O BOM LADRÃO - capítulo VII

Já à noite, o ladrão aprontava-se para jantar com a sra. Charllote, dava o nó na gravata enquanto o policial Wilson dizia:

- Se quer causar boa impressão é bom manter a educação e não pôr a mão em nada.

- Ok, chefinho.

- A sra. Charllote é uma dama bastante refinada e nem preciso falar de sua fama por ser uma mulher podre de rica. Não vai fazer besteira.

- Jamais, chefinho. Ah, tem como me dar uma carona?

- Fazer o que, né?

Wilson levou o ladrão de carro até a mansão da sra. Charllote e disse para o ladrão:

- Não esquece do buquê.

- Verdade.

O ladrão pegou o buquê de rosas no banco de trás e Wilson completou:

- Assim que ela abrir a porta a cumprimente e entrege as flores.

O ladrão desceu do carro e o policial Wilson voltou para casa. Antes de tocar a campainha, o ladrão ajeitou a gravata e passou a mão nos cabelos, então tocou. Quem abriu a porta foi o mordomo e o ladrão já havia estendido o buquê, mas recolheu-o e falou:

- Boa noite, Charllote me convidou para jantar com ela.

- Ah, Amadeu Barcellos?

- Exato.

- Ah, sim, pois não, entre.

O ladrão entrou e após fechar a porta o mordomo disse:

- A sra. Charllote está se arrumando e em alguns minutos descerá para recebê-lo. Enquanto a espera, deseja que eu lhe sirva algo?

- Álcool? Não, obrigado, eu não bebo.

- Não, não, eu disse "algo", um chá, ou um café...

- Não tem um refresco de laranja aí?

- Ah... Sim, claro. Só um instante, pedirei para a empregada lhe servir. Com licença.

- À vontade.

Estando só, na ilustre sala de estar, o ladrão olhava em todo o seu redor e assobiava, admirado com tanto luxo, desde o alto da escada até a maçaneta da porta de entrada. Na noite anterior ali passada, havia tanta gente que nem dera para reparar em tanta riqueza que decorava os cômodos da mansão e vazia parecia ser mais maravilhosa! Caminhou os dedos na estante de decoração e apreciou uma obra prima finíssima de um cisne de ouro, na parede quadros magníficos, o tapete no centro da sala era de pele de urso e n'outro lado uma estátua de um anjo toda de bronze e um piano negro, e com tudo aquilo o ladrão estava quase passando mal, pois estava rodeado de glória e dinheiro e não podia tocá-los, tinha que se conter. Surgiu a empregada trazendo numa bandeja o refresco, serviu o ladrão e se retirou, ele bebeu tudo num só gole e já pensava em ponhar o copo dentro do terno, mas recordou-se de que seria agora um homem de bem e não mais furtaria, assim, punha o copo sobre o centro e sossegou. Finalmente a sra. Charllote apareceu no topo da escada, com um vestido vermelho e bem justo e os cabelos presos, foi descendo os degraus, à medida que falava:

- Desculpe a demora, Amadeu querido, meu gato acabou rasgando meu outro vestido e tive que usar este.

- Tudo bem, hehe...

- Olhe só para você, tão elegante e charmoso...

Ela estendeu a mão para o ladrão e ele a beijou, depois os dois se sentaram no sofá, bem juntinhos, enquanto a mesa era posta. Charllote contava sobre sua viagem a Paris, mas o ladrão estava mais interessado no colar de pérolas e no par de brincos que ela usava e por não tirar os olhos deles, Charllote percebeu e disse:

- Seu safadinho, o que está olhando aqui?

Ele disfarçou, mas Charllote o puxou de vez e beijou-o sufocadamente, nisso, ele conseguiu retirar o colar e os brincos dela.

- Sabe, Amadeu querido, você tem me surpreendido cada vez mais, e falta muito pouco para me conquistar de vez, só um presentinho.

