784-A VEREADORA SEQUESTRADA-Politica e Crimes

Eleita vereadora, Ideli Calheiros, a proprietária da Auto Escola Calheiros, na pequena cidade de Monjardim, tomou posse às 14 horas do dia 2 de janeiro e sumiu logo após a cerimônia.

Por volta das quatro da tarde, o filho Leocádio recebeu um telefonema dela, dizendo que estava mantida em cativeiro e que preparasse R$ 10.000,00 que era o preço do resgate.

— Mãe, onde vou conseguir 10 mil assim, no estalo? –perguntou o filho,

— Olha no nosso cofre, tem um fundo falso, vai lá e pega. Os sequestradores vão lhe telefonar mais tarde, daqui duas horas, dizendo como deverá ser entregue o dinheiro.

À noite, na reunião dos vereadores recém-eleitos, aconteceu a votação para a escolha do presidente e a mesa diretora da edilidade. Numa sessão tumultuada, principalmente pela falta da vereadora Ideli, cujo voto teria peso num possível empate, foi eleito Chico Sereno para presidente, e seus companheiros para os demais cargos.

No cativeiro, a vereadora Ideli não teve como votar, claro.

No dia seguinte, resgate pago, Ideli “apareceu” no hospital local, onde foi internada com a pressão alta e outros sintomas de hipertensão.

O Delegado Davanti iniciou a investigação e imediatamente determinou a prisão à vereadora.

Na cama, ela resistiu à prisão:

— O Senhor não pode me prender. Sob que acusação? Quero um advogado.

— A senhora idealizou e promoveu o seu próprio sequestro.

— Gente, que absurdo!

O delegado Davanti havia iniciado a investigação assim que fora informado da chegada de Ideli ao hospital. Em dois tempos, reuniu os poucos fatos com muito conhecimento que tinha sobre dona da auto escola, mais um agudo senso de observação ligado à intuição para esclarecer tudo.

— Já prendi os três suspeitos e eles confessaram tudo. Aliás, Malaquias era seu jardineiro, Rosalvo era seu homem de confiança na campanha. E seu filho também foi preso.

— Gente, esse homem enlouqueceu! — Gritou Ideli, levantando-se da cama e arrancando do braço o agulha do soro. derrubando o suporte do equipamento.

— Meu filho preso? Diga, seu delegado de merda, com que finalidade eu iria fazer isso?

— Coisas de política.

— Mas eu fui sequestrada. Até meu filho pagou o resgate.

— Já interroguei os suspeitos, eles confessaram tudo.

— Me explica aí, seu borra-botas, porque eu iria fazer isso?

— Como disse, armação política. Política suja.

O Delegado Davanti, com sua fleugma, sentou-se e disse à paciente:

— Acho melhor a senhora também se sentar.

E começou a explicação:

— A sua ausência na sessão da noite na Câmara dos vereadores seria motivo para impedir a eleição de seu adversário político, Chico Sereno. A senhora tinha como certo que, sem a sua presença, a sessão não seria levado ao final. Mas seus amigos a traíram, a sessão foi realizada e o seu inimigo político foi eleito presidente.

—Mas e meu filho? E o dinheiro que ele pagou aos sequestradores?

— Tudo uma farsa. Quanto ao seu filho e ao dinheiro, é outro crime: lavagem de dinheiro. Nem a senhora nem seu filho nem seu marido tinham esse dinheiro em suas contas. Aliás, as contas não sofreram saques. Então, vamos ver de onde vieram esses dez mil reais. Droga, quem sabe...? Ah! Tem também a acusação de formação de quadrilha.

Mais tarde, Ideli em conversa particular com o advogado Jamil Farney, que era também o presidente do partido pelo qual tinha sido eleita, disse:

— Você tem de livrar desta! Tudo o que fiz foi para que aqueles merdas dos adversários não tomasse a direção da Câmara dos Vereadores.

— Ora, Ideli, como vou te livrar dessa operação desastrada? Quem te autorizou? Eu, não fui. Aliás, como diria Nosso Guia: nada sei, nada vi, nada ouvi...

A primeira sessão da Câmara de Vereadores de Bonjardim, realizada no dia seguinte à posse, foi justamente para a cassação da vereadora, por “falta de decoro parlamentar”, única falta imputada aos vereadores, deputados e senadores do Brasil, seja lá o crime que tenham praticado.

Na pracinha central, local de reunião de políticos, de vendedores ambulantes, enfim da escória da cidade, Dito Baculé, que era louco mas não era bobo, gritava:

Viva a Idelí, viva a cuíca, viva o pandeiro,

Viva o povo brasileiro!

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 18 de maio de 2013

Conto # 784 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Os contos de Milistórias são Arquivados na BibliotecaNacional.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 30/04/2015
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