Mister Max e o Cavaleiro das Trevas, Parte 1

Nota: Batman é personagem criado por Bob Kane em 1939. O Dr. Max é criação minha.



MISTER MAX E O CAVALEIRO DAS TREVAS

Miguel Carqueija




PRIMEIRA PARTE

O HOMEM DAS SOMBRAS



A estranha torre se aproxima como uma assombração em movimento. Suas janelas parecem olhos... negros e sinistros.
As sombras dominam o mundo. Ao alto morcegos esvoaçam, guinchantes, ao redor de escuros cata-ventos.
— Venha... aqui você tem um encontro com a Morte. Eis o seu encontro em Samara... esta nova Samara.
E uma gargalhada arrepiante torna mais frenético o vôo dos quirópteros.
— Eu preciso de sua ajuda... você deve vir... mas tome cuidado. Com ELE. E quanto ao OUTRO...
Um vento possante, espécie de simum do Norte, abala repentinamente as estruturas daquele universo de trevas. A poeira soprada como que se espalha por todos os seus sentidos.
— Por favor... não há tempo a perder! Ou a destruição nos atingirá a todos!
O estranho mundo se desfaz em pedaços de caleidoscópio. O Dr. Brian Max desperta, banhado em suor apesar do frio da noite londrina.
Que sucedeu? Desde quando sofre de pesadelos? Max não atina com o que possa ter provocado o terror noturno. Sentindo-se perturbado, levantou-se e dirigiu-se para a saleta anexa ao seu quarto, no sótão de sua residência. De uma garrafa térmica derramou chá de maçã numa caneca. Precisava de um calmante.
Aquela era uma fase excepcionalmente tranqüila de sua vida ordinariamente tão agitada. Não havia nenhum problema grave pendente, nenhuma ameaça rondante que pudesse influenciar os seus sonhos. E Max era cético em relação a sonhos. Contudo, não se dissipou o mal-estar causado pela ausência de explicação para tudo aquilo. Problemas nervosos? Max orgulhava-se de seu equilíbrio emocional.
Terminou de beber o chá e, de volta ao quarto, abriu a janela — que mantinha fechada justamente por causa de morcegos (havia ventilação por uma abertura vedada com tela) — e respirou um pouco de ar puro.
Londres estava sombria, com seu “fog”.
Então o telefone tocou. Max esquecera de ligar a secretária eletrônica.
— Alô — disse de mau humor, tendo em vista a hora (já era de madrugada).
— Dr. Brian Max?
— Sim, sou eu.
— Aqui é Mercedes Romney, o senhor deve se lembrar de mim. Estou ligando da América!
— Sim, eu me lembro. Você disse da América?
— Sim, eu estou em Gotham City. Estou numa situação terrível, tão terrível que só o senhor pode me ajudar!
— Olhe, vai ser difícil, do jeito que eu estou sonolento...
— Me desculpe, eu até esqueci o fuso horário... por aí devem ser...
— Passa um pouco das três da madrugada — o tom de Max era seco.
— Bem, de qualquer forma eu preciso da sua ajuda. O senhor tem que vir a Gotham City imediatamente!
— Olha, eu não costumo fazer isso...
— Sim, eu sei, é inusitado. Mas a ameaça que pesa sobre todos nós...
— Nós?
— O senhor também. Eu o conheço bem. Talvez não haja ninguém no mundo melhor para enfrentar esta situação. Algo de terrível, uma ameaça para a estabilidade do mundo, oh, o senhor nem imagina...
— Acho difícil — Max começava a se impacientar. — O que pode ser de tão grave? Uma invasão de discos voadores?
— Não é algo que eu possa explicar pelo telefone. O senhor tem que vir até aqui.
— A distância é a mesma.
— Eu sei! Mas eu não posso ir até Londres! O senhor tem que compreender!
— Minha senhora: tudo que sei é que não compreendo absolutamente nada.
— Como fazê-lo compreender? É claro, parece um absurdo que eu o acorde às três da madrugada para tentar convencê-lo a tomar um avião, deixar os seus negócios na Inglaterra e vir para Gotham City sem saber do que se trata...
