SACERDÓCIO POLICIAL

A sabedoria oriental diz assim: “Volta o teu rosto sempre na direção do Sol, e então as sombras ficarão para trás”. A luz simboliza a vida que se renova a cada amanhecer. As sombras representam as duas faces da morte: a morte física e a morte psicológica. A vida é fantástica do início ao fim. Tem oceanos, tem florestas, tem montanhas, tem animais. É curta e miserável para uns, e é eterna e rica para outros. Tudo depende do ponto de vista, dos olhos que a veem, dos corações que a sentem. Para pessoas como Eduardo, a vida vale a pena ser vivida, seja nos momentos de glória, seja nos momentos de infortúnio. Veio a este mundo para vencer, e tornou-se um vencedor, porque era um vencedor inato, porque acreditava que o fogo da esperança surge das cinzas dos fracassos. Estes incidentes de percurso Eduardo conhecia bem, por isso valorizava tudo o que conquistava com o suor do seu trabalho. A sua vida nunca fora fácil, mas nunca lia nos obstáculos uma mensagem para parar, para desistir, antes os recebia como um convite para perseverar, para seguir em frente. Trazia nos seus cabelos brancos a experiência de quem, no decorrer da vida, jamais recusara desafios, antes fizera deles oportunidades para evoluir como pessoa, como profissional e como uma criatura essencialmente espiritual, que às agruras que os dias traziam respondia sempre com a firme decisão de desfazê-las com a fé que depositava em si próprio e em Deus. Eduardo aprendera com os erros, tornara-se sábio, e granjeara, com muito esforço, o direito lídimo de declarar ao mundo que a vida é um caminho sem volta, não dá uma segunda chance, mas é um caminho que, se for percorrido com trabalho e honestidade, conduz invariavelmente ao paraíso interior, que consiste em sentir-se bem consigo próprio, sem motivo para lamúria, sem ensejo para a revolta contra os desígnios de Deus. Quanto a isso, costumava dizer que enquanto os tolos denigrem o mundo, os sábios o exaltam, porque estes sabem, pela vivência, que não há lida vencida que não seja laureada de felicidade, nesta ou numa outra existência. Para todo mal que os dias lhe traziam dizia a si mesmo que, cedo ou tarde, abraçaria a felicidade verdadeiramente, e não apenas em devaneios. Eduardo era um ser humano feliz.

Órfão de pai e mãe aos oito anos de idade, vitimados por um motorista embriagado, passou a adolescência sob os cuidados da sua avó paterna, com quem tinha um laço de afetividade muito forte, em razão da afinidade espiritual, este “nó” misterioso que une os espíritos que comungam pensamentos e sentimentos da mesma natureza. Fora educado pela sua avó paterna até atingir a maioridade. Ao completar dezoito anos de idade, prestou o serviço militar e, no ano seguinte, ingressou no curso de Engenharia Florestal. Após a formatura, foi trabalhar na fazenda que herdara dos seus falecidos pais. Paralelamente ao plantio de soja, dedicava-se também à piscicultura, aproveitando o lago que havia na fazenda.

Casou-se com Helena, com quem teve um casal de filhos: Rodrigo e Camila. A dois quilômetros da sua propriedade rural havia uma igreja católica que frequentava com a família. Aprendera com a sua avó materna que não compensa ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma na floresta dos prazeres mundanos. O seu casal de filhos estudava numa escola localizada num município próximo. Nas horas vagas, Rodrigo e Camila ajudavam o pai a cuidar da plantação e dos peixes. Tudo eram lírios, não só no sentido conotativo, em razão da sua paz de espírito, como também no sentido denotativo, pois construíra um canteiro especialmente para o cultivo dessa espécie floral.

