O ASSALTANTE DO BEBÊ (FINALIZADO)!

1 - Nasce uma lenda!

Não foi premeditado, mas um puro ato de desespero.

Renan levara uma tremenda bronca de Cláudia:

- Você vai cuidar do Vítor sim! Tá sem emprego, babaca! Fica aí com ele que vou me virar! - E saiu batendo a porta com força. A casa velha, de madeira, tremeu toda.

Renan olhou para o bebê naquele berço improvisado. Fungou, sentindo falta do pó nosso de cada dia.

- Merda! Acabou tudo! Preciso de mais, de mais...

Tonto, doido, atordoado, meia hora depois estava com Vítor, pendurado naquela suporte junto ao seu peito pronto para fazer uma besteira das grandes. Iria assaltar o mercadinho. Precisa do pó como se precisa do ar. Não pensou no Vítor, não pensou em Cláudia e nem em consequência alguma. Atou o filho ao peito, vestiu a máscara de esquiador deixando os olhos de fora e entrou apontando direto para a cara do caixa:

- A grana, passa a grana!

No dia seguinte sua foto, tirada da câmera, estava estampada nos jornais da cidade:

- Drogado assalta com bebê ao colo!

Foi um escândalo. A cidade toda queria a cabeça do homem. Cláudia, é claro, pirou:

- Maluco, burro, doido! Saiu para assaltar e levou nosso filho. Para você, seu marginal, só resta a cana! Vou direto para a polícia!

E antes que ela dissesse mais alguma coisa, Renan a jogou com força contra a parede. A mulher bateu a cabeça e girou atordoada, em seguida, caindo ao chão. Ele bateu, ouvindo por vezes aquele estalar seco até que não havia mais no que bater. Em golfos de sangue a mulher agora era passado. Saiu batendo as mãos na cabeça dizendo:

- Burro, burro... E agora? E agora? Tentando se acalmar, enquanto o sangue da mulher já ia parando de jorrar tendo inundado boa parte da sala, sentou-se no pequeno sofá quadriculado lendo o jornal que ela trouxera. Viu a narrativa do dono do mercado, o depoimento desesperado das pessoas, a ameaça velada dos jornalistas e sorriu intimamente. O pequeno Vítor dormia no quarto ao lado sem saber que era órfão de mãe...

2 - Obviamente...

O carro era roubado.

Não se preocupou em se livrar do corpo.

Sabia que, com o tempo, apodreceria e o fedor atrairia a atenção necessária.

Quem comete um crime, comete, mil, dois mil...

Levou o pequeno Vitor e em duas sacolas desgastadas colocou o pouco que ainda tinham. Foi a um condomínio na periferia da cidade aonde sabia haviam muitos apartamentos desocupados e, outros, ocupados por meliantes como ele.

Sentiu o gosto da popularidade nos jornais e gostou.

Não importava quanto tempo duraria, o que queria era apenas viver para mais uma carreira, depois outra e mais outra.

O dinheiro que conseguiu no mercadinho durou alguns dias.

Naquela pequeno apartamento apertado, deu um jeito, depois de arrombar de trancá-lo por fora com algumas correntes e um cadeado que comprara. O pequeno Vítor, de pele e olhos claros, sempre o encarava sorrindo e balançando braços e pernas.

Por pior que fosse, Renan trocava fraudas e lhe dava banho.

Veio a lembrança de Cláudia, do baque na parede e do que fizera.

Enquanto banhava, na pia da cozinha, o pequeno bebê, lembrou do que fizera e chegou a chorar algumas lágrimas. Sim, os canalhas também choram. Sentiria falta da mulher, mas não se sabe se era amor. Talvez posse, apego, desejo e sentimento de perda misturados. Cometera um desatino em momento de pulsante necessidade viriam outros. Sabia que não haveria saída para ele.

Dias depois, quando o dinheiro acabou e novamente sentiu compulsão pelo pó a tremer-lhe todo, foi a uma farmácia, não para comprar remédios, mas o meio de os ter era roubando e, novamente, sua foto com o pequeno Vítor foi estampada nos jornais:

- Assaltante do Bebê ataca novamente! Até quando? A polícia não fara nada?

3 - Certo ou Errado...

Renan sabia que, certo ou errado, teria que seguir em frente.

Já percebera que teria que trocar de carro. Informado e graduado nas piores coisas da vida, assim que saiu da farmácia, trocou de carro.

