Linha Policial — Parte três — Final

Linha Policial 3

Dentro do depósito, exatamente no interior da van, Romão não faz ideia do que acontece lá fora, tudo o que consegue ouvir são os disparos. Nada passa pela sua cabeça a não ser o fato de conseguir sair vivo dessa, mais nada. Olhando para fora ele sente vontade de abandonar o barco. Agora é cada um por si, o caldo entornou realmente. Assim que ele vê um de seus soldados ser baleado no peito e depois na cabeça ao lado do portão, Félix teve a confirmação de que já não há motivo para ficar ali. Enquanto isso, cabo Almeida e Araújo seguem inutilizados acompanhando tudo com olhos esperançosos. Essa é a força que os move.

Lá fora o segundo grupo entrou pelo fundos. Dez polícias portando fuzis, capacete e coletes. Um marginal tentou impedi-los de seguir com a invasão atirando da parte alta do depósito onde eram colocadas madeiras. Essa é a vantagem de ser preparado. Tudo que um policial quer é saber sua localização e isso ele consegue quando o oponente atira. Imediatamente o vagabundo foi abatido por vários.

- Agente Alves, estamos dentro e aguardando ordens. – falou o líder do segundo grupo pelo rádio.

- Positivo zero um, siga avante.

Damião Ramos trocou de arma. Vestiu o colete e se apressou caminhando pela lateral do depósito. A montanha gigante adora esse tipo de operação, o faz sentir vivo, útil. Apesar dos quase cento e cinquenta quilos, até que ele se movimenta bem e rápido. Elemento surpresa, é o que ele gosta de ser. Assim que alcançou a metade do caminho ele sentiu a necessidade de pular o muro e lamentou o fato de estar a cima do peso.

- Merda!

Não vendo alternativa, o chefe de polícia de Luzia andou em direção aos fundos segurando firma sua calibre doze. Ao dar dois passos, um bandido saltou de dentro para fora, fugindo do confronto.

- Parado! – gritou Ramos.

O sujeito também é alto e durante a fuga ele deixou sua arma cair. Temendo ir para cadeia ele partiu pra cima do agente com socos e chutes. Fazia tempo que Damião não participava de uma boa briga. Ele adorou isso. Dois monstros trocando violentos golpes no meio do mato. Ramos foi atingido no nariz e boca, mas não caiu. Enfurecido, o bandido tentou finalizar a luta aplicando um gancho que passou no vazio. Com isso o sujeito baixou a guarda. Um oportunidade de ouro para o policial que desferiu um cruzado de direita que fez a mandíbula de seu oponente deslocar. O homem já estava fora de combate, porém o chefe o finalizou de vez o chutando no rosto. Pronto, apagado.

*

Outra onda de vontade de colocar tudo pra fora, mas Janaína segurou as pontas. O mais incrível nessa história toda é que o mal estar e até mesmo o enjôo vem diminuindo gradativamente. Muito estranho. Ela segue acompanhando os acontecimentos na operação de resgate aos agentes sequestrados que a todo instante as emissoras locais interrompem a programação para exibir as informações. Quanto a gravidez, bom, ela gostaria muito que não fosse verdade. Ser mãe agora não seria uma boa ideia. Janaína sabe que com passar do tempo as coisas irão mudar e que com certeza ela criaria um laço com a criança, porém, até isso acontecer, muitas outras coisas desagradáveis estariam na frente. E se de fato ela tiver grávida, qual sexo a jornalista gostaria que fosse? Um garoto, arteiro, parecido com o pai? Lógico que não. Lopes sempre teve preferência por uma menina. Segundo os mais velhos, menina é mais calma que menino. Se isso é verdade ela não sabe, visto que ela mesma foi uma garota hiper, mega agitada na infância. Todos esses pensamentos se foram quando mais uma vez o plantão de notícias entrou no ar ao vivo.

- A polícia acabou de prender mais um do bando de Romão Félix. Podemos ver nas imagens o chefe de polícia, Damião Ramos conduzindo um bandido.

Janaína sentiu os músculos se retesarem.

- E agora podemos ouvir mais disparos vindos lá de dentro do depósito. – a voz do repórter é alta e trêmula. – e acaba de chegar a informação de que os policiais entraram e estão efetuando mais prisões.

