou. – Quem disse que eu estou nervoso?

- Ninguém disso isso. Eu só espero que você responda mais calmamente, sem desespero.

- Não estou desesperado. Pareço desesperado?

- Parece. – a afirmação de Lino foi fulminante.

O senhor Soares forçou um risinho e olhou para os três rostos ali o encarando.

Finalmente o sargento falou:

- Quer dizer alguma coisa?

- Não tenho nada pra dizer a respeito do crime. Eu não a conhecia, não sei porque nossa fazenda foi a escolhida e não sei porque vocês estão me pressionando desse jeito.

- Não estamos te pressionando. – murmurou Lino sem tirar os olhos do sujeito. – Você se pressionou sozinho.

Ele ficou quieto.

Lino continuou:

- Parece querer dizer alguma coisa.

- Já disse que não tenho nada pra dizer. – disse com a voz alterada. – Conheço esse método de interrogatório. Vocês apertam e apertam para ver se o interrogado espana. É, é assim que vocês agem. Não se preocupem comigo. Mesmo que eu espane, não vai sair nada de mim.

- E o que poderia sair?

- Nada. Não poderia sair nada.

Ramón olhou para Lino e assentiu.

Disse em seguida:

- Pode nos contar passo a passo como foi sua noite?

- Claro que posso. Bem, toda sexta eu saio com a minha mulher. Geralmente nós jantamos...

Lino interrompeu:

- Em qual restaurante?

- Não me lembro do nome.

- All’s Food?

- É, acho que é isso mesmo. Não sei falar inglês.

- E nem precisa. – bufou Ramón. – Continue, por favor.

- Nós jantamos, fomos ao shopping, ficamos um bom tempo por lá e depois fomos ao cinema.

- Qual filme assistiram? – perguntou Lino.

- Os mercenários.

- É bom?

- Muito bom, mas não entendi direito. Eu gosto mesmo de ver os tiroteios...

Ramón interrompeu:

- Isso não vem ao caso. Pode continuar?

- Depois que o filme terminou, acordei minha mulher que dormira o filme todo e então viemos embora. E então a encontramos...

- Que horas eram quando chegaram?

- Não sei.

- Não sabe? – perguntou Ramón.

- Não, eu não guardo horas.

- E o que fez em seguida?

- Dei uma vasculhada na área para o caso de haver alguém, mas não encontrei ninguém nem notei nada de estranho. E depois minha mulher ligou para a delegacia.

- Muito bem. Ah, e só pra constar, que horas eram quando saíram de casa?

- Já disse que não guardo horas.

Ramón esbravejou.

- Tente se aproximar pelo menos.

Ele pensou e respondeu sem muita convicção:

- Não era muito mais que sete horas.

- E não notou nada de estranho ao sair? – perguntou Lino.

- Nada. Pelo menos nada de anormal.

Fez-se um silêncio na cozinha e Lino perguntou depois de um tempo:

- Era uma moça muito bonita, não acha?

- Era, era sim. O tipo de mulher que não se recusa.

- O tipo de mulher dos sonhos?

Ele assentiu com um sorriso.

- A mulher dos sonhos. Disse bem, detetive. Se minha mulher me ouvir dizendo isso ela me esgana.

- Ela é ciumenta?

- Ah, é sim. E bastante. Quando eu era mais jovem e mais bonito, ela me protegia vinte e quatro horas, e gostava de saber de todos os meus movimentos.

Lino perguntou em seguida:

- E você já a traiu alguma vez?

- Infelizmente. Ouve uma época em que brigávamos muito, e ela não queria saber de...

- Pode falar.

- Não queria saber de sexo.

- E foi nessa época que você pulou a cerca?

Ele assentiu.

- Mas depois disso eu sempre permaneci fiel.

- E faz quanto tempo isso?

- Sei lá, uns dois anos.

Lino sorriu.

- Faz pouco tempo, não? E hoje como está o relacionamento de vocês?

- Vai indo de vento em popa. Hoje é ela que me leva pra cama.

Ramón interveio nervoso.

