Linha Policial — Parte três — Capítulo cinco

LINHA POLICIAL 3

Os corações batem acelerados. Para quem se encontra na linha de frente a pressão é ainda pior. Não adianta. Por mais que você já saiba que o mundo irá desmoronar em cima de sua cabeça, você jamais poderá prever de ante mão a sua reação. Paulo Alves, enquanto dirige a viatura, tendo a seu lado nada mais, nada menos que Damião Ramos, começa a sentir os efeitos dessa pressão, “ o que eu estou fazendo aqui? Sou jovem, tenho apenas 26 anos, ainda posso tentar encontrar outro caminho para a minha vida”. De repente a voz do chefe atravessou seus pensamentos como uma flecha.

- Sei o que está pensando.

- O que? – Paulo encolheu os ombros. – como assim, agora você lê pensamentos, é isso? – riu.

- Mais ou menos isso. – olhou para fora , para a paisagem passando deixando borrões. – quando eu tinha três anos de polícia, me foi dado um caso. Complicado demais. Eu não soube lidar com ele a princípio. Sem pistas. Sem nomes. Sem uma linha de investigação elaborada.

- Trocando em miúdos, o senhor não tinha nada. – acrescentou Paulo reduzindo.

- Perfeitamente. Eu não tinha nada mesmo. – abaixou a cabeça. – foi quando eu pensei em desistir. Não só do caso, mais da carreira policial.

Paulo engoliu seco.

- Naquela noite eu cheguei em casa derrotado e com uma tremenda dor de cabeça. Abracei minha mulher e minhas filhas. Falei com elas sobre o caso e da possibilidade da minha saída e... – Damião engoliu o nó formado na garganta. – foi quando a minha filha caçula falou, “ papai, eu só vou me sentir segura se o senhor estiver na polícia”

Alves socou de leve o ombro do chefe.

- Entende agora a nossa importância, filho?

- Entendo!

*

Seria mentir para si mesmo dizer que não está com medo. Romão se encontra desesperado, tentando encontrar uma saída para o circo que ele mesmo criou. Os homens na parte de baixo aguardam suas ordens, mas eles também não estão muito seguros. Félix desce do escritório olhando nos olhos de cada um de seus soldados. Um deles se aproxima.

- Romão, os caras estão com medo, querem ir embora. Fale com eles.

Romão enterrou às mãos nos bolsos da calça e caminhou entre eles.

- A polícia não vai devolver a droga. – houve murmúrios. – fiquem quietos. Ouçam. Paulo Alves não vai devolver a droga e o jeito é irmos lá e tomar das mãos dele. Vamos executar os outros dois agentes e deixar os corpos na frente do DP de Luzia. Precisamos retomar nossa vantagem. Quem está comigo?

Hesitantes, mas confiantes. Todos levantaram as armas.

- Ótimo. Todos ao trabalho, vamos.

Mais um plano suicida. Só na cabeça de alguém como Romão Félix para invadir o galpão da polícia para pegar duas toneladas de cocaína. Loucura. Mais é aquele caso. Félix faz disso o seu ovo de Colombo. Todo mundo pensa, mas não faz. Com ele às coisas são pensadas e realizadas. Ele voltou para o escritório ainda tentando montar o próprio quebra-cabeça. Seria maluquice demais? Estou surtando? É preciso colocar tantas vidas em risco? Estou mexendo num vespeiro? “ que se dane, o crime tem dessas coisas”. Chega de pensar muito. Pensar demais quase sempre é prejudicial. Hora de agir.

*

Até hoje não se sabe por que o serviço de asfaltamento não chegou aquela rua. Seus poucos moradores até já se acostumaram a penar em dias de chuva. Aquele lugar se torna intransitável. Lama, buracos e muito entulho espalhado por moradores na inútil tentativa de amenizar o caos. Em dias de sol, a cada veículo que passa é uma nuvem de poeira que sobe repousando nos móveis das casas. Para o vendedor de verduras, pedalar naquele trecho é como estar malhando numa academia. Geraldo tem evitado passar por ali, mas como é o caminho mais breve até sua casa, hoje ele resolveu seguir por ali.

- Olha a verdura fresquinha.

