O Rapto da Noiva

Um castigado Oltcit Club preto aproximou-se devagar pela rua deserta, faróis apagados, e parou ao lado de um terreno baldio, cerca de 30 metros distante da casa que era o objetivo de seus quatro ocupantes. Taalay, o motorista, virou-se para o homem sentado no banco do carona, seu primo Jyrgal, e comentou:

- A luz está acesa. Ela deve estar em casa.

Jyrgal, por sua vez, voltou-se para o banco de trás, onde estavam sentados seus irmãos Aybek e Sukhrab.

- Já sabem o que fazer, não é? Eu bato na porta da frente e a distraio... vocês entram pelos fundos.

- Por que tem que ser ela, Jyrgal? - Indagou Sukhrab, o mais jovem dos rapazes. - Acha que vai querer alguma coisa contigo depois do que aconteceu com a irmã dela?

Jyrgal mostrou os dentes, num arremedo de sorriso.

- Ah, ela vai querer sim... justamente pelo que aconteceu com Anara. E Adilet é muito mais bonita do que a irmã que morreu.

- Que se matou - corrigiu Sukhrab.

- Que morreu - repetiu Jyrgal.

- Vamos deixar essa discussão para outra hora - atalhou o motorista. - A rua está deserta, mas se por azar passar uma patrulha, poderemos nos enrascar... eu não tenho dinheiro pra subornar os guardas.

Jyrgal desembarcou primeiro, para que os irmãos pudessem sair do banco de trás. Taalay continuou atrás do volante, motor ligado: a expectativa era que tudo fosse resolvido rapidamente. Viu os três irmãos dirigirem-se à casa térrea, onde a luz da sala estava acesa, e Jyrgal tocar a campainha, enquanto os outros dois esgueiravam-se pelo quintal escuro. A porta foi aberta e, estranhamente, Jyrgal ergueu os braços.

Em seguida, ouviu-se uma rajada inconfundível de Kalashnikov.

* * *

Um reluzente Nissan Almera prateado da polícia, estava parado a poucos metros da casa de Adilet Asankyzy, o giroscópio azul e vermelho piscando preguiçosamente no capô, enquanto dois policiais em seus uniformes cinzentos e cabeças cobertas por ushankas de pele, tomavam notas. Os legistas haviam acabado o seu trabalho forense e o rabecão já havia chegado para levar o corpo metralhado de Jyrgal para o necrotério da cidade.

- Pelo que pude descobrir, esse Jyrgal queria raptar a irmã de uma garota que ele raptou seis meses atrás, com o intuito de fazer com que ela se casasse com ele... - comentou o policial Osmon para seu colega mais velho, Zholdosh.

- Esses imbecis sabem que rapto de noivas é formalmente proibido no país, mas continuam incorrendo nesse erro - retrucou Zholdosh. - Até que encontram alguém determinado a não se deixar levar, como nesse caso.

- Tem todo o jeito de ter sido uma armadilha... vingança - ponderou Osmon. - A irmã dela não quis casar-se com o sequestrador e preferiu suicidar-se, já que sua honra ficou comprometida. Adilet então atraiu o responsável pelo suicídio de Anara até sua casa, e o matou.

- Faz sentido. O carro preto que os vizinhos dizem ter visto saindo em alta velocidade da cena do crime, pouco depois do fuzilamento, pode ter sido usado pelos comparsas de Jyrgal no sequestro. A central já emitiu um alerta, vamos acabar pegando-os.

Osmon guardou o bloco de notas no bolso do casaco.

- E Adilet? Que fim terá levado?

Zholdosh deu de ombros.

- Eu desconfio que por essas horas, já deve estar nas montanhas. Vai ser difícil encontrá-la... e acho que não temos interesse em saber do seu paradeiro.

Perante o olhar perplexo do outro policial, acrescentou:

- Afinal, não é todo dia no Quirguistão que uma mulher mata sozinha um traficante procurado, como esse Jyrgal.

-[28-03-2017]