Certa vez, foi à cidade na sua camionete para comprar mantimentos, o que fazia em quantidade que desse para suprir as necessidades da família por uma semana. No percurso de volta para casa, avistou um homem no acostamento, pedindo carona. Como era solícito, parou o veículo para o embarque do passageiro. Durante a viagem aconteceu o inesperado. De repente, o homem sacou um revólver da mochila, e anunciou que era um sequestro. Teve início o inferno astral de Eduardo. O meliante vedou-lhe os olhos, assumiu a direção do veículo, e partiu rumo ao cativeiro, que ficava numa gleba que distava cem quilômetros da sua fazenda. Eduardo foi recebido pelos outros três integrantes da quadrilha, que o acomodaram no porão de uma casa localizada à beira da estrada. Lá permaneceu por duas longas e angustiantes semanas. Nesse ínterim, os sequestradores negociaram o valor do resgate com a sua esposa, usando o telefone celular da vítima. A entrega da quantia exigida ocorreria na igreja católica que Eduardo costumava frequentar com a família aos domingos. Os meliantes não sabiam que o sacerdote dessa paróquia era uma pessoa conhecida da família de Eduardo. Na hora marcada, Helena sentou-se em frente ao altar, onde permaneceu em oração. A sua concentração foi interrompida pelo padre que, ao passar por ela, desconfiou do nervosismo que ela não conseguia disfarçar, e parou para lhe perguntar se havia algum problema. Helena levantou-se e tentou despistá-lo, alegando que uma das suas amigas estava muito enferma, e que esse era o motivo da sua aflição.

No entanto, o padre conhecia as poucas amigas dela, que também frequentavam aquele templo. “Vou ao banheiro!”, disse-lhe o sacerdote. Em seguida, recolheu-se ao seu quarto, que ficava nos fundos da igreja, de onde fez contato telefônico com as amigas de Helena. Foi informado de que estavam todas bem de saúde, na segurança dos seus lares. O telefonema seguinte foi para o distrito policial. Da conversa que tivera com o delegado, ficou combinado que iriam dois agentes à igreja trajando vestes paroquiais, a fim de não despertar a desconfiança dos sequestradores. Assim foi planejado, e assim foi executado.

Faltando dez minutos para a hora marcada para a entrega do valor do resgate, os dois policiais entraram na igreja, fizeram o sinal da cruz, e sentaram-se próximos à porta principal, onde permaneceram ajoelhados, como se estivessem rezando. Os meliantes atrasaram quinze minutos. Logo que chegaram, reconheceram Helena pela roupa que haviam combinado que ela deveria trajar para ser identificada. Eram dois. Cada um sentou-se de um lado de Helena, de quem receberam o dinheiro conseguido com a venda de uma parte da fazenda. Ao saírem do templo, foram abordados pela dupla de policiais. Os sequestradores não esboçaram nenhuma reação, já que estavam na mira de duas pistolas. Não havia nenhuma possibilidade de fuga. Uma vez desarmados, foram conduzidos na viatura policial, juntamente com Helena e o padre, ao distrito policial, onde foram interrogados pela autoridade policial. Com o local do cativeiro revelado, não tardou muito para que Eduardo fosse libertado. Os outros dois sequestradores que o mantinham no porão tentaram empreender fuga, trocaram tiros com os policiais, mas não lograram êxito. Ambos foram baleados e encaminhados ao setor de emergência do hospital mais próximo, sendo posteriormente conduzidos ao distrito policial para a lavratura do auto de resistência.

O padre chamava-se Alfredo. Ingressara na carreira eclesiástica depois de doze anos de serviço policial. Ainda na juventude, optara pela carreira policial. A experiência que adquiriu nesses doze anos que trabalhou como detetive fê-lo suspeitar das feições incomuns de Helena, quando com ela conversou na paróquia. Muitas vezes, um olhar diz mais que muitas palavras. Quanto a isso, Alfredo não tinha dúvida. Qualquer vocação, quando desvinculada da atividade profissional que lhe é apropriada, permanece adormecida. Contudo, às vezes, desperta para reclamar a sua satisfação. Alfredo conservou o chamado "faro policial". Como todo policial consciente do dever legal, agiu em defesa dos interesses da sociedade, que incluem, principalmente, a integridade da família, visto que, sem esta, não há sociedade. Os padres e os policiais são guerreiros, cada qual ao seu modo. Enquanto estes lutam pelo cumprimento dos ordenamentos da Lei, aqueles lutam pela observância dos mandamentos de Deus. O padre Alfredo lutava em ambas as frentes.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 19/08/2013
Código do texto: T4441258
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