Talento vale ouro

Ainda caracterizado como o capitão Macheath, Godwin Holsey foi informado por seu valete, Waldo, sobre a presença de dois cavalheiros à sua espera no camarim do teatro Sadler's Wells, Londres.

- Cobradores? - Inquiriu, preocupado.

- Decerto que o mestre não é Sarah Fulburne, - retrucou Waldo, referindo-se à garrida atriz que interpretava Polly Peachum na peça "A Ópera do Mendigo" - mas eu diria que estão mais para admiradores. Citaram várias de suas apresentações nos últimos meses, as quais parecem ter assistido mais de uma vez.

- Eu, hein - retrucou Holsey, desconfiado. - Que mistério é esse? Serão agentes de alguma trupe rival, querendo me contratar?

Ao abrir a porta do camarim, deparou-se com dois burgueses de meia-idade, bem-vestidos, mais parecendo guarda-livros de algum escritório da City do que frequentadores e apreciadores de teatro.

- Senhor Holsey... é uma grande honra poder conhecê-lo pessoalmente - disse o burguês mais alto, erguendo o chapéu tricórnio preto em saudação e revelando uma calva incipiente. - Eu sou Jukel Shylton, e este é meu sócio, Ivo Barre.

Ivo Barre, um sujeito arredondado de tez rubicunda e óculos quadrados empoleirados sobre o nariz, também ergueu o tricórnio e sorriu, exibindo dentes amarelados de nicotina.

- Cavalheiros... - respondeu cautelosamente Holsey, estendendo a mão que foi apertada pelos visitantes. - Em que lhes posso ser útil?

- Temos uma proposta comercial a lhe fazer - replicou Shylton.

- Vamos nos sentar - convidou o ator, indicando as cadeiras onde a dupla estivera sentada e tomando assento numa terceira. - Imagino que não tenham vindo somente pela peça.

- De fato, senhor Holsey... embora estejamos aqui por causa da sua interpretação. Magnífica como sempre - adulou Shylton.

- Bem... fico feliz em saber. Segundo meu valete, Waldo, os senhores têm acompanhado minhas apresentações em Londres há algum tempo? Com qual objetivo, poderiam me dizer? Não me parecem agentes teatrais nem críticos de arte, se me permitem tal julgamento.

Foi a vez de Shylton sorrir.

- Muito perspicaz, senhor Holsey, muito perspicaz. Em verdade, gostaríamos de contratá-lo para viver um papel de extrema dificuldade... provavelmente, o mais complexo de sua carreira.

Holsey fez um gesto de menosprezo.

- Cavalheiros... se realmente me tem acompanhado pelos palcos de Londres, já devem saber que nenhum papel, por maior que seja a complexidade, é obstáculo para o meu talento.

- Concordo com isto, senhor Holsey - acedeu Shylton. - Mas a verdade é que, até aqui, o senhor só tem interpretado personagens fictícios... como esse capitão Macheath no qual está personificado. O desafio que temos a lhe propor é de outro nível.

E inclinando o corpo para a frente e baixando a voz:

- O que me diz de ganhar 300 guinéus para interpretar uma pessoa... viva?

[Continua em "Papel nobre"]

- [15-02-2019]