Papel nobre

[Continuação de "Talento vale ouro"]

- O que temos para hoje, Shylton?

Lorde Eldysley não estava particularmente bem-humorado naquela manhã, e assinar a papelada apresentada por seu guarda-livros contribuía para piorar seu estado de espírito.

- Algumas autorizações de pagamento de rotina, milorde... - redarguiu Jukel Shylton, retirando de uma pasta de couro várias cartas preenchidas com valores.

- Contas, contas, contas... - resmungou o nobre, folheando rapidamente os papéis. - Se eu recebesse um xelim por cada documento que assino, seria hoje um homem rico.

- Mas milorde é um homem rico - redarguiu o guarda-livros. - Apenas no Gomfrey & Sons, vossa senhoria tem 60 mil guinéus depositados. Pergunto-me, aliás, por que não transfere seus fundos para o Banco da Inglaterra; é muito mais seguro e rentável do que deixar o dinheiro no cofre do ourives.

Lorde Eldysley alisou maquinalmente os punhos rendados da camisa.

- Eu sou um investidor à moda antiga, Shylton - retrucou. - Provavelmente, o rei Jorge não vai tentar utilizar os meus guinéus se eles não estiverem no cofre do Banco da Inglaterra.

- Há garantias para quem deposita seu dinheiro no Banco da Inglaterra, milorde - insistiu Shylton. - Os dias de instabilidade do rei Jaime há muito que passaram...

- A minha família faz negócios com Gomfrey & Sons há mais de 30 anos - arguiu Lorde Eldysley num tom de quem queria encerrar o assunto. E pôs-se a assinar as ordens de pagamento com uma pena de ganso.

* * *

- Como foi? - Indagou Ivo Barre ao encontrar Jukel Shylton num pub próximo ao Parlamento.

- Lorde Eldysley continua o mesmo turrão irredutível. Não quer retirar seus preciosos guinéus do cofre do ourives...

Abriu a pasta de couro que havia levado e dela retirou uma carta assinada, a qual colocou sobre a mesa, entre duas canecas de cerveja.

- Ele não desconfiou? - Questionou Barre, ajustando os óculos sobre o nariz para avaliar o documento.

- Milorde fica tão aborrecido em assinar a papelada, que geralmente o faz sem ler - afirmou Shylton com um sorriso irônico. - Não foi diferente desta vez.

Barre ergueu o papel, ainda lendo com atenção.

- Uma ordem de retirada de 50 mil guinéus... - murmurou por fim. - Mas terceiros não podem realizar saques, somente o titular da conta.

- Eu pensei nisso, Ivo - retrucou Shylton. E estendeu para o parceiro um folheto, retirado da pasta de couro.

- "A Ópera do Mendigo"? Não entendi a alusão - redarguiu Barre.

- Fui a várias peças estreladas por esse Godwin Holsey - explicou Shylton. - Ele é a pessoa que precisamos; o homem que poderá interpretar o papel de Lorde Eldysley numa apresentação única, plateia limitada.

- [Continua em "A filha do ourives"]

- [18-02-2019]