1 – O caso do Sr. Robson

«Deixem um comentário, se puderem. Obrigado.»

O nosso primeiro caso, o caso do Sr. Robson, não foi muito bem um caso, pelo menos não do nosso ponto de vista profissional, e tampouco foi entregue a nós considerando nossa competência, com certeza não. Estávamos apenas no lugar certo e no momento exato quando tudo aconteceu. E o que veio depois disso foi uma mera atração, e quando nos apercebemos, já estávamos envolvidos.

Naquela noite nosso grupo se encontrava reunido na casa abandonada da Rua Pearl. Aproveitávamos o aspecto sombrio que emanava do casebre para jogarmos Ancient Darkness, um RPG de mesa nada iluminado, como o nome sugere. Estávamos no segundo pavimento da casa, num cômodo pequeno e escuro que parecia antes ter sido um escritório. Ali ainda restavam prateleiras abarrotadas de papeis e livros empilhados cobertos de pó. Também havia uma pequena mesa retangular e algumas tábuas espalhadas pelo chão. Tudo cheirava à velhice, mas relevávamos bem. E o problema da luz, resolvíamos com velas.

Durante o desenrolar do jogo – e nisso não vou me alongar – a tensão entre nós se elevou e tivemos que controlar os sons. Então fechamos a pequena janela que dava para a Rua Pearl e diminuímos o nosso volume. Foi nesse exato momento que um ronco de motor ainda ao longe chamou nossa atenção. E não havíamos nem retornado ao jogo quando ouvíamos o carro parar em frente a casa onde estávamos. Olhamo-nos uns aos outros sem muito o que pensar.

– Fiquem quietos – Por fim disse a voz mais velha entre nós.

Segundos depois, foi tão rápido quanto possível, uma voz chamou por um nome num tom imponente e apressado. O nome inundou a noite e chegou até nós como Robson. A princípio não pensamos nada em específico, claro, alguém chamando era apenas alguém chamando. Mas de fato as expressões de Rubens eram completamente distintas das nossas, e isso, pelo menos em mim, despertou a premissa de uma suspeita. O que, em um instante, se concretizou estranhamente com três disparos, para logo depois um carro arrancar e deixar o barulho de culpa no ar.

– Marquem a hora, pode ser preciso – Rubens se levantou e foi à janela.

– 23:37h.

Cinco minutos depois dos disparos e um contingente de curiosos já se encontrava na rua. Não havia sinais físicos de que de fato alguma coisa tinha ocorrido, mas os sons foram inconfundíveis. Tiros e derrapagem de pneus só podem significar uma coisa, e foi justamente esse pensamento que incitou aquelas pessoas a deixarem seus cômodos travesseiros e se darem às especulações. Curiosos precisam se alimentar!

Entretanto, dez minutos mais tarde a polícia chegou ao local e conteve a euforia da multidão. Fizeram algumas perguntas e por fim se ativeram à casa do Sr. Robson. Havíamos apagado as velas e agora revezávamos a janela.

– O que vamos fazer? – Rubens estava escondido nas trevas, sentado à mesa do jogo.

– Como assim, o que vamos fazer – Retruquei.

– Ora, Mikael, nós presenciamos um crime.

– Você nem sabe se de fato aconteceu. Só ouvimos os tiros. – Arthur adentrou a conversa.

– Se não tivesse acontecido o carro não teria saído tão depressa. O que eles vieram fazer não podia ser deixado para depois. Se três tiros não resolvessem, quatro, cinco, seis ou mais deveriam bastar. Isso é simples!

Então um silêncio consciente se estabeleceu entre nós quatro. Fazia sentido as palavras de Rubens. Entretanto...

– O que podemos fazer, ora? Não vimos os caras, não vimos o carro, não vimos nada…

– E precisamos ter visto? Não, óbvio que não. Só precisamos pensar – E com isso deixamos Rubens num outro silêncio. Mas ele logo se esquivou. – Digam-me o que sabem sobre quem mora naquela casa. Qualquer coisa que seja.

Ficamos olhando uns aos outros durante alguns longos minutos. E somente depois do Rubens repetir sua intenção e apressar respostas foi que as bocas começaram a mexer.

– Olha, Rubens, ouvi dizer que ele mora com o filho. E, na cidade, são só os dois, não há parentes. Só isso que sei.