Um enorme portão de ferro foi aberto. Geraldo diminuiu às pedaladas e olhou. O homem que abria o portão tinha na cintura duas pistolas. O verdureiro sempre achou que aquele lugar se tratava de um depósito de material de construção, por isso nunca suspeitou de nada. Cagando nas calças, o velho Geraldo passou de cabeça baixa e assim que passou em frente ao portão, de maneira discreta ele deu outra olhada. Lá dentro outros homens armados, vários carros. O vendedor de verduras sentiu cheiro de sujeira no ar.

- Minha nossa Senhora. – pedalou forte.

Damião Ramos foi o primeiro a descer da viatura. Logo em seguida Paulo portando seu fuzil. As ruas daquele bairro são largas e bastante movimentas. Os transeuntes observam com curiosidade a chegada de tantos carros do DP e se espantam.

- Atenção todos os carros, vamos interromper o trânsito. – disse Alves pelo rádio.

Ramos puxou sua pistola do coldre e olhou para seu subordinado.

- Aquele prédio me chamou atenção, senhor. – justificou Alves protegendo os olhos do sol.

- Lá de cima deve haver uma ótima visão da cidade. Vamos.

A rua foi fechada. Paulo, Damião e mais cinco polícias entraram no prédio. Houve um princípio de correria, mas o chefe os impediu imediatamente.

- Ninguém corre. – gritou Ramos.

O sujeito com pinta de playboy parou no primeiro degrau da escada com às mãos para o alto.

- O que anda acontecendo aqui? Conhece Romão Félix?

- Ah?

- Por que correu? – Alves o segurou abaixando seus braços e os colocando para trás.

- Eu juro, era só para ganhar uma grana extra. – gemeu o rapaz.

- Responda a pergunta, o que anda acontecendo aqui, cadê o Romão? – Paulo o algemou.

- Eu não sei do que os senhores estão falando, eu não conheço esse cara.

Damião por fim teve a paciência esgotada.

- Nos leva até seu apartamento. – empurrou-o.

Alves tocou a campainha. Uma voz pastosa respondeu do outro lado.

- Juca?

Damião o cutucou.

- Sim, sou eu, abra.

A porta não havia sido totalmente aberta e Paulo colocou o cano do fuzil na cara do outro sujeito tatuado, só de cueca.

- Mas que merda é essa? – caiu sentado.

- Polícia de Luzia. Cadê o Romão Félix? – Damião pisou em seu tórax.

Do quarto para a sala brotaram duas meninas com idades entre quinze e dezesseis anos, seminuas.

- Mais que merda. – Paulo balbuciou. – vocês, meninas, fiquem no sofá. Há mais alguém no quarto?

Ambas disseram que sim com a cabeça.

Alves invadiu o cômodo. Havia um homem gordo bem mais velho se vestindo e com o nariz sujo de pó.

- Eu não fiz nada.

- Você está preso. Saia!

Já na rua, encostados na viatura, Ramos e Alves riem de toda situação.

- Miramos numa coisa e acertamos noutra. – falou Damião. – que faro é esse?

- A polícia precisa contar com a sorte de vez em quando, não acha?

- Um ponto de prostituição infantil, bem aqui.

O rádio chamou.

- Alves na escuta.

- Uma denuncia anônima. Suspeitos fortemente armados num depósito no canto da cidade.

- Copiado. – olhou para o chefe. – acho que encontraram o Félix. Vamos.

*

Janaína deixou o banheiro ainda se sentindo enjoada, apesar de ter acabado de vomitar. Suas pernas estão fracas e trêmulas, além de um mal estar alucinante. Será mesmo assim a vida de uma grávida? Um pequeno ser tem esse poder de destruição? Ela até cogitou a possibilidade de pedir dispensa e tirar a parte da tarde de folga, mas o trabalho na redação não cessa hora alguma e muita coisa depende dela. Lopes não se sentou, mas se jogou em sua cadeira. Tudo o que ela mais queria era sua cama, dormir, de preferência com Paulo a seu lado. Que realidade absurda. Seu namorado nesse momento se encontra na captura de um maníaco homicida e ela se consumindo com uma gravidez indesejada. Dá pra acreditar, eu grávida, pensou ajeitando o mouse e o teclado. Esse é o resultado de ser uma louca por loucuras sexuais. Paulo e ela até que se previnem. Ela não se recorda quando foi que se descuidaram. Fazer o que? Quando a cabeça não pensa o corpo padece, literalmente.

