Romance Russo

A cidade tinha “n” milhões de habitantes. Mas a vítima teria que ser do sexo feminino, na faixa dos 20-30 anos, branca, de olhos e cabelos pretos, escuros e crespos. E, sobretudo, teria que ler Dostoiévski, precisamente: Niétotchka Niezvânova. A vítima teria que andar de ônibus, fazendo o percurso da Avenida Principal até o Terminal Rodoviário, tomar café no bar Três Amores, onde encontraria um velho magro de olhos azuis, sorriso bondoso, também lendo, coincidentemente, Niétotchka Niezvânova. Eram raras as vítimas. Parecia que procurava pela pessoa predestinada, como alguém que estivesse sempre prestes a chegar, sem que se soubesse como ou onde, mas apenas o porquê: a morte. A angústia do assassino talvez fosse saciada se mudasse de autor, ou, pelo menos, o título do livro. Mas, aí, não seriam vítimas, e sim, moscas, e moscas tem-se aos milhares. Eram seletas, bem seletas suas vítimas e inocentes.

(ARAGÃO, Carmélia, " Eu vou esquecer você em Paris". Fortaleza: Imprece, 2006)