- Tudo bem, não precisa entrar em detalhes.

Lino perguntou em seguida:

- O senhor cuida de todos os afazeres por aqui?

- Ah, sim. Acho que o senhor viu que há outras duas casas por aqui, mas estão desabitadas há quase um ano. Nós dividíamos os afazeres antigamente, mas agora está tudo por minha conta.

- E o senhor dá conta de todos eles?

- Sim. É claro que fico exausto ao término, mas já sou acostumado.

- E há serviços que exigem força braçal?

- Basicamente não. Me esforço mais quando tenho que carregar algum saco de ração ou sementes.

- E dá conta?

- Dificilmente. Depois fico com dores nos braços, no ombro, na costa, em vários lugares. – ele fez uma pausa. – O meu serviço vem ao caso?

- Qualquer detalhe vem ao caso. – murmurou Lino.

Impaciente, Ramón perguntou em seguida:

- O senhor tem passagens pela policia?

- Não. Essa é uma das coisas pela qual me orgulho. Já tive contratempos, mas nada de grave.

- Quais contratempos?

- Brigas bobas, discussões... Nada demais.

Lino assentiu e se levantou.

Falou em seguida:

- O senhor é religioso?

- Eu não sei se posso dizer que sou. Não frequento igrejas, mas quando me lembro, sempre dou uma rezada.

- E sua mulher?

- Ah, nem tanto também.

- Não? – perguntou Lino.

Ele sorriu meio envergonhado.

- Ela também reza de vez em quando, mas não é uma mulher que se possa chamar de religiosa.

Lino encarou Ramón que não demonstrou nenhuma reação. Não reagir era uma estratégia essencial num interrogatório.

Ele disse por fim:

- Obrigado senhor. Pode se retirar, nós também já estamos indo. Se precisarmos esclarecer alguma coisa retornaremos.

- Tudo bem. – ele resmungou.

E saiu.

V

Depois que ele saiu, o sargento tirou um papel do bolso e pôs na mesa.

- O que é isso? – perguntou Ramón.

- Havia um caderno na sala de estar. Eu dei uma olhada e achei interessante o que estava escrito. Perguntei para a senhora Lucimara de quem era o caderno, e ela me respondeu que não era dela nem do marido.

- E de quem era então? – perguntou Lino.

- Não sei dizer. Enquanto ela estava distraída, arranquei a folha e estava escrito isso aí. Parece ser importante.

Lino e Ramón encararam o papel curiosos. A letra era bonita, parecia letra de mulher.

Estava escrito:

M.I.

Data da reunião: 22/02/2013

Horário: 21h

Assinaturas:

O resto da folha estava em branco.

Ramón olhou abismado para Lino.

- Alguém deveria estar aqui ás nove da noite ontem.

- Eu diria que mais pessoas deveriam estar aqui desde que o caderno pertencesse à senhora Lucimara.

- Mas ela não conhecia o caderno. – esbravejou Ramón.

- Ela estava nervosa. Nem prestou atenção ao que eu disse. – murmurou Viviano.

- Isso dá uma ligeira explicada. – disse Lino encarando a folha com se ela fosse falar alguma coisa.

Aquilo não era normal. Nada do que acontecia em meio a uma investigação deveria ser normal. Mas por que eles estariam escondendo alguma coisa? Ele ainda não saberia dizer.

- Está escrito assinaturas. – resmungou Ramón. – Era um encontro de pelo menos de três pessoas para mais.

Lino assentiu.

Perguntou em seguida:

- Sargento Viviano, encontrou mais alguma coisa escrita no caderno?

- Não tive muito tempo de olhar, mas não notei nada de diferente. O resto do caderno parecia estar em branco.

- Vamos dar uma conferida. – disse Lino.

Saíram da cozinha e foram para a sala de estar que estava vazia. Viviano os levou até o canto da sala onde havia uma mesinha.

Ele arqueou as sobrancelhas e encarou os dois.

- A merda do caderno sumiu!

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continua dia 21/04/2013

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 18/04/2013
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