GRANDE HOTEL

Do aeroporto ao hotel nada de anormal, sempre o mesmo trânsito caótico das grandes metrópoles, os malabaristas e vendedores ambulantes nos sinais dos cruzamentos e as figuras bizarras se acotovelando nas faixas de pedestres já eram figurinhas marcadas amplamente conhecidas por todos.

O porteiro do Grande Hotel franqueou a passagem e fez questão de levar a mala do Dr. Lúcio Spindola até o balcão de recepção onde, já lhe aguardavam os três sorridentes funcionários da recepção.

Junto com o cartão-chave do apartamento 303 lhe foi entregue o folder das atrações da semana.

O mesmo porteiro, vestido com aquela fardinha caqui e boné redondo com debruns vermelho, absolutamente ridícula em todos os sentidos, mais uma vez pegou a mala e com a cortesia servil dos menos favorecidos, indicou a porta do elevador.

No apartamento, fez a demonstração do estoque do frigobar, abriu as cortinas e ligou som e TV e, ao se retirar, reiterou a disponibilidade para qualquer coisa que o hóspede ilustre necessitasse e apontando para o folder na mão do Doutor, disse que se ele quisesse experimentar qualquer das ofertas na última página, bastava discar o número A303 e, depois do sinal, o código desejado.

Depois do banho rápido e do jantar frugal no restaurante do próprio hotel o doutor voltou para o apartamento enquanto a chuva tamborilava no vidro da janela.

Na TV somente notícias e mais notícias das inundações de sempre, o trânsito lá em baixo e por toda a cidade, como não podia deixar de ser por causa do temporal, estava destravando aos poucos.

Melhor ficar no apartamento e tentar ler algo naquelas revistas jurássicas. Nenhuma novidade e mesmo nas notícias velhas, nada que despertasse interesse.

Lembrou do folder.

Nesta semana um conjunto paraguaio e outro de rock pauleira estariam se apresentado a partir das 22 horas.

O chefe francês, conhecido como Le Bateau Noir, brindava ao público exigente com seu ratatouille 100% provençal.

Declamação de poemas de Fernando Pessoa e trechos de Guimarães Rosa pelos alunos de Arte Dramática da Universidade Federal.

Na última página, anúncios discretos de “acompanhantes” e a informação de que, melhores detalhes poderiam ser vistos no canal 600 da TV que, ligada, mostrou as opções selecionados por gênero.

O doutor pensou quase em voz alta: prostituição em alto nível... E clicou no ícone masculino.

Em sequência as fotos mostravam corpo inteiro e a cada toque no controle remoto os detalhes da genitália com as medidas em destaque que levaram o doutor a pensar que o deus Príapo havia encarnado em todos eles.

Clicou no ícone feminino. Mesmo estilo de apresentação, mas entre elas havia uma oriental que lhe chamou a atenção.

Parecia pré-adolescente. Consultou a ficha: chinesa, 30 anos, advogada, fala mandarim, japonês, inglês, árabe e espanhol. O doutor pensou ou é mentira ou é mais um caso de tráfico de humanos.

Pegou o telefone na mesa de cabeceira e discou A303, a voz metálica do atendimento automático deu as opções – para outros assuntos disque 9, depois do sinal, digite o código desejado; o doutor digitou 553 – seu pedido será atendido em 20 minutos. Agradecemos a sua preferência e tenha uma boa noite.

Na hora marcada, a porta se abriu a mocinha foi praticamente jogada para dentro do apartamento por alguém bem mais alto e de voz forte que falou algo ininteligível.

Ela curvou-se no rito oriental de cumprimento. Cabeça baixa, cabelos curtos denunciando terem sido raspados recentemente, vestia blusa azul celeste estampada com flores cor de rosa, gola alta, manguinhas curtas e com abotoamento lateral que é característica da moda chinesa, calça preta larga e sapatilhas também pretas. Nas mãos pequenas e diáfanas apenas um lenço.

O doutor fez o gesto indicando a cadeira para ela sentar e, em inglês, perguntou o seu nome, idade, origem... Ela com os olhos semicerrados olhavam-no como se a sua imagem estivesse distante ou difusa.

A fisionomia parecia de alguém alheia aos acontecimentos e sem entender o que lhe estava sendo perguntado.

Diante do silêncio, o doutor repetiu a pergunta em espanhol sem que houvesse qualquer reação.

O doutor levantou-se, fez um carinho suave em sua cabeça, foi até a porta, trancou-a com o pega-ladrão, discou 197 no celular e pediu para falar com o Dr. Fabrício, seu colega de departamento e, para evitar surpresas desagradáveis, tirou da maleta de mão a sua Magnun 45.

ESCLARECIMENTO

197 - É o número de emergência da Polícia Federal.