— Parece, não; é um absurdo.
— Mister Max, eu estou falando do Ritz... aqui também há um Ritz, quase tão bom quanto o londrino... mas... espero que não tenha sido localizada. Se ELE escutar minha conversa...
— ELE, quem?
— Não posso dizer. Tenho medo que alguém escute. Isso é... uma espécie de jogo de cartas, estou sendo clara?
— Como piche.
— Dr. Max, nunca esteve em Gotham City?
— Nunca sequer passei perto.
— Conhece a fama que essa cidade tem?
— Vagamente.
— Aqui se passam coisas estranhas e sinistras. Eu devo muito ao senhor. Já estou na América há cinco anos, mas jamais o esqueci. Sempre rezo pelo senhor...
Max reprimiu um bocejo e nada falou. Ela prosseguiu:
— E no íntimo sabia que o reencontraria. Como está Ted Square?
— Almocei com ele outro dia. Continua o mesmo. Está de casamento marcado.
— Com Nancy?
— Isso. Já era tempo.
— Eles não poderiam vir também?
— Imagino que há um grande número de pessoas que você poderia convocar. Se me fretar um avião eu posso chamar uns dez, supondo que todos estejam em Londres, o que é um pouco difícil.
— Está bem. Poupe-me o seu sarcasmo. Basta vir o senhor.
— Mas afinal, por que? Atravessar o oceano... interromper minhas ocupações... por que razão?
— Eu já trabalhei para o senhor. Sou ou não sou uma pessoa séria?
— Sem dúvida.
— Olhe, o caso em que estou envolvida inclui morte e corrupção. Há também um invento científico na jogada. Há um sujeito honesto por essas bandas, o Comissário Gordon... é um ótimo policial. Sem ele a situação por aqui estaria ainda pior. É um sujeito lendário.
Lendário? A palavra despertou uma vibração qualquer em Max. Havia alguém lendário em Gotham City, e não era bem o comissário. Mas, não se aposentara? Ainda estaria em ação?
Max finalmente concordou em seguir para Gotham City. Qualquer coisa no seu íntimo lhe dizia que a viagem era deveras necessária. No subconsciente de Max flutuava a impressão de que o sonho não o largaria facilmente, se não atendesse ao chamado...


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Por volta das cinco da tarde, no dia seguinte, Max estava no Ritz de Gotham City. Aguardava na recepção por Mercedes, pois ainda não se decidira a ocupar um quarto daquele hotel.
Mercedes desceu em pouco tempo. Era uma mulher alta e forte, de cabelos escuros nos ombros, e usava um costume sóbrio, avermelhado. Não era bonita, embora fosse décadas mais nova que Max.
Aproximou-se com as mãos estendidas e cumprimentou o advogado.
— Dr. Max! Por que sua bagagem ainda está aí?
— Queria ter certeza de que você realmente se encontrava aqui.
— Para resolver se hospedar?
— Justamente.
— Bem, então trate disso agora, depois nós conversamos!
— Só espero que todo esse trabalho valha a pena...
— Você verá que eu fiz bem em chamá-lo. Lembre-se de que todo o cuidado é pouco. Você correrá risco de vida.
— Estou acostumado.

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Mercedes recostou-se no armário e fitou Max, sentado à escrivaninha, em expectativa.
— Max, já ouviu falar em alguém conhecido como “o Coringa”?
— Não que eu me lembre.
— É. Chama-se na verdade Jack Napier. É um criminoso que teve o seu rosto desfigurado por ácido, há muitos anos. Tornou-se um assassino psicopata, e permaneceu muito tempo num asilo de loucos de Gotham City. O Comissário Gordon o tem na conta de extremamente perigoso.
— Desde quando você se envolve com problemas criminais?
— Eu não trabalhei para o senhor?
— Sim, mas... bem, prossiga.
— Imagino o que o senhor quer dizer. Naquele tempo eu era sua funcionária. É diferente, envolver-me por iniciativa própria...
— Sim...
— Eu tenho aqui um excelente negócio envolvendo comércio internacional. Tenho uma importadora. Foi através dessa importadora que surgiram coisas...
— Coisas?