*

Araújo e cabo Almeida foram praticamente jogados dentro da van. Ambos tem os pés e mãos pés amarrados, além de estarem amordaçados. Lá dentro eles ainda sofrem com torturas e xingamentos. Pior que a tortura física é a psicológica e Romão Félix sabe como ninguém fazer isso. Por isso, ele faz questão de fazer companhia aos reféns. Agente Araújo é o que mais sofre. Um policial preparado como ele foi jamais aceitará que seu adversário ganhe essa batalha com facilidade. Para a surpresa de seu superior ele tentou resistir as agressões se colocando de pé, mesmo sem muita mobilidade.

- Do que adianta lutar, seu desgraçado. – Romão o empurrou pra cima de Almeida. – vocês já estão mortos.

O primeiro carro saiu. Dentro dele quatro marginais armados. Assim que o motorista pisa no acelerador três viaturas entram no campo de visão dos bandidos.

- Droga. O que faremos? – perguntou o motorista.

- Temos que seguir com o plano. Acelere, passe por cima deles. – gritou o carona.

Os policiais desceram dos carros atirando contra o para-brisa. A troca de tiros foi intensa e terminou com dois meliantes mortos e um agente ferido no braço.

- Temos que avisar o chefe Damião, eles estão com artilharia pesada. – alertou um PM.

De dentro do depósito mais disparos que explodiram os vidros e pneus das viaturas. Um bandido apareceu no portão mirando seu fuzil, mas foi alvejado na cabeça. Dentro da van Romão Félix tem um ataque de fúria.

- Como nos encontraram, como? – chutou o rosto de cabo Almeida. – quero que matem todos, atirem pra matar.

Mais tiros e mais um corpo que vai ao chão, infelizmente de um policial. O tiro o acertou no peito. O carro da polícia trazendo Ramos e Alves entra na rua deixando a corporação um pouco mais aliviada.

- Cadê o Félix? – gritou Paulo passando a bandoleira pelo pescoço.

- Ele está lá dentro, senhor. – informou o sargento.

- Certo. Quero quatro grupos. Dois irão cobrir a rua de trás do depósito. Vou organizar uma invasão. Precisamos tirar nossos companheiros de lá já.

- Mas, detetive, eles tem um armamento pesado e já temos um homem ferido e outro morto.

- Agente Alves. – Damião Ramos foi até sua viatura. – vou solicitar o apoio aéreo, é o jeito.

- Ótimo! Grupo um, todos comigo. Chefe, nos dê cobertura. – Alves correu com seu grupo.

O grupo de Alves conta com o apoio de sete PMs que enfileirados organizam uma formação, prontos para o confronto. Mais tiros são disparados contra eles. Paulo Alves sabe que é arriscado uma invasão e também sabe que a vida de seus companheiros está em risco. Romão Félix ainda segue com a vantagem e fará disso sua arma mais poderosa. Mas, algo precisa ser feito e rápido, de preferência. Cada segundo é importante. Além de ter que salvar a vida dos parceiros sequestrados, Alves ainda precisa se preocupar com as dos companheiros que estão a seu lado nessa batalha. Mesmo sob uma chuva de balas, os PMs continuam no mesmo ritmo, sem recuar um centímetro sequer.

- Atenção, rapaziada, quando eu der o sinal, vocês entrem atirando. Só temos uma missão; resgatar nossos amigos, Araújo e Almeida. – disse Paulo se abrigando entre às árvores.

Mais é claro que o outro lado cederá assim, tão fácil, afinal de contas eles estão em uma guerra. Aquela rua sem asfalto e esburacada nunca foi tão movimentada e seus moradores não estiveram tão assustados. É muito tiro, gritos e sirenes enlouquecidas. Agora o grupo de Alves se encontra diante do portão e o segundo acabou de chegar do outro lado. A hora é agora.

- Vamos! – ordenou Paulo.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 09/06/2021
Código do texto: T7274811
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