PANTHERA TIGRIS

Naquela manhã de verão, o Sol que nasceu da aurora parecia um diamante dourado com talhe de esfera. O céu azul transmitia uma sensação de tranquilidade. Contudo, as ondas do mar revolto daquele dia ainda estavam por rebentar na praia de Fernando. O relógio de parede afixado acima da porta da sala marcava sete horas. Fernando levantou-se da cama e foi até a cozinha do distrito policial preparar o café, como de costume. Enquanto coava o café, foi interrompido pelo chamado de um colega, que ficava alojado no quarto ao lado. Fechou o gás do fogão e dirigiu-se ao aposento do seu colega, que reclamava de uma forte dor no peito. Imediatamente o conduziu ao hospital mais próximo, onde recebeu pronto atendimento. O médico plantonista, após examiná-lo, decidiu pela sua internação, mantendo-o em observação no ambulatório. Fernando forneceu-lhe o número do seu telefone celular para ser informado sobre uma eventual complicação, entrou na viatura e retornou ao plantão. Entrando na sala, ligou o rádio e sentou-se à mesa para analisar alguns inquéritos policiais pendentes de investigação. Interrompeu o exame das ocorrências no momento em que a emissora de rádio noticiou a fuga de um tigre do zoológico da cidade, que ocorrera na manhã daquele dia. Ainda surpreso com a notícia, recebeu uma ligação telefônica de uma mulher que não quis se identificar, comunicando-lhe uma ocorrência de roubo em interior de residência, um crime comum, mas que exige uma resposta imediata dos organismos policiais devido ao alto grau de lesividade social. Anotou o endereço na agenda e partiu sozinho para o local do crime, visto que os demais agentes estavam procedendo a outras diligências. Em razão da urgência da operação, deixou de fazer seu costumeiro lanche matinal.

Estava a caminho e já próximo da localidade que lhe fora indicada pela informante quando, repentinamente, um boi atravessou a estrada. Fernando deu uma freada brusca. No entanto, dada a curta distância, não houve tempo de frenagem suficiente, culminando em atropelamento do animal e capotamento da viatura. Desse acidente resultou um corte profundo na sua testa e pane no sistema de comunicação da viatura, que teve de abandonar no acostamento, pois ficara com o motor danificado. Informou-se com um lavrador sobre o trajeto que o levaria até o seu destino. Percorreu a pé o caminho que lhe fora apontado, com o rosto coberto de sangue e suor. Na semana anterior havia caído uma forte chuva naquela região, causando deslizamento de barrancos e queda de árvores. Aquele trecho da estrada estava atulhado dos destroços remanescentes da devastadora tempestade, o que o levou a fazer o contorno pelo matagal que havia no seu entorno. O calor era intenso, mas, embora exausto, prosseguiu na sua diligência. Existem situações de risco que requerem uma resposta imediata, principalmente quando se tem o dever legal de enfrentar o perigo. Não obstante a adversidade inesperada, a dificuldade do desafio não poderia sobrepujar sua perseverança.

Já tinha percorrido alguns quilômetros, mas ainda havia muito chão pela frente. O pior ainda estava por vir. E veio em completo silêncio. Avistou um tigre. A princípio foi apenas um vislumbre, depois constatou que estava diante de um tigre com listras pretas dispostas sobre uma pelagem acastanhada. Essa visão o deixou com os olhos arregalados. Nesse momento, lembrou-se do noticiário da emissora de rádio a respeito da fuga de um tigre do zoológico municipal, enquanto era alimentado pelo seu tratador, o qual, por descuido, esquecera a porta aberta ao sair da jaula. Apesar do susto, manteve o controle emocional. Uma mosca pousou na sua testa, atraída pelo sangue que vertia do ferimento. Pegou o lenço e esfregou-a levemente, espantando o inseto. O tigre, quebrando o silêncio, rugiu e lançou um olhar ameaçador sobre seu rosto, fazendo-o recuar. Fernando estava amedrontado, mas sua determinação fê-lo manter o ânimo. Nenhum dos dois empreenderia fuga daquele local por medo do confronto. Ambos tinham naturezas semelhantes. Eram caçadores. Cada qual à sua maneira. Apesar de ser um animal muito encorpado, o tigre não suportaria um disparo de pistola ponto 40 com munição “hollow point”. Fernando não era especialista em comportamento animal, mas sabia que o tigre não costuma atacar o ser humano, a não ser que esteja doente. Isso o acalmava. Um pouco. Não queria compactuar com a extinção dos felinos. Por isso, preferiu aguardar a ação do tigre para então reagir. Dotado de uma força descomunal, o tigre é capaz de matar uma presa com uma única patada. “Para trás!”, gritou espavorido, na tentativa de afugentar o animal. Para seu alívio, o tigre deu-lhe as costas e embrenhou-se no matagal. Ergueu os olhos e viu que o perigo havia se desfeito, mas no fundo da sua alma ainda brandia um resquício de sobressalto. Depois de mais esse imprevisto, pegou seu telefone celular e entrou em contato com o Batalhão Florestal. Precisaria de reforço para a condução do meliante ao distrito policial para as providências legais cabíveis, caso conseguisse efetuar sua prisão em flagrante. Parece que nesse dia Fernando estava sob a influência negativa de todos os signos do Zodíaco.

A essa altura o Sol brilhava intensamente e o céu estava limpo. Concluída a solicitação de reforço para aquela operação, prosseguiu a caminhada até alcançar a estrada que o levaria à residência da vítima. Tendo encontrado a casa que procurava, anunciou que era a polícia, mas ninguém o atendeu. Pulou o muro e foi até a porta principal, que se encontrava fechada. Pensou em arrombá-la, mas antes disso a porta foi aberta por um senhor, apresentando-se como o pai da vítima, que o conduziu ao quarto da residência onde a vítima, em estado de choque, encontrava-se acamada. Em seguida, o marido dela entrou no quarto e relatou a Fernando os detalhes da ação criminosa. Além disso, forneceu-lhe também uma descrição minuciosa da fisionomia e da vestimenta do ladrão, acrescentando que o mesmo havia se refugiado na mata, levando consigo o produto do crime. Não demorou muito até a chegada do reforço que havia solicitado. Uma viatura do Batalhão Florestal estacionou na frente da casa. Os soldados vieram acompanhados de um oficial médico, que, após sedar a vítima, fez um curativo no ferimento que Fernando sofrera no acidente. A perseguição ao criminoso talvez não redundasse na sua captura, em função do lapso de tempo, mas não custava, pelo menos, tentar. Assim decidido, Fernando seguiu para o lugar que lhe fora informado. Depois de uma longa caminhada no denso matagal, pensou em desistir da busca. Foi quando ouviu um rugido que parecia ter vindo de um local mais adiante. Caminhou mais um pouco e, para seu espanto, encontrou um cadáver que apresentava a fisionomia e a vestimenta descritas pelo marido da vítima. O tigre fizera do gatuno sua refeição daquele dia. Frente a frente com Fernando, o tigre mais uma vez virou-se e foi embora, satisfeito com sua dieta alimentar. Movido pelo instinto de sobrevivência, o tigre “fez justiça com as próprias patas”. O vento agitava as folhagens das árvores, que foram as únicas testemunhas do ataque fatal daquele predador feroz ao fugitivo.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 08/10/2013
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