— Preciso de um drinque. Me acompanha?
— Não tomo bebidas alcoólicas.
— Oh, desculpe. Tinha esquecido. Infelizmente não tenho chá pronto, mas posso fazer...
— Bom, isso pode ficar para depois. O que há com o tal Coringa?
— Bem, ele entrou na minha loja, há uns dez dias. Eu não sabia que era ele, bem entendido. Deve ter uns cinquenta anos ou mais; porém é magro e ágil. Magro, digo eu? Esquelético. De qualquer forma eu lá estava em meu balcão, observando fregueses, quando entrou aquele espantalho. Me chamou atenção o seu traje de janota, de almofadinha, e sua bengala com ponta de ouro. Usava uns anéis também. Impressionante.
— Não sei por que...
— Sei que você não se impressiona facilmente. Pois bem. Um dos meus empregados perguntou se ele queria alguma coisa. O cara ignorou-o e aproximou-se de um modelo de foguete de brinquedo, de controle remoto. Pôs-se a observá-lo com grande interesse. Aí eu, que estava próxima, me aproximei mais e ofereci os meus préstimos. Ele me olhou e sorriu — um sorriso rasgado, horrível — e comentou: — É um modelo muito interessante. De onde vem?
— De Hong Kong, senhor.
— Sim, era de se esperar. Eles lá são muito habilidosos.
— Eles fazem coisas incríveis...
— Pode ir à Lua?
— Bem, isso aí já é...
— Um pouco difícil. Eu sei. Me diga exatamente o que isso faz.
“Bem, Dr. Max, ele quis saber tudo sobre o modelo. Perguntei se ele tinha filhos. “Nenhum assumido”, respondeu cinicamente. De qualquer forma conduziu a conversa habilmente, dizendo que pretendia montar um espetáculo onde foguetes como aquele poderiam ser utilizados. Pediu o meu cartão, fez uma compra de uma porção de teleguiados de brinquedo e, por fim, já parecia um velho amigo. Eu, se adivinhasse...
— Em resumo, o que é que ele queria além de brinquedos?
— Convencer-me a fazer uma grande encomenda de Hong-Kong. Cerca de 500 modelos. Eu estranhei, mas ele explicou que estava ligado ao mundo do espetáculo e da pirotecnia e que pretendia empresariar um “show” que marcaria época em Gotham. E achara aqueles modelos ideais para o seu projeto. Acabou que eu forneci a ele até os meus telefones e endereço residencial.
— E aí?
— Bem, bem. Remeti um fax ao meu representante em Hong-Kong e dois dias depois já recebi resposta. Em cinco dias a encomenda foi entregue e eu, entusiasmada com o dinheiro que iria receber (já havia recebido uma parte) dirigi-me ao endereço de Napier — naquele tempo eu o conhecia como Walt Collins — pois já o considerava um amigo e queria mostrar o máximo de prestatividade. Queria também conhecer melhor o seu projeto.
— Então você esteve na casa dele?
— Estive. Bem entendido, ainda não sabia que ele era o criminoso conhecido como o Coringa. Talvez porque não estivesse com o cabelo pintado de verde...
— Como disse?
— É isso mesmo. É uma característica do Coringa. Ele é uma espécie de palhaço do crime... mas é tenebroso, perigosíssimo.
— Prossiga.
— Bem, ele estava num apartamento de cobertura do Centro, um pouco longe daqui, e muito bom por sinal. Ele estava com uns outros tipos estranhos, seus “sócios” no negócio, e mostrou-me os quinhentos modelos enfileirados sobre umas mesas. Explicou-me que iria fazer umas adaptações para que eles voassem mais alto e soltassem riscos luminosos no céu.
— Você acreditou em tudo?
— A princípio, sim. Ele era muito persuasivo. E acenou com a possibilidade de encomendar mais uns 5.000 foguetes. Imagine em que céu eu me senti!
— Prossiga.
— Olhe, eu talvez ainda estivesse enrolada com aquele sujeito se, na volta, não encontrasse um detetive à minha espera.
— Um detetive?