Deixou o pequeno Renan na cadeirinha ao lado do seu banco. Brincou com o pequeno que sorria e fazia festa. Deu-lhe água e sempre tinha mais de uma mamadeira na mochila que carregava às costas juntamente com fraudas. Sabia, também, que a essa hora o apartamento do condomínio dos drogados não seria seguro. Precisava de uma rota de fuga. A cidade grande era refúgio, mas ao mesmo tempo traduzia perigos.

A cena do massacre que fizera em Cláudia lhe voltara à cabeça.

O corpo da mulher, ao que lhe pareceu, não havia sido encontrado. Então, decidiu quem sabe, se pudesse procurar um abrigo isolado no campo teria a situação salva. E assim o fez. A polícia levaria um tempo para perceber e comunicar o furto do novo veículo. Ao sair da cidade, na periferia, roubara outro para ganhar tempo. Os veículos da periferia costumavam ficar abandonados, até um dia inteiro, pelos donos que iriam trabalhar e, assim, poderia circular mais tempo. Foi o cálculo que fizera. Lembrou-se de uma velha cabana que amigos usavam e para lá seguiu rezando (figura de linguagem) para não ser abordado pela polícia.

- Vida nova no campo! Disse para o pequeno Vítor que caíra em pesado sono.

Renan desceu em um minimercado na saída da cidade rumo ao campo para fazer umas últimas compras. Fraldas, leite, comida desidratada, alguns remédios para prevenir... Como ainda pensava em ser um pai era um mistério. A morte de Cláudia ainda o assombrava e, a um canto do olho, pensou tê-la visto em pé, ao fundo de um corredor. Bateu com a mão na cabeça, como sempre fazia. A mulher, uma senhora, no caixa, olhou com pasmo. Disfarçou fingindo tirar água dos ouvidos e seguiu com o carrinho abarrotado. Pegou umas duas dúzias de cervejas, depois, deixou-as de lado e voltou a pegar.

Deixara Vítor no carro, dormindo, em uma sombra com os vidros entreabertos. Tinha trauma daquele povo que esquecia bebês nos carros. Decidira tentar ficar limpo e levar vida normal. Conseguiria? Alguém já conseguira? Ao pagar a conta viu, através do espelho o vulto do que parecia ser Cláudia, novamente.

- Maldita falta de drogas! Pensou. Pagou e saiu. Do lado de fora, no estacionamento, uma viatura passava lentamente. Seguiu adiante, como se nada acontecesse levando suas compras. Abriu o porta mala e foi colocando os pacotes calmamente. A viatura, com o pisca alerta aceso, parou ao lado dele. O policial chamou:

- Senhor?

Renan gelou. A arma estava presa na calça na parte de trás encoberta pelo casaco pesado. Virou a cabeça de vagar sorrindo. Aprendera com um mala a sorrir para a polícia e respondeu:

- Bom dia policial!

- Bom dia, Senhor. Dê uma olhada nesse pneu dianteiro. Parece murcho.

Com espanto, agradeceu sorridente:

- Sim senhor e obrigado pelo aviso. Vou abastecer e calibrar. Tenha um ótimo dia oficial.

- O Senhor também!

4 - Sorte de principiante!

Quando o policial se afastou veio à cabeça de Renan a frase:

- Sorte de principiante!

Ele tinha essa mania de se lembrar de alguma frase feita da vida ou de alguma música ou filme. Costumava se ver como o personagem de alguma série de TV e curtia aquilo. Fechou o porta malas do sedan marrom roubado. Um modelo velho da Ford. Sentou-se e olhou para o pequeno Vítor que dormia. Foi ajustar o retrovisor e teve um baque. Tremeu todo. Viu o rosto desfigurado de Cláudia.

- Assombração do capeta!

Nisso, procurou pelos cigarros. Daí, lembrou que não faria bem ao Vítor. Como pode um drogado, assaltante e assassino ainda pensar no filho? Seria algum desvio positivo no caráter? Saiu dirigindo devagar por uma estrada estreita em direção ao desfiladeiro no qual a velha choupana se escondia. A comida deveria durar uns 2 ou 3 dias. Ainda se lembrou que poderia caçar e até pescar. Tiraria umas férias para deixar a coisa esfriar. Tinha ainda um estoque de pó que deveria regular e se lembrara que deixaram uma quantidade escondida no mato perto de onde ficaria. Tudo estava sob controle...

5 - SEM PIEDADE!

