Cataclisma

- Fala doutor, como que está meu irmão? Ele vai se recuperar?

- Por favor, doutor, dê-nos esperanças!

- Então, o caso do Sr. Luís é grave. Os tiros que levou geraram uma infecção generalizada e, devido a demora no atendimento, não creio que ele tenha muito tempo. Sinto muito.

- Ai, meu Deus...

- E quanto seria o tempo dele? Você saberia precisar?

- Olha, se seguir do jeito que está, seria questão de dias. Ele também perdeu muito sangue.

Nesse momento, Letícia fica desesperada e desata o choro novamente. Ezequiel, aparentemente mais conformado com a notícia, tenta consolá-la.

- Estou certo, dou... Letícia interrompe novamente, entre choros e falas desesperadas.

- Mas, não é possível acabar assim! Vocês tem que fazer algo! Pelamordedeus!

- Estamos fazendo o nosso melhor senhora. Agora se me permitem, eu tenho outros casos a tratar.

- Não! Não pode ser assim!

Mesmo na saída do médico, Letícia seguia chorando e gritando desesperada por uma situação que parecia estar se encaminhando pro fim. Apesar de saber das funções de Luís, jamais imaginara que poderia acabar assim. Pra ela, seria mais fácil, ele morrer de velhice ou de tédio. Até de cirrose. Nunca por uma bala bandida. Mas o destino gosta de pregar peças...

De fato, a história de Luís merecia um melhor fim. Talvez, com alguma possibilidade de relaxamento. Viagens, distrações, quiçá escrevesse um livro de memórias. Poderia e, até, queria ter um discípulo para passar seus conhecimentos à frente. Também como um meio de obter uma renda extra, afinal nunca se sabe o dia de amanhã.

Entretanto, isso ficou no passado. Luís seguia em coma, sem sinal de reação. Segundo os médicos, até poderia acordar, mas não duraria tanto. Era preciso fazer preparativos para o pior.

Isso era algo inconcebível para Letícia, pois ela e ele tinham assuntos "inacabados". Tinha confiança em dobrá-lo para ser o seu "professor" enquanto detetive, mesmo com todos os perigos da profissão e dos cuidados de Luís para com ela, afinal era o "jeito" dele protegê-la, embora jamais admitisse. Preservar a fama de "mal-humorado" era o que caracterizava seu estilo. E ela sabia como ninguém se adaptar a isso.

Diante de toda a tensão carregada pelos momentos de aflição, Ezequiel acabou esquecendo de comentar sobre o caderno de Luís. Ou melhor, preferiu reservar pra outro momento, quando a poeira baixasse e as coisas tomassem um rumo, mesmo que pra pior. Apesar de pouco se encontrarem, conhecia bem o irmão que tinha. Por isso, sabia que não era brincadeira o que Luís passara, o que lhe permitiu um melhor preparo para o pior.

Nesse sentido, soube quando esteve em um momento a sós com o irmão que não teria retorno. Tentou animá-lo por uma hora, falando sobre a sua vida, filhos, trabalho e nada. Depois disso, Letícia também teve a sua vez para conversar com ele. Assim como Ezequiel, suas palavras, carregadas de emoção, não surtiram efeito. Era o fim, precisava aceitar.

Passados 5 dias, enfim o médico trouxe a notícia que ninguém queria ouvir: Luís faleceu. Ezequiel ficou encarregado da papelada e dos arranjos para fazer o enterro e cuidar dos bens e do apartamento de Luís. Letícia ainda estava incrédula com a notícia, sendo consolada por sua irmã, um pouco mais "cascuda" depois de tudo o que passou.

- Pronto, pronto, vai ficar tudo bem...

- Isso não é justo! Não é! (Falava, entre prantos).

- Hei, hei, vai ficar bem, não precisa se desesperar. Vem, vamos tomar um chá...

- Tá...

Essa foi a toada daquele dia. Do velório a cremação. Escolha de Luís para evitar infortúnios aos seus, depois que partisse. Como não podia ser diferente, foi reservado até na morte. No cuidado invisível que ninguém via. Ou fingia não ver. Suas cinzas foram jogadas em uma cachoeira da região. Foi a forma que Ezequiel encontrou para mantê-lo próximo a cidade que tanto amara.

Dois dias depois, Ezequiel marcou um almoço com Letícia. Era o dia da sua partida, implicando na necessidade em repassá-la o caderno de Luís com as suas anotações. Carregava também a certeza que ela o aceitaria, pois não saberia o que fazer em caso de recusa.

- E então como você está?

- Um pouco melhor, mas ainda...

- Entendo... Bem, eu te chamei aqui porque antes de falecer, Luís deixou esse caderno de anotações. Disse também que você deve procurar o Olavo, ele saberá o que fazer.

- Como? E o que tem aqui?

- Não faço a menor ideia, mas sugiro que você leia com atenção. É a sua lembrança dele...

Continua...

O Andarilho

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 08/10/2020
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