– Já é alguma coisa, Wall-e(Gabriel). Mais alguém?

Eu não sabia nada. Para falar a verdade, até ouvir o nome ser soado naquela noite não sabia sequer que algum Robson morava naquela casa. E para formar comigo o grupo dos sem informação a dar – graças que não fiquei só –, o Arthur também estava na mesma situação que eu. Então simplesmente nos calamos, mas não antes de nos explicamos ao Rubens, que por sinal não gostou muito do que ouviu, e resmungou algo do tipo…“Então é isso, não sabemos mais nada?”. E depois do nosso silêncio indiscreto, prosseguiu com o complemento insistente: “Nem mais um detalhe?”, para, surpreendentemente…

– Tem mais uma coisa, sim, mas na verdade não é nada de mais. Creio que não terá relevância.

Rubens se levantou.

– Wall-e, não se deve omitir nada. Diga!

– Há um tempo, não muito, estava saindo do mercado com a mãe e…bem, o Sr. Robson também estava lá. Foi quando…a mãe me pediu para que eu ajudasse o senhor com as compras. Ajudá-lo a levá-las até o carro.

– Você está de brincadeira, cara? – O Arthur riu ironicamente. – Era melhor ter ficado calado. Se não é importante…

– E quem disse que não é? – Rubens cortou abruptamente a fala afiada de Arthur. – Preciso de palavras! E creio que é você, Wall-e, quem as me dará. Diga: o que o Sr. Robson falou quando você terminou com as compras? Preciso de palavra por palavra, e também do tom no qual foram ditas.

E, claro, nós três, incluindo Wall-e, ficamos sem entender a ânsia de Rubens. Maldita mente, a deste peste!

– Quando terminei, Rubens, ele me agradeceu com um obrigado normal, sem muita expressão, acho. Mas…depois, disse, com essas mesmas palavras: “Você é um bom garoto. Cresça assim.”, e ainda me deu cinco reais. Ele também era um bom homem.

Enquanto Wall-e se dava à narrativa, Rubens se encontrava tão pensativo que nem parecia bem. Quando por fim o garoto terminou a história, o nosso “mente aguçada” mudou completamente o semblante, pôs um leve sorriso no rosto e entregou uma piscadela ao nada, sim, a um dos cantos escuros daquele pequeno escritório abandonado.

– Sabiam que não se pode acusar ninguém sem prova? – Rubens iniciou, e meneamos a cabeça. – Pois bem. E sabiam, também, que para encontrar o culpado é preciso suspeitar de todos? Digo, quem ainda não morreu, pode muito bem matar. Na verdade, todos são assassinos perigosos em potencial, e isso, temos que levar em consideração.

– O que você quer dizer com isso, Rubens? – Perguntei curioso.

– Ainda não quero dizer nada. Pelo menos não sem saber uma última coisa: Gabriel, você já viu o filho do Sr. Robson? Consegue me dizer se ele está lá embaixo?

– Não, nunca o vi.

– Lastima – Rubens sacudiu a cabeça. – Então preciso de um favor. Estão nessa comigo? – Nem respondemos. Ele sorriu. – Eu só preciso saber quem foi que morreu, o pai ou o filho. Simples!

Silêncio. E em um segundo…

– Como assim? Você não ouviu o homem gritar o nome? Só pode ter sido o Sr. Robson, ora!

– Isso seria óbvio se só existisse um Robson naquela casa, Caré(Arthur). Sim, culpa do agnome “Filho”! O filho do Sr. Robson carrega o mesmo nome do pai. Entretanto, isso eu já sabia, não foi dedução, até porque seria impossível.

Wall-e ficou perturbado.

– Ainda assim estou sem entender. O que tem a ver…

– Como já disse, não se pode acusar. Mas na minha cabeça as suspeitas estão bem mais vivas que eu, se querem saber – Fez uma longa pausa. – Já que não conhecemos o filho, e não vemos o pai lá embaixo, alguém pode, por favor, descer até a multidão e descobrir o falecido? De fato creio que o infortunado tenha sido o Sr. Robson. Mas, alguém desce, confirma minha suspeita e, aproveitando, tenta descobrir algo que não sabemos. O que acham? Já estamos bem perto!