Senhor Lee havia mudado para o país, saindo da China em busca de oportunidades e encontrou naquela pequena mercearia um motivo de alegria e orgulho. Aos 66 anos conseguira criar e pagar os estudos de 3 filhos, sendo um médico. Viúvo, ficou pálido quando viu entrar aquele homem com máscara de esqui tendo um bebê preso ao peito. O pequeno estava com o rosto virado para o peito do agressor, e tinha uma toca que lhe cobria a cabeça e o rosto. Pensou que aquilo jamais aconteceria com um homem honrado e honesto. Ainda mais naquele país aonde as leis eram cumpridas e os bandidos, geralmente, pegos e punidos. O meliante apontou-lhe o revólver.

- Calma! Vou dar o que você quer... Calma!

Tremendo, abaixou-se e, como a cabina 12 já ficava pendurada por uma argola, simplesmente puxou o gatilho arrebentando o balcão. Voou madeira com vidros e barras de chocolate com cigarro para todo o lado. O tiro acertou em cheio as costas do bebê causando grande estrago no peito do bandido. O sangue se espalhou sujando prateleiras atrás e estilhaçando, ainda, a vidraça às costas do meliante. Fim de jogo.

Horas depois, ao conceder entrevista a um canal de TV local, Senhor Lee explicava que, desde o início, percebera que o bandido estava usando um boneco e que não era um bebê de verdade:

- Estou velho, mas ainda enxergo muito bem. Aquele bandido apenas tentou um golpe que não deu certo. Não era o mesmo bandido que vi nos vídeos da TV. O outro bebê, o real, estava com a cara de fora e para a frente. Esse oportunista não irá incomodar mais ninguém.

6 - NA CABANA!

Renan ignorava que já possuía imitadores usando a técnica do bebê ao colo. Aquilo preocupou muito a cúpula da polícia do estado inteiro, e até de outras regiões. A pergunta que ficara na cabeça dos líderes das corporações era só uma:

- Já imaginaram se a moda pega? Como seria ter vários bebês sendo usados como escudos por marginais? De repente, o assunto já começara a ser discutido na imprensa local. Em um conceituado programa de entrevistas, a apresentadora, uma loira com seios fartos, indagava a um especialista:

- Os bandidos podem mesmo começar a usar bebês de verdade?

O tal especialista, vestindo um paletó surrado e uma camisa xadrez, com grossas lentes em seus óculos redondos, afirmava:

- Em uma sociedade complexa as pessoas se dividem em grupos, classes ou castas, como queiram. À medida que a estrutura se torna complexa, novas formas de interação, de lutas e de batalhas pelo norte comum que é a sobrevivência emergem. Dessa forma, não querendo ser mais prolixo afirmo que o uso de bebês por criminosos pode se estabelecer sim como uma tendência. Vejam o caso do chinês que, ao perceber ser um boneco, reagiu. E se fosse um bebê de verdade? Teria ele atirado? Alguém atiraria?

A audiência foi aos picos. A entrevistadora estava satisfeita e atiçou:

- Professor, não seria um terror se isso se espalhasse?

- A sobrevivência é uma luta de animais, uns contra os outros, em nossa sociedade complexa essa luta fica ainda mais sofisticada e adquire tons de crueldade que os animais, mesmo as bestas, jamais poderiam cometer. O poder de termos um cérebro tão poderoso e uma estrutura moral tão frágil criou esse elemento que chamo de ruptura do senso moral. Ou seja, para que eu tenha o que quero estou disposto a colocar em risco um inocente.

Ao chegar Renan escondeu o carro roubado em um matagal próximo, porém, distante o suficiente para que pudesse negar qualquer envolvimento caso fosse surpreendido. Vítor chorou apontando que as fraldas deviam estar sujas.

- Vamos trocar a eca? - Falou para o pequeno. Estendeu o casaco ao chão, deitou o bebê e começou a troca. De repente, ouviu tiros. Sacou a arma e, atrapalhado, se esgueirou para o meio de alguns arbustos. As sombras os ocultariam. Os tiros vinham da cabana. Viu que eram dois antigos comparsas, os irmãos Jon e Joy Jonson, conhecidos como duplo Jota, brincando de atirar em garrafas.

- Merda!

A cabana ocupada estava fora dos seus planos. Não queria se expor, mas não havia outra alternativa. Teria que, pelo menos aquela noite, passar ali. Terminou de trocar a fralda do pequeno e foi-se aproximando gritando de longe:

- E aí suas bestas?

7 - DO CAPETA!

Jon era o mais velho. Apