Em chamas

As lâminas se cruzavam com intensidade. Golpes que iam de cima a baixo tão rápidos quanto um piscar de olhos. Quem parava para olhar ficava atônito com tamanha movimentação. A sensação para os lutadores era ainda mais intensa. Frios, intensos, focados. Não havia nada ao redor para ser visto ou notado além da espada, do inimigo e da inevitável certeza que o desfecho daquele combate mudaria toda a guerra...

De um lado, encontrava-se a justiça representada nos ideais de González. De outro, toda a idealização da violência e dos ideais revolucionários do “misterioso” assassino da chuva (Jairo). Difícil em uma primeira vista, dizer qual dos dois venceria. O desenho que os corpos faziam no movimento dos pés, na troca de olhares e no encontro de espadas tornava quase impossível qualquer diagnóstico. Era um momento único que poderia mudar todo o curso da batalha. Por um lado, González sabia que se vencesse ali, poderia chegar mais perto do paradeiro de Jairo. Por outro lado, Gumercinda sabia que se vencesse ali, seu mestre ficaria mais perto de dominar a cidade natal. Contudo, conseguiria matar um amigo, confidente e antigo amante?

Todavia, antes de fazer essa pergunta, era necessário que estivesse em vantagem na batalha. Aos poucos, porém, Gumercinda ia sendo pressionada. González chegava sem alarde, esquivando da maioria dos seus ataques, ao mesmo tempo em que arquitetava uma maneira de ataca-la. Após duas horas de batalha, a maioria dos lutadores, tanto de González quanto de Gumercinda não percebiam, mas era claro o domínio do primeiro sobre a segunda. Tão claro que, em dado momento, Gumercinda abaixou a guarda e lhe dirigiu a palavra:

- Até quando vai brincar?

- Como assim?

- Pensa que não percebi? O quanto você está “brincando” comigo?

- Apenas não quero te matar.

- Creio que não haver outra maneira.

- Eu continuarei a discordar...

- Bem, se não lutar a sério, irei me matar aqui e agora e nunca saberá onde está o mestre.

- E se eu te derrotar? Você me conta onde ele está? Em nome de sua honra como guerreira?

- ...

- Se não quer brincadeiras, demonstre o seu valor no campo de batalha.

- Façamos assim: se você quebrar a minha espada, contarei tudo o que sei sobre o mestre. Contudo, se você perder terá que ceder todos os seus soldados para mim, além de suspender a investigação sobre ele. De acordo?

- De acordo. Que vença o melhor.

A luta recomeçou. Agora com muito mais feracidade do que antes. Arriscando mais, Gumercinda conseguiu equilibrar as ações, chegando a atingir o braço esquerdo de González. Antes que pudesse se dar por surpreso com tal investida, González logo teve que se desviar de ataques múltiplos que partiam de baixo pra cima, da esquerda para a direita, mirando a barriga e a cabeça. Pela primeira vez na luta se sentiu acuado. Mal sabia Gumercinda que esse era o “combustível” para a sua derrota...

Sem ter muito tempo para pensar, González rebateu em um ato-reflexo um dos ataques de Gumercinda, disparando um chute na sequência que jogou a sua adversária ao chão. Calculando que ela viria ensandecida em sua direção, González abaixou a espada na altura da cintura no seu lado esquerdo. Quando sua adversária se aproximou, puxou a espada de baixo pra cima fazendo um corte na diagonal que, em um só movimento, quebrou a espada de sua rival, além de feri-la no peito. Seu movimento foi tão bem planejado que não acertou nenhum órgão vital.

Finalizado o ataque, González voltou as suas atenções a sua adversária caída de bruços no chão. Abaixou-se perto dela e começou a lhe dirigir as palavras:

- E agora venci?

- Hehe... você realmente é um lutador e tanto... cof...cof... I... Imagino se tivesse lutado com tudo desde o começo...

- Você não foi nada mal também. Muito melhor do que me recordo...

- Ok... chefe... te direi tudo o que você quer sab.... (Desmaia).

- Desmaiou. Bem creio que esse é o fim. Homens abaixem suas armas! Sua líder caiu!

Um extasiado grito surge da multidão. Todos os soldados guiados por Gumercinda agora pareciam crianças rendidas diante do grande poder de González, que, num ataque sólido decidiu a luta entre ambos. Seu poder, antes limitado no começo das investigações parecia crescer a cada batalha disputada. A pergunta que se fazia era se seria suficiente frente às habilidades do assassino da chuva. Gostaria de ter uma resposta para essa pergunta. Enquanto não obtivesse seguiria lutando. A única certeza que tinha naquela noite era que conseguiu vencer mais uma batalha. Dentre todas, aquela havia sido a mais difícil, uma vez que precisou colocar o dever acima dos afetos. Seria assim bem sucedido contra Jairo?

Quatro dias depois, Gumercinda acorda no leito de um hospital sem saber onde está. Tal qual um fantasma, González, encostado a parede, lhe dirige a palavra.

- Se sentindo melhor?

- Sim. Obrigada.

- Pronta para falar?

- A hora que você quiser.

- Enfim, estamos de acordo. Como nos velhos tempos...

Andarilho das sombras

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 10/07/2014
Reeditado em 24/02/2015
Código do texto: T4876959
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