Paulo está lá dentro, pensou ela. Não há como ligar para ele agora. Janaína se pegou apertando os braços de sua cadeira tamanho a sua apreensão. Só lhe resta somente torcer para que seu namorado volte para casa hoje.

*

Paulo e mais dois PMs buscam pelos amigos dentro daquela imensidão. Romão ainda os mantém em cativeiro dentro da van. Aos poucos o lugar vai sendo tomado por força policial. Damião voltou para o combate disposto a por um ponto final nessa história. A troca de tiros cessou, pelo menos por enquanto. O chefe se juntou ao grupo de Alves.

- Algum progresso?

- Lá trás o pau tá comendo, Félix não vai conseguir resistir por muito tempo. – Paulo falou abaixado.

- Recebi informação de que lá trás há vários veículos parados, acho que estão planejando uma fuga. O apoio aéreo já está chegando.

- Almeida e Araújo estão lá, eles correm perigo.

Enquanto conversavam, o helicóptero despontou a uma altura abaixo do norma. Isso deu um novo gás na tropa e deixou os marginais apavorados. Romão, ao ver a aeronave, ligou o motor da van. Xingando absurdos ele se virou para os agentes.

- Vamos dar uma voltinha.

Araújo olhou para Almeida. Ambos trabalham juntos a muito tempo. Tempo o suficiente para saber o que o outro está pensando apenas com o olhar. Romão saia com o carro quando um ficou de costas para o outro. Almeida foi afrouxando às cordas que apertam os pulsos de seu soldado. A ferida arde, mas Araújo não se importa. Almeida está nervoso, apreensivo, quer livra-lo logo antes que Félix saia de vez os levando sabe-se lá para onde. O sangue atrapalha, faz com que seus dedos fiquem escorregadios. Pela primeira vez em dias, Araújo sente o sangue circular pelos seus pulso e isso o deixou aliviado. Ele fez uma pouco mais de força e pronto, estava livre das cordas. Existe uma guerra lá fora e ele é um soldado. Lugar de soldado é na guerra.

A van aos poucos vai se movimentando, meio sem rumo, isso por causa de seu condutor que se encontra com os nervos a flor da pele e nem percebe que seus dois prisioneiros já se encontram em liberdade. Pelo alto o helicóptero da polícia deu um rasante assustando até mesmo seus companheiros. Paulo é chamado no rádio.

- Alves na escuta!

- Identificamos uma van, prata, em movimento, senhor. Ela se encontra lado esquerdo, temos que agir rápido.

- Copiado.

Damião ao olhar para Paulo entendeu o recado. Seus homens estão nessa van e Romão pensa em levá-los. A ação pede urgência. Os familiares dos agentes não podem mais sofrer com essa situação. Paulo reorganizou o grupo. Instruções foram passadas. Todos entenderam. Vamos em frente.

O plano de Araújo é usar às cordas para enforcar o inimigo. Almeida ainda segue tentando desatar os nós das cordas que prendem seus pés. Eles voltam a se comunicar com os olhos. Cabo Almeida apertou os lábios. Esse ato pode ser arriscado, mas, é preciso fazer alguma coisa. Araújo agora está livre. Sente algum dor, mas consegue entrar na briga. Romão olhou no espelho interno e viu o policial enrolando a corda nas mãos.

- Mais que merda é essa?

Girou o pescoço ao mesmo tempo em que o agente o atacou. A van ficou desgovernada. Outro rasante do helicóptero. A corda grossa fez com que a pele do pescoço do bandido ficasse enrugada.

- Morre, desgraçado! – gritou Araújo.

Os olhos de Félix estão totalmente abertos, parecendo duas lamparinas acesas. Ele arca, tosse e se debate. Ele sente que seu fim está próximo, por isso resolveu apelar. Romão não está disposto a morrer sozinho. Seu pé esmagou o acelerador. O veículo atravessou todo o depósito passando por cima de madeiras, resto de pedras e até mesmo comparsas. Almeida conseguiu se livrar das amarras e em auxílio ao soldado começou a socar o rosto já avermelhado do marginal. Nesse curto espaço a van alcançou uma velocidade acima dos setenta por hora indo de encontro ao murro. Félix, sendo asfixiado, ainda tentou pegar sua arma, mas sem sucesso. Lá fora um PMs foi arremessado pela van em alta velocidade contra um monte de tijolos ficando gravemente ferido. Fim da linha. Almeida, Araújo e Romão Félix, ambos gritam de desespero ao verem que irão colidir fortemente. A pancada foi tão violenta, que a van atravessou o muro, arrastou outras viaturas e se chocou contra uma árvore.