— Melhor dizendo, o Comissário Gordon em pessoa. Fiquei espantada em vê-lo no “hal” do meu prédio, sob o olhar preocupado do porteiro. Um homem idoso mas enérgico, esse comissário. Identificou-se e disse que queria conversar comigo em particular. Eu já o conhecia de vista, é claro, de tv, e pedi que me acompanhasse ao meu apartamento. Até lhe servi um drinque.
— E então?
— Ele me alertou de uma coisa espantosa. Aquele homem com quem eu estava lidando era simplesmente o Coringa, um dos piores criminosos do século. Imagine como eu caí das nuvens!
— Mas como ele soube dos seus negócios com o Coringa?
— Havia alguém seguindo os passos do Coringa, e avisou o Comissário Gordon.
— Alguém?
— Alguém muito importante e muito especial. Um homem de identidade real desconhecida, mas que o mundo conhece como Batman.
Mr. Max não respondeu. Estivera esperando por aquele nome, esperando que o mesmo entrasse, a qualquer momento, na conversa. Mercedes acrescentou:
— Ou o Cavaleiro das Trevas. Ou o Cruzado de Capa. Dá tudo no mesmo.
— Sei de quem se trata — disse Max.
— Sabe muito sobre ele?
— Muito pouco. Mas quem sabe alguma coisa?
— É, ele é misterioso. Talvez seja o homem mais poderoso sobre a face da Terra, e também o mais enigmático.
— Creio que ele nunca esteve na Inglaterra.
— Isso eu não sei. Provavelmente já esteve. Batman é algo de estranho... um homem que luta pela justiça, pela verdade, mas ao mesmo tempo é sinistro... imprevisível... mete medo.
— Bem, mas então você encerrou os negócios com o Coringa?
— Eu o fiz, mas recebi ameaças. Mudei até o número do meu telefone, mas agora estou com medo de voltar para casa. O que acontece é que o Coringa quer os outros cinco mil foguetes, ele deve achar que quinhentos são pouco.
— Se ele os adaptar, dariam provavelmente para arrasar com Gotham City.
— O que vou fazer da minha vida? Será que você me daria emprego em Londres novamente? Não sei por quanto tempo poderei me esconder...
— Mas afinal ele não foi preso?
— Não me pergunte isso. O Comissário Gordon bem que tentou, mas existe algum pistolão na política... o homem continua em liberdade. Você sabe que as leis e os sistemas judiciais e penitenciários de hoje em dia favorecem os criminosos e desprezam as vítimas.
— Também acho isso.
— Eu vou preparar um chá para nós e depois continuaremos conversando. Eu tenho que me acalmar. Vou fazer um chá de camomila. Quer um também?
— Prefiro maçã, se tiver.
— Eu tenho. É pra já.

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— Eu suponho — disse Mister Max — que Gordon usou o estratagema de avisá-la por não poder agir legalmente contra o Coringa. Sabe o que você deveria fazer? Comunicar-se com Batman, para ver o que ele sabe e o que pode fazer para ajudá-la.
— Eu pensei nisso. Mas como iria falar com esse homem? Afinal, ninguém sabe onde ele mora.
— E o bat-sinal?
— Será que o Comissário Gordon o ativaria para mim, Max? Não sei se devo pedir isso a ele...
— Pois peça — disse Max, segurando a chávena de chá. — Não sei o que mais podemos fazer.
— Mas será possível que não há outro recurso?
— Ir embora de Gotham City, é claro. Essa cidade é muito perigosa.
— Ele seria capaz de me perseguir fora daqui... e talvez em qualquer lugar do mundo. Não sei se você está pronto a admitir isso, Max, mas o Coringa talvez seja o pior criminoso existente em nossa época. E escolheu uma cidade gótica, que parece fadada a abrigar o crime profundo e insolúvel, para o seu campo de atividades.
— Você não pode raciocinar dessa forma. O perigo é maior aqui do que em outros lugares.
— Você tem razão, mas e o meu negócio? Tenho meus empregados, mas preciso ficar por perto, não quero abandonar tudo! Tenho que estar a par da féria diária, dos tributos a pagar, da contabilidade! Se for embora daqui, terei que vender tudo!
— Acredito que você não sabe o que quer. Já me pediu um emprego mas ao mesmo tempo diz que não quer largar a sua loja.
