Um par de brincos e um chaveiro chinês

_Alexandre Matos, um seu escravo.

Ele curvou-se sorrindo. Raquel ficou sem saber o que dizer. Não sabia bem como esperava que fosse a aparência de um detetive, mas não imaginou que fosse um jovem arruivado e sorridente, com um olhar perspicaz que se tornava malicioso sem aviso.

_Então, minha cara? Você disse que quer meus serviços para cuidar de um roubo. O que foi roubado? Quando, onde, como? Perdoe-me o afã, mas faz séculos que não tenho nada mais interessante para fazer que cuidar de adolescentes rebeldes e casos de divórcio.

Ela voltou subitamente à realidade e explicou:

_Foi na semana passada. Eu tenho um par de brincos que não são exatamente jóias, mas podem ser confundidos com. Ganhei de presente da minha mãe quando tinha seis anos. Na terça, fui pra faculdade com ele. Tirei pra experimentar um dos brincos que uma amiga minha estava vendendo e pus na mochila. Acabei me esquecendo de colocá-lo na orelha de novo. A mochila ficou na minha carteira e saí para comprar alguma coisa na cantina. Quando voltei, quis pôr os brincos e eles não estavam lá. Sei que é uma bobagem completa, que ninguém teria tanto trabalho com uma coisa que pode comprar por trinta reais ou menos, mas ele tem valor afetivo, entende? Minha mãe já morreu e é uma das poucas lembranças que tenho dela. Pelo que pude descobrir, ninguém diferente entrou na sala, então deve ter sido um dos meus colegas. Por isso achei que...

_...Não fosse assim tão impossível descobrir o ladrão? Bem, bem, bem, acho que será um prazer.

_Ah, sim. Isso estava no chão da minha carteira. Não sei se quem deixou cair foi o ladrão ou não, mas não estava antes e ninguém reconheceu.

Alexandre pegou o chaveiro com todo o cuidado e observou-o com atenção. Era um chaveiro ordinário de metal, em forma de símbolo chinês, com uma chavinha pendurada. Um rápido brilho passou pelo olhar dele, que se levantou.

_Excelente, garota, excelente! Por favor, anote aqui a sala em que você perdeu, a aula que estava assistindo, a data, o horário, tudo. Aliás, que curso que você está fazendo?

_História.

_Certo. É amiga do Lucas, foi o que me disse? Bom sujeito.

_Ele te indicou. E quanto aos... Aos preços?

_Não se aflija. Prometo-lhe que meus honorários não superarão o preço do brinco, se chegar a tanto. Esse não parece ser um caso dispendioso e a UFMG está a poucos minutos de distância daqui. Volte para casa e relaxe. Manterei você informada.

Raquel nunca imaginou que seria “mantida informada” daquela forma... Na terça-feira, rememorava os fatos do roubo antes que começasse a aula, quando um boy com um buquê de rosas entrou na sala. Perguntou algo a uma menina da porta e se encaminhou para onde Raquel estava.

O que a deixou pasma é que o entregador era ninguém menos que Alexandre, com um boné e uma camisa com um nome de floricultura.

_O que está fazendo aqui? _perguntou ela, entre os dentes.

_Um bico, ué! Quando a gente é muito seletivo com os casos que aceita, tem que fazer grana em outros setores... _riu. _Brincadeira. Só quis conhecer o terreno. Onde vocês estavam conversando?

_Ali _apontou a mesa da professora.

O detetive olhou pensativamente para lá.

_Sei... _suspirou. _Ah, eu queria realmente impressionar você com grandes deduções e feitos quase literários, mas temo que o fim desse caso vá ser simples e algo decepcionante...

_Pra mim, só de você encontrar o brinco, tá bom _Raquel disse, meio sem jeito. _Aliás, já estou achando que pedi demais, isso é, tanta dor de cabeça por nada...

_Trabalhar para uma moça bonita nunca é dor de cabeça, minha cara _ele balançou o indicador com um olhar malicioso. _Já vou indo, tenho trabalho a fazer.

Raquel corou um pouco enquanto ele se afastava. Não tinha notado antes, mas o diabo do detetive tinha um sorriso muito charmoso.

_Que bom que pôde vir! _Alexandre sorriu. _Tenho uma nova peça no caso, não sei se você reconhece isso...

Entregou algo embrulhado em papel de seda a Raquel. Ela soltou um gritinho de satisfação.

_Meu brinco! Mas como...

_Eu não devia contar... _ele suspirou. _Mas você é minha cliente, tem o direito de saber. Eu coloquei o chaveiro nos achados e perdidos e vigiei. Quando o dono veio pegar, apenas pressionei um pouco e ele cedeu.

Raquel emudeceu por alguns instantes.

_Agora que você falou... É tão simples que estou envergonhada de não ter pensado nisso antes!

_Bobagem. Meu trabalho não é fazer deduções mirabolantes do nada, é pensar naquelas coisas simples que todo mundo esquece.

_Mesmo assim, foi um grande trabalho. Quanto devo?

_Nada. Você é que fez o favor de me tirar daquele tédio.

_Mas eu insisto! Depois de toda essa trabalheira...

_Não, não posso te cobrar. Mas, já que insiste... Pode pagar com um favor.

_Diga.

_Será que não me acompanha num jantar hoje? Não queria ir sozinho ao restaurante mais uma noite.

“Por que não?”, ela pensou. “Seis meses de solteira já está bom demais!”

***

_Hoje, nove da noite, Churrasquinho do Manoel. Pode me passar a grana.

_Droga! Como você consegue? Ela já está há seis meses sem encontro! E, da última vez que chamei pra sair, disse que não queria mais saber de homens por um tempo...

_Não fiz Psicologia à toa. Eu disse que era só você pegar alguma coisa de valor na mochila dela e me indicar. Ah, em tempo, Lucão _atirou um chaveiro para ele _jogue fora esse negócio, não quero destruir amizades.

_Você é o detetive mais imoral que eu conheço, Lelé!

_Imoral por quê? Não cobrei dela, ela terá a melhor noite dos últimos seis meses e ainda vou fazer seu cartaz! Admita: eu sou o cara.

Lucas ficou sem saber o que falar. Atirou para o lado o chaveiro com símbolo chinês, pensando se contratar Alexandre tinha sido um bom negócio.

Strix Van Allen
Enviado por Strix Van Allen em 23/07/2007
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