O escolhido para a empreitada foi o Caré. Seria ele ou eu. Não tínhamos ligação com nenhum dos Robson e muito possivelmente não conheceríamos nenhum dos curiosos que ainda permaneciam firmes à espreita lá embaixo. Éramos perfeitos. Então lançamos a sorte na figura de uma moeda de cinquenta centavos. O lado da coroa ficou à mostra e apontou ao meu adversário, que numa expressão contrariada disse que eu era um sortudo…Bem, é melhor deixar quieto.

Quando por fim o Caré tornou ao nosso “escritório”, estava com o mesmo semblante entalhado de sempre. Eu havia pensado que se ele visse um defunto, e isso contando que aconteceria, suas expressões se tornariam mais flácidas, menos metidas a homem-forte, entretanto me enganei severamente. Aquele pedra era mesmo um pedra! E não demorou muito, aliás, não demorou nada, para que ele enfim nos metralhasse com suas descobertas. Fora bem conciso e pouco didático.

– Foi o Robson velho. É o que o povo fala. E só estava ele e o filho na casa – Calou-se.

– Apenas isso, Caré? – Rubens o interpelou secamente.

– Ora, não cheguei tão perto. Há dois policiais no portão, como já viram.

– Tudo bem, mas, não há mais nenhum comentário circulando?

Uma hesitação surgiu na fala de Arthur, até que por fim foi irrompida com palavras perscrutadoras.

– Você espera mais algum, Rubens? Espera mais algum comentário?

Rubens passou seu olhar sobre cada um de nós e viu que também o tínhamos sob mira. Ele riu. Depois começou.

– Na verdade, sim. Espero uma mentira. Qualquer uma que seja. Pequena, grande, ou pelo menos algo que tenha o semelhante odor acre de uma. Algumas mentiras são tão úteis quanto a própria verdade.

Insinuamos que continuasse e ele assim o fez.

– Entretanto, nesse caso a mentira servirá apenas como prova, pelo menos para nós. E se de fato houver uma, pronto, estará resolvido.

– Estará resolvido? Só precisa, então, de uma mentira?

– Como eu tinha conhecimento sobre os dois Robson, a princípio imaginei que qualquer um deles poderia ter sido a vítima, por isso escondi o que eu sabia. Entretanto, o que ocorreu essa noite foi algo pensado, premeditado. Ninguém, com intenção, por exemplo, de roubar um desconhecido, vai até sua casa e grita por seu nome. Isso é óbvio. Então, foi um assassinato calculado. E com isso, não quis imaginar que um senhor já de idade, o Sr. Robson, estivesse envolvido em alguma situação ruim ao ponto de estar sob mira. Não que isso não seja possível e nem aceitável, mas, a princípio, preferi deixar de lado essa possibilidade. E fui feliz. Quando o Wall-e contou seu episódio no supermercado, tudo se encaixou perfeitamente em minha cabeça.

– E o que teve de mais, esse episódio?

– As três frases ditas pelo Sr. Robson. Mas, de fato, as duas últimas foram as finalizadoras.

– Como?

– O “Obrigado!” foi apenas o agradecimento racional. Simples. Mas o que veio depois disso, as duas frases, foi um desabafo inconsciente – Rubens fez uma pequena pausa e demonstrou satisfação consigo mesmo. Depois prosseguiu. – Antes de relatar o ocorrido, Wall-e também disse sobre o Sr. Robson não ter parentes na cidade, e que vivia só com o filho. Foi por isso que cheguei ao desabafo. Que parâmetro de comportamento o pai tinha senão o do próprio filho? “Cresça assim!”, foi o que o Sr. Robson disse. E por que ele diria isso? Não passou pela cabeça de vocês que havia algo de ruim no cerne dessa frase? Pois na minha foi a primeira coisa que veio. O Sr. Robson não se sentia completamente realizado com o filho que tinha. Mas, porque não? Imaginei que o filho deveria estar envolvido com…como dizem o povo, coisa errada. E isso incomodava o pai. Mas eu poderia estar errado nisso tudo? Sim, claro que sim. Mas aprendi que, nesse mundo, a verdade sempre faz sentido. E pelo menos na minha cabeça esse fato pareceu bem razoável. Um filho metido em coisa errada e de repente…uma morte.

– Mas, se você chegou a esse ponto tão consistente, por que precisa que haja uma mentira? Não entendo.