*

Janaína está boquiaberta. Tudo foi transmitido ao vivo. Imagens impressionantes. Um dos moradores flagrou o exato instante que o corpo do motorista da van foi lançado pelo para-brisas se arrebentando contra o tronco da árvore. Como fogo em palheiro, o vídeo já circula por toda Luzia. A namorada de Paulo Alves também assistiu o chefe Damião auxiliando na retirada dos feridos da van junto com ele, seu quase pai de seu filho. A emissora de maior audiência conseguiu uma entrevista exclusiva com Alves perto das ambulâncias.

- Detetive, nos dê seu parecer quanto essa operação, por favor.

- A operação foi sucesso. – Paulo parece nervoso.

- Alguns disseram que a operação foi desastrosa. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

- O que eu tenho a dizer é que hoje, duas famílias irão dormir em paz, sabendo que o pai, o filho, foi tirado das mãos de um maníaco. Romão Félix havia comprado três toneladas de cocaína pura para vender para os nossos jovens e graças a essa operação desastrosa, essa droga estará fora de circulação.

Janaína vibrou sozinha.

- Dá-lhe, amor!

Assim que se afastou dos jornalistas, Paulo foi abordado por Ramos.

- Araújo sofreu ferimentos leves e algumas escoriações, terá que ficar em observação. – colocou às mãos na cintura.

- E Almeida?

- Quebrou uma perna e alguns dentes, luchou o ombro também. Vai ficar bem. – fez uma pausa. – e você, está bem?

- Sim, estou sim. E o Romão? – Olhou para a árvore com a mancha do sangue.

- Já era. – expirou. – a pancada foi forte na cabeça, houve perda de massa e...

- CPF cancelado. – sorriso enviesado.

- É, isso mesmo. Menos um vagabundo fora de circulação. Luzia é a minha cidade, a nossa cidade. Fizemos um juramento, Alves. Servir e proteger. Eu levo esse juramento muito a sério e agradeço a Deus por colocar homens como você que honram a farda que vestem, o distintivo que carregam e a bandeira do nosso estado. Parabéns, detetive Paulo Alves, fez um ótimo trabalho. – estendeu a mão.

Foi mais que um aperto de mão. Segurar a enorme mão do chefe Ramos foi estabelecer uma aliança contra o crime organizado. Luzia tem heróis, protetores, soldados prontos para defender sua terra. Paulo Alves e Damião Ramos. Eles podem não conseguir mudar o mundo, mas, se esse mundo for o lugar onde vivem, há, isso eles tentarão fazer. Paulo foi para casa feliz ao quadrado. Ele estava louco para ver sua mulher, sua pretinha – como costuma chamá-la. Janaína pode estar grávida de um filho ou filha dele. Paulo está radiante. O policial não gosta de deixar o carro na calçada, sempre preferiu guardá-lo na garagem, mas hoje o dia é especial.

Janaína estava na sala segurando um teste de gravidez cabisbaixa. Ela olhou para o namorado com olhos úmidos.

- O que houve, mamãe do ano? – a beijou na testa.

- Veja você mesmo. – o entregou.

Paulo ficou olhando o objeto como se tivesse hipnotizado.

- Acho que o título de mamãe do ano terá que ficar para uma próxima vez.

- É. – deixou o teste sobre a mesa. – negativo. Mas, o que houve com você na verdade? – se sentou no braço do sofá.

- Intoxicação alimentar, eu acho. Horrível, não gosto nem de lembrar.

- Foi ao médico? – cruzou os braços.

- Não. Nada que um bom chá não resolva.

Alves abaixou a cabeça. Janaína se levantou e o abraçou.

- Termos um bebê, em breve, seja paciência. – o beijou na boca.

- Te amo, pretinha.

- Também te amo, herói de Luzia. Agora me conte tudo o que aconteceu na operação.

- Há, foi complicado, mas no final deu tudo certo. – se levantou. – vamos pro quarto, te conto com mais detalhes lá.

- Ah, sim, conheço esse truque. – riu. FIM.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 09/06/2021
Código do texto: T7274816
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