O Maldito da Cruz - Capítulo 1

O Maldito da Cruz

Capítulo 1

Se eu tenho orgulho em fazer o que faço? Claro que sim e ainda digo mais; estou prestando um belo serviço ao Criador do universo e Ele, no tempo devido me recompensará. A morte nunca me causou medo. Eu não a tenho como inimiga. Ela é minha aliada. Gosto dela. Quem não entende o meu propósito, me condena ao inferno, me julgam, dizem que sou fruto da escuridão. Eu não sou nada disso. Eu apenas cumpro uma determinação divina. Sou quase um anjo da morte. Digo “quase” porque ainda não cheguei a minha plenitude, mas esse dia há de chegar. Enquanto esse glorioso dia não chega, sigo executando meu trabalho sem hesitar, sem questionar. Não sou louco como ouço por aí e tão pouco um psicopata, sou somente um enviado do ser maior a essa terra para cumprir suas ordens. Tudo que o nosso Senhor quer é compromisso, pessoas fiéis e íntegras e não um bando de covardes descumpridores de sua lei. Por isso estou aqui, por isso voltei e ainda mais forte.

O culto já havia começado quando um negro alto, de terno e gravata ocupou um dos últimos bancos da congregação e permaneceu ali sem esboçar qualquer reação ao que estava acontecendo. Duas das chamadas obreiras disputavam quem iria lhe dar as boas vindas.

— O seu mal é que você só quer atender homens bonitos.

— Sou uma mulher solteira, quem sabe não foi o Senhor quem enviou o meu varão aqui hoje?

— Ele é um gato mesmo. Olha como ele se porta. Parece um príncipe.

Elas riram juntas.

— Vou lá falar com ele.

— Boa sorte.

O pastor assumiu o púlpito e iniciou o sermão. O jovem negro aguçou ainda mais os seus ouvidos.

— Oi, com licença.

Ele segue preso a mensagem.

— É a primeira vez em nossa igreja?

Depois de uma breve introdução, o pastor recita o versículo bíblico. O negro tem sua total atenção às santas palavras.

— Me chamo Vanessa, prazer em tê-lo conosco e...

O negro voltou seu olhar para a jovem obreira. Um olhar um tanto quanto misterioso.

— Qual o nome do pastor?

A jovem, temerosa, pigarreou antes de responder.

— Rogério, pastor Rogério. — ela estendeu a mão para cumprimentá-lo. — e o seu?

— E isso importa?

O rosto da bela serva se ruborizou.

— Peço desculpas pela minha intromissão. — se afastou.

O sermão durou um pouco mais de quarenta minutos, mas foi o suficiente para deixar não só o visitante inusitado impressionado, mas a todos os demais presentes, enriquecidos com o poder da palavra. Ao término da celebração ele saiu antes de todos, porém ficou por perto, do outro lado da calçada, observando a movimentação dos fiéis e também admirando a construção moderna do templo.

— Fantástico!

Uma hora depois pastor Rogério conseguiu sair da igreja e pelo jeito sua pressa era gigantesca. Assim que deu a partida no veículo e ganhou a rua uma motocicleta partiu atrás a uma velocidade moderada. O líder da congregação parou no portão do prédio onde mora com a família e aguardou o portão do estacionamento ser aberto e enquanto isso acontecia alguém tocou no vidro da janela.

— Pastor Rogério, por favor, abra.

O coração do sacerdote bateu de tal forma que ele o sentiu na garganta.

— Pois não? — abaixou o vidro. Seus olhos se chocaram com os olhos do negro imponente.

— Hora de dormir.

O golpe foi forte e preciso. Rogério apagou ali mesmo sentado ao volante.

*

Luciano entrou em seu quarto correndo e trancou a porta. Rosto vermelho, transtornado e com uma respiração pesada. O jovem precisou se segurar para não esmurrar às paredes.

— Luciano, abra a porta, eu estou mandando. — exigiu Mauro.

— Aqui não é a sua delegacia, pai, pare dar ordens aqui. — vociferou.

— Cara, você já tem 19 anos e está se comportando como um moleque de sete. Abra a porta.

— Pai, preciso esfriar a cabeça, por favor. Mais tarde conversamos.

Mauro esfregou o rosto com às mãos e se afastou da porta.

— Filho. Quero que entenda. Sua mãe foi sim uma mulher maravilhosa, eu a amei de verdade, mas não deu certo. Se eu pudesse, faria tudo diferente.

A porta se abriu.

— Minha mãe morreu de desgosto, pai e o senhor sabe disso. — voltou para o interior do quarto. — a depressão foi tão severa que ela não viu e nem ouviu o carro se aproximar. — deitou-se na cama.

— Pois é... — ajeitou a barba.

— O senhor deveria a ter ajudado e não ter dado um pé na bunda dela.

— Lu, a situação estava insustentável. Sua mãe e eu já não tínhamos nada a ver um com o outro. Foi o jeito.

Luciano levantou-se abruptamente e ficou cara a cara com o pai.

— Minha mãe morreu te amando ainda, pai. Por que não foi atrás dela, por que? — voz embargada.

— Filho...

— Me deixe sozinho, pai, por favor. — sentou-se na ponta da cama.