– Simples como somar zero a zero. Se não houver uma mentira e tudo for bem contado, o filho não tem tanta culpa e o pai terá sido morto por engano; foi atender ao chamado no portão e…com a noite escura o assassino não distinguiu a pessoa, mas por haver alguém respondendo pelo nome chamado…bem, só poderia ser aquele. Entendem?

– Sim – Respondi. – Mas, e se houver a mentira?

– A mentira encobre a verdade. E, nesse caso, por que o filho haveria de mentir? Só o faria se quisesse esconder algo. E o que ele poderia querer esconder? Bem, talvez ele tenha se aproveitado do fator “nomes iguais”. Talvez ele quisesse que o que aconteceu, de fato acontecesse. Com o pai morto, e depois de um tempo, talvez fugiria sem deixar pistas. E se assim for, que desgraça de filho!

De repente um silêncio fúnebre pairou sobre nós. “Que desgraça de filho!”, a frase ressoou em minha mente e depois mais outra vez, até completar a quinta e eu enfim impedir a sexta.

– Então temos o culpado, contamos a polícia? – Inquiri ao Rubens.

– Não sei, por dois motivos. Primeiro: há mentira, Arthur?

O garoto hesitou sistematicamente. Depois de alguns segundos moveu os lábios.

– Está circulando que foi tentativa de roubo. E que o Sr. Robson reagiu e por isso foi morto. Parece que o filho ouviu uma discussão e em seguida três tiros.

Subitamente o mesmo ar de satisfação de minutos atrás voltou a ascender ao rosto de Rubens.

– Esse foi o primeiro motivo. E sabemos ser mentira. Não houve discussão, nem tempo o suficiente para uma. Agora vamos ao segundo: não temos o culpado. Quem atirou não foi o filho. Ele foi apenas o objeto que acabou por dar chance a uma oportunidade de saída a si mesmo. Entretanto, ele sabe muito bem quem é o assassino, afinal, estava sendo procurado por ele. E isso já é satisfatório a nós, que nem sabemos a definição correta de crime.

– Nossa! Você pensa demais, Rubens. Mas não te invejo, talvez isso seja uma maldição!

Rubens riu engraçadamente.

– Sim, talvez seja. Mas, se for, agradeço por ter sido amaldiçoado dessa maneira – E tornou a rir.

– Mas existe uma outra possibilidade – O som de graça cessou rapidamente. – E se, ao invés de o filho ter estado na mira esse tempo todo, tiver, premeditadamente, contratado o assassino?

– E qual seria o motivo? Dinheiro? Também pensei nessa hipótese. Mas, olhe lá para fora. Veja a casa. O Sr. Robson não me parecia nenhum milionário, nem sequer rico. Talvez tivesse, de fato, alguma economia conseguida através dos anos, mas esse não me parece um motivo sequer ponderável. E outra, nada explica o fato do chamamento. Essa foi a primeira prova de que o filho não tinha nenhum envolvimento no crime, pelo menos não diretamente.

– É, faz sentido.

Nesse exato momento Rubens desceu até a multidão, agora mais esparsa, e contatou um tipo médio, de físico relativamente cuidado, que carregava no corpo a farda da polícia. Abordou o homem cuidadosamente e lhe foi entregando fato por fato. Da janela, vimos os dois conversarem por quase dez minutos. E ao final, o policial apertou a mão do Rubens e elevou seu olhar até nós, acompanhando a janela onde ouviu que estávamos. O “mente veloz” agradeceu a atenção e tornou às trevas do escritório.

– Creio que conseguimos, galera. De fato o policial ficou com um pé atrás quando comecei, mas depois que inverti a mentira do roubo, ele foi ponderando os fatos, e até me pareceu bem convencido. Na verdade, ouso dizer que já está resolvido – Olhou para cada um de nós e por fim disse: – Ouso, assim como ousei dar àquele policial de nome Silva o telefone de casa para que, caso estivermos corretos, ele nos contate. E, também, para se caso precisar de mais alguma ajuda nossa…O que acham da ideia?

A partir desse dia nossas vidas mudaram. Passamos de meros estudantes a detetives extraoficiais tão rapidamente que não tivemos tempo sequer de perceber a mudança. E cada caso que intrometidamente “tomamos” por nosso, tinha a ajuda oficial do policial Silva, que funcionava como a intersecção entre nós quatro e a cena ou fatos do crime.

Hugo LC
Enviado por Hugo LC em 21/02/2014
Reeditado em 21/02/2014
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