Ela torceu as mãos aflitivamente.
— Eu estou nervosa, me desculpe. Vou acabar neurastênica, pirada mesmo, se isto continuar.
Max se ergueu e pôs o chapéu:
— Bem. Chega. Eu vou agir.
— O que vai fazer, Max?
— Vamos ver esse Comissário Gordon. Ligue para lá, vamos tentar marcar uma entrevista.

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— Eu já devia ter voltado para casa — observou Gordon, com o cigarro entre os dedos. — Também tenho vida particular. Mas quando se trata do Coringa...
Max, numa das poltronas em frente à escrivaninha do comissário, respondeu:
— Suponho que ele é o inimigo público número 1 em Gotham...
— Nem tenha dúvidas. Mas o senhor não me pede nada de impossível. Chamarei Batman. Vamos até o terraço.
— O bat-sinal! — murmurou Mercedes. — Eu o verei de perto!
Max, fechado em silêncio sorumbático, acompanhou Gordon e O’Hara até o terraço. Lá, Max e Mercedes observaram a notável maquinaria que o comissário utilizava para manter contato com o Homem Morcego. O holofote projetaria nas nuvens a silhueta de um quiróptero, e isto detinha o seguinte significado: “Batman, preciso falar com você pessoalmente. Abraços, Gordon”.
— Quando ele virá? — indagou Mercedes, observando a noite estrelada.
— Aí é que está. Não posso saber — respondeu Gordon, lacônico. — Devemos esperar.
Max reparou que haviam alguns bancos e tratou de sentar. No fundo sentia fome, mas não podia pensar em comida por ora.
Mercedes sentou-se ao seu lado, bocejando.
— Isso tudo está me parecendo uma grande bobagem — comentou afinal Mr. Max, após madura reflexão. — Você não deveria ter desfeito o negócio, bastava que a polícia organizasse uma armadilha para pegar o Coringa. Não se pode adquirir mercadoria importada sem ficar localizável. Ele, ou seus testas-de-ferro.
— O que o senhor diz tem bom senso, Dr. Max, mas... não sei se Gordon obteria êxito. O Coringa tomou naturalmente as precauções para que o seu negócio passe por honesto...
— E essa história de mundo? Por que o mundo estaria sob ameaça? Só por causa de uns foguetinhos?
— Há razões para acreditar que sim. E o seu sonho, Dr. Max? Não dá a entender isso?
— Talvez.
Max remexeu com sua bengala, pensativo, e nesse ponto o Comissário Gordon, que estivera espiando pelo parapeito, aproximou-se deles.
— Ele está vindo.
Max levantou-se e olhou na direção indicada por Gordon.
No fundo esperava algo como um helicóptero, e embora já tivesse ouvido falar das façanhas de Batman não acreditaria facilmente que fosse possível transportar-se entre prédios segurando um cabo flexível ou coisa parecida. Com certeza as luvas eram feitas de algum material tão resistente que preservava as mãos de ficarem em carne viva. Mas, como podia ele recuperar o cabo enganchado em algum lugar? A figura assustadora, com sua capa que simulava um pouco as asas de um morcego, esclareceu logo aquela dúvida ao mexer num comando qualquer e o cabo soltou-se da platibanda de um prédio dezenas de metros acima e rapidamente rebobinou-se na mão do Cruzado de Capa, que o colocou de volta no cinturão de utilidades.
— De modo — pensou Max — que o nosso amigo não é tão sobre-humano assim.
Uma invençãozinha interessante... que a mídia popularizara escandalosamente como “bat-corda”.
Batman era realmente uma figura impressionante. Alto, espadaúdo, quase invisível por trás de tanto disfarce; os olhos espreitavam pelas aberturas da máscara que envolvia o seu crânio e deixava ver a boca, o queixo e a parte inferior do nariz. No peito, sobre o uniforme colante, a placa do morcego. A capa completava a visão do terror. Ele podia não ser mais que uma figura terrorífica da Amicus ou da Hammer, algum vampiro da noite interpretado por Christopher Lee. Só isso: uma coisa irreal.