A vontade de Mauro era de tomá-lo pelos braços e abraça-lo até deixá-lo sem fôlego.

— Tudo bem, filho. Tudo bem.

O delegado desceu às escadas se esforçando para não chorar. De repente ele parou e olhou para o restante da casa e sentiu forte a presença de Patrícia ali. Até para um policial linha dura como ele é impossível segurar essa avalanche de emoção.

— Patrícia. Por que? — falou olhando para o alto.

O celular tocou.

— Leão Silveira falando. — fungou o nariz.

— O senhor está bem, delegado?

— É, estou. Eu estava mexendo com alguns papéis empoeirados aqui em casa. O que houve?

— A família do pastor Rogério está aqui e querem relatar o sumiço dele.

— Sumiço? Ana Paula, crente não some, eles são arrebatados. — terminou de descer às escadas.

— Eles estão achando que o pastor foi sequestrado.

— Tudo bem. Avise-os que chegarei aí em meia hora.

*

A cruz de ferro foi colocada entre as brasas incandescentes cuidadosamente. Vestido com uma batina preta e uma máscara de pano de saco que mais lembra um espantalho de milharal, ele olhou para o pastor deitado e amarrado na mesa olhando para ele.

— Já acordou. Que bom. Assim que a cruz estiver pronta começamos.

— Começamos o que? Me solta. — se debateu.

— Que tal cantarmos antes do cerimonial, pastor? — andou. — eu começo. — “se às águas, do mar da vida, quiserem te afogar. Segura, nas mãos de Deus, e vai”

Não parecia um pesadelo, era um pesadelo. Rogério tentava ao máximo fazer com que às cordas afrouxassem, mas todo o esforço era em vão. Certa vez, em um de seus intermináveis sermões, ele disse que jamais deveríamos temer a morte e nem a sua causa. Foi fácil dizer isso em segurança atrás de um púlpito, mas agora, quando sua vida está exclusivamente nas mãos de um assassino cruel, o discurso mudou drasticamente.

— Por que quer me matar, que mal eu fiz a você? — perguntou chorando.

— Um minuto, pastor.

Terminou de acender às velas do castiçal.

— Gostou do meu santuário? Que cenário perfeito para uma partida tranquila para a eternidade. — apagou o fósforo. — ah, sim, o senhor havia me feito uma pergunta. Vamos lá. Eu ouvi o seu sermão e me agradei muito. Convincente, conciso e principalmente, o que vocês chamam de unção. Parabéns, pastor Rogério, ganhou uma passagem direto para o céu que pregou.

— Ei, calma, eu tenho mulher e filhos...

— Eles ficarão bem, garanto. — olhou para o braseiro. — Acho que podemos começar.

O sacerdote retirou a cruz de ferro e a mesma se encontrava vermelha. Rogério se apavorou ao ver aquilo. Ele ainda tentou convencer seu carrasco de que caso ele fosse morto, ele não duraria nem um dia escondido, ou acabaria até mesmo sendo morto pela polícia. Não! Nada disso o fez parar. Ele rasgou a camisa de seda pura do reverendo, revelando um tórax alto, definido e coberto de pelos.

— Receba a marca de seu calvário.

— Não, Deus!

O objeto incandescente foi encostado bem devagar no peito de Rogério que emitiu um grito gutural. O chiado da carne sendo frita alegrou o sacerdote da morte.

— Isso sim é música para os meus ouvidos.

A queimadura ficou profunda, muito grave e o cheiro da carne queimada circulou por todo o lugar. O pastor ainda gritava muito quando a cruz voltou para o braseiro.

— Desgraçado, você vai pagar por isso.

Em silêncio, o assassino pegou dentro de uma caixa uma garrafa com um líquido esbranquiçado. Cantando um hino que Rogério reconheceu como sendo fúnebre, o sacerdote andou até perto da cabeça de sua vítima e olhou para ele.

— A morte não é um ponto final em nossa história, pastor, o senhor lembra disso?

Rogério engoliu em seco várias vezes. Foi ele quem disse essas palavras.

— Quero que o senhor relaxe e curta a viagem. Abra a boca.

Rogério não obedeceu.

— Vamos lá, reverendo, facilite as coisas.

Rogério se manteve firme.

— Certo. Foi o senhor quem pediu.

O pároco das trevas fez uso de um sistema que é praticamente infalível. Impeça a respiração pelo nariz que o mesmo terá que abrir a boca para não morrer sem ar. Esse plano nunca o deixou na mão. Pastor Rogério engoliu a bebida que o sacerdote batizou como sendo sua “ água benta”.

— Ótimo. O senhor fez um bom trabalho, pastor. — acariciou os cabelos grisalhos do religioso. — agora, feche os olhos. Daqui a pouco estarás entrando no Reino que tanto pregou.

— Mi, mi, minha, fa, fa, família, meu Deus.

O corpo de Rogério entrou em colapso rapidamente e cinco minutos depois ele já estava morto. Após fazer uma curta prece, o sacerdote retirou a máscara de saco de pano da cabeça.

— “coisa linda é para o Senhor a partida de seus fiéis”.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 16/11/2021
Código do texto: T7387047
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