A DILIGÊNCIA

A casa ficava no fim de uma alameda de eucaliptos, à beira de uma estrada vicinal, a treze quilômetros de distância do último povoado.

Estávamos apenas eu e Vieira, o inspetor mais antigo da equipe. Eu havia sugerido que mais dois colegas nos acompanhassem na diligência, mas ele recusou, afirmando que o caso era simples e nós dois dávamos conta.

Não é possível que alguém resida aqui, disse Vieira. A casa estava completamente fechada e parecia abandonada há muito tempo. Arbustos de mais de quatro metros de altura cresciam ao redor de uma área lateral coberta, semelhante a um estábulo. Pedaços de telha se espalhavam ao longo de todo o pequeno alpendre, misturando-se a folhas secas. Não havia vestígio de movimento recente no local.

Antes de sair da viatura, verifiquei se o colete estava bem ajustado ao corpo e se a pistola estava carregada. Vieira me observava sorrindo. Está com medo de quê, perguntou. Respondi que era por força do hábito, embora nunca descartasse surpresas naquele tipo de missão. Trabalho nessa região há quinze anos, nesse lugar não há criminosos natos, capazes de peitar a polícia; no máximo, alguns descuidistas, ladrões de animais, praticantes de crimes domésticos, nada grave, informou Vieira, cuspindo em seguida o chiclete para desfrutar melhor o cigarro recém-aceso.

Pensei em fazer uma varredura à distância no imóvel, contornando a cerca de arame farpado que circundava o terreno, mas antes que pudesse comunicar minha ideia ao colega, ele já estava no alpendre, chutando e esmurrando a porta de entrada, dividida em duas partes, superior e inferior. Não foi preciso utilizar muita força para abrir a portinhola de cima. A de baixo estava trancada com um ferrolho.

Está fechada por dentro, deve ter alguém aqui, observei.

Se tivesse alguém mesmo, já estaríamos sabendo, disse Vieira, certo de que o barulho das pancadas empregadas para abrir a porta teria assustado e feito qualquer um que estivesse ali dentro se entregar.

O imóvel contava apenas com uma saleta quadrada e um quarto com um banheiro ao lado. O único móvel no local era uma mesa com uma pequena panela de alumínio em cima, exalando um cheiro acre.

Andando com cuidado pela sala, a arma apontada em direção aos outros dois cômodos, cujos interiores não se podia ver de onde eu estava, fui até a mesa, peguei a panela e perscrutrei o interior. Resto de alimento apodrecido. O recinto estava bastante mal iluminado, de modo que tive que aproximar os olhos para enxergar melhor o conteúdo da panela. Percebi algo se movendo lá dentro. Eram larvas, centenas, talvez milhares delas, se movimentando freneticamente como pequenos grãos de arroz tenebrosamente vivos.

Não faz muito tempo que andaram por aqui, eu disse ao Vieira, que já se encontrava no interior do quarto, revirando alguma coisa.

Parece que tem uma despensa aqui, ouvi ele dizer, e logo em seguida um estampido seco, saído de alguma parte ao fundo do quarto, reverberou no ar. Ao cair no chão, o corpo de Vieira fez um barulho semelhante ao de um fardo arremessado da carroceria de um caminhão. Deu para ver, projetada na parede sala, a sombra do enorme corpo do inspetor despencando até cair deitado, imóvel.

O susto me fez esbarrar na mesa, derrubando a panela. Apesar do pânico, ou talvez em razão dele, meus sentidos aguçaram-se. O cheiro da comida podre espalhada no chão ganhava densidade nos meus pulmões, causando ânsia de vômito. Eu podia ver em câmera lenta o vôo aleatório dos morcegos que debandavam em retirada, acossados pelos eventos recentes.

Disparei três vezes para o alto e gritei a plenos pulmões. Minha pistola caiu no chão depois do último coice. Com o impacto, o carregador se desprendeu, indo parar em um canto da parede. Um silêncio pesado seguiu-se à minha reação. Chamei Vieira, na esperança de que ele ainda estivesse vivo, mas como resposta um silêncio ainda mais denso tomou a casa. O ambiente estava irrespirável e eu procurava em vão uma forma de trespassar aquela bolha de vácuo para voltar à realidade.

Antes que eu pudesse tirar do bolso o aparelho celular para pedir apoio, um sujeito magro, sujo e desnudo apareceu na entrada do quarto apontando um revólver em minha direção.

De joelhos, ele disse, com uma voz fraca, quase inaudível.

João Pegado
Enviado por João Pegado em 13/11/2020
Reeditado em 13/11/2020
Código do texto: T7110582
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