E a sua voz, ao cumprimentar Gordon e O’Hara, era tenebrosa.
Max aproximou-se com Mercedes, amedrontada, segurando em seu braço.
Gordon fez as apresentações e Batman não sorriu sem demonstrou qualquer expressão, pelo pouco que se podia notar de sua face.
Mercedes explicou o problema, nos mínimos detalhes. Batman pareceu pensativo e por fim, quando tudo havia sido exposto, deu um parecer decepcionante:
— Talvez seja melhor você sair do país.
— Mas como, Batman? Estou contando com a sua ajuda!
O guardião de Gotham City deu as costas a todos e, de braços cruzados, fitou a imensa noite estrelada:
— Eu fico imaginando... quantas pessoas afinal confiam em mim ou julgam que eu posso resolver tudo. Mas se considerarmos há quanto tempo o Coringa desafia a sociedade... e há quanto tempo eu tento detê-lo... a pergunta é: não seria Batman um grande fracasso? Uma grande ilusão?
O velho advogado sentiu-se gelar por dentro. Aquilo não era o que ele esperava ouvir do Cruzado de Capa.
— Mas ele foi preso várias vezes... — balbuciou Mercedes, mal contendo o espanto.
— Sim. E foi internado como louco no “Arkham Asylum”. E foi solto ou fugiu todas as vezes e hoje está em liberdade e até mexendo com negócios.
Max olhou em volta. Os dois policiais nada diziam; Mercedes, embasbacada, não atinava com as palavras. Max aproximou-se então do vulto embuçado, cuja mística parecia ter caído naquele momento:
— Senhor Batman, de sua parte existe algo que possa ser feito?
Batman, com os antebraços no parapeito, volveu o olhar para o Dr. Brian Max. A pergunta fôra objetiva.
— Com certeza, Doutor Max, eu farei o possível. Mas não esperem milagres da minha parte. Afinal, eu trabalho sozinho.
— Mas e Robin? — indagou Mercedes, espantada.
— Robin... — murmurou o Homem Morcego, mirando o infinito.
— Presentemente, não se deve falar disso com ele — avisou o Comissário Gordon.
— O que o senhor chama de “fazer o possível”? — perguntou Max, insistindo numa resposta objetiva.
— Não é fácil investigar ou coligir provas aceitas pela Justiça, ou encontrar criminosos foragidos. E eu também já não sou muito novo. O fato é que o próprio sistema social me tolhe.
— Por exemplo: como se pode impedir que uma pessoa inocente seja morta? Se o crime organizado jura você de morte, o que lhe resta fazer senão fugir ou esconder-se? Um senador ou um juiz talvez possa ser protegido em caráter permanente. Mesmo os grandes, porém — vejam John Kennedy — podem ser atingidos. Já os criminosos, como estão ocultos, gozam de todas as vantagens. A própria aplicação da pena de morte é problemática e muitos países nem a possuem. A mentalidade liberal, moderna, nega ao Estado o direito de matar criminosos hediondos, mas não oferece uma alternativa que dê paz e segurança aos cidadãos de bem. Pode crer, isso desanima.
— Eu vou fazer o possível, como disse. Mas aconselho a esta senhora: feche o seu negócio e abandone os Estados Unidos. Aceite a oferta de emprego do Dr. Max.
Assim dizendo Batman atirou a sua bat-corda e foi embora com ela.
— Ele fará o possível — disse Gordon, visivelmente constrangido.
— Confiem em Batman — acrescentou O’Hara, tolamente.
Max girou o chapéu na cabeça, um gesto típico seu.
— Sabem... acho que nada mais temos a fazer aqui.
Ao se despedirem, Gordon ofereceu:
— Colocaremos proteção para a loja e para a Sra. Romney. Nossa polícia fará o possível. Entretanto, estejam certos de que Batman agirá. Ele já prendeu o Coringa e os seus asseclas em diversas ocasiões.
— Acredito que o problema é esse — respondeu Max, gelidamente. — Que adianta prender se depois soltam? Vamos, Mercedes. Não me parece que aquele maníaco-depressivo seja a solução.
(continua)
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 26/11/2013
Reeditado em 03/02/2017
Código do texto: T4587924
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