- Um presentinho?

- Sim. Quem sabe um anel, ou...

- Ah! Espere...

O ladrão enfiou a mão no bolso da calça e retirou o anel de pedra azul que roubara na noite anterior e perguntou:

- Esse aqui serve?

- Oh, Amadeu! Que anel maravilhoso! Só vi um desses na mão da primeira dama e achei divino.

- Então agora você deve ser a segunda que tem um anel desse, hehe...

- Pois, não tenha mais dúvidas, eu aceito seu pedido de casamento.

- Casamento?

- Sim, Amadeu querido. Sabe, eu pensava em dividir tudo isso aqui somente com meu gato, mas depois dele rasgar meu adorado vestido percebi que não há mais ninguém a quem eu ame tanto se não você.

- Você... Me ama?

- Sim, Amadeu querido. Já conheci muitos homens bonitos assim como você, que diziam me amar demais, mas no fim descobri que só queriam mesmo se aproveitar de mim, porque tenho muito dinheiro. Mas, você não é assim, você é gentil, honesto, fiel... Eu achava que nunca seria amada por um homem, porque sou feia e gorda... Mas seus olhos me disseram o contrário.

Após ouvir aquelas palavras e sentir-se arruinado e um farsante, o ladrão segurou a mão de Charllote e foi retirando o anel de seu dedo, no que ela o fitou incompreensiva e num tom melancólico perguntou:

- O que está fazendo, Amadeu?

- Me desculpe, Charllote, mas, eu não posso te dar isso.

Ele guardou o anel de volta no bolso e, sem que ela percebesse, retirou o colar e os brincos do bolso e os escondeu no punho. Aflito, ele abraçou Charllote, ao passo que foi colocando o colar em seu pescoço, em seguida, aproximou seu rosto do ouvido dela e sussurrou:

- Me desculpe.

E punha os brincos de volta nas orelhas de Charllote e tudo isso sem que ela notasse. Agora, Charllote o fitava com intriga e não reconhecendo o significado de seus atos, perguntou:

- Por que está fazendo isso, Amadeu?

E ele, cansado de suas aprontas, respondeu:

- Não sou um homem tão maravilhoso como você pensa, não tenho nada para te oferecer e este anel nem é meu. Sinto muito, Charllote, mas você não merece um ordinário como eu.

- Eu sabia, você é igualzinho a todos os homens, que gostam de enganar e brincar com o coração das mulheres! Por favor, vá embora daqui.

O ladrão caminhou cabisbaixo até a porta, a qual foi aberta para ele pelo mordomo e, antes de ir embora, olhou mais uma vez para Charllote e colocando a mão no bolso retirou ainda a pulseira que dela roubou na noite anterior e colocou na maçaneta da porta e se foi, agora, com os bolsos vazios.

Na casa de Wilson, o ladrão contava como foi o jantar que nem chegou a acontecer e mesmo assim estava feliz por ter devolvido tudo o que não lhe pertencia.

- Você fez muito bem, Tadeu. Seria pior se tivesse continuado enganando a sra. Charllote e sendo o mesmo ladrão de antes.

- É verdade. Falando nisso, qual o próximo desafio?

- Deixa eu ver...

O policial abriu o papel que já estava completamente amassado e olhou a lista, então disse:

- Praticar boas ações. Humm... Isso vai ser legal e acho que você já começou antes da hora, devolvendo os objetos furtados.

- Mas, ainda há um que não devolvi.

- Há? Qual?

- O anel da primeira dama.

- Como é? Não, eu encontrei o anel debaixo da mesa.

- Aquele era falso, o verdadeiro está comigo.

- Tadeu, você... Você roubou o anel da primeira dama?

- Eeeu? Oh, não! Acho que colocaram o anel no meu bolso!

- Infeliz.

- Mas eu juro que vou devolver, chefinho, juro. E vai para o meu caderninho de boas ações.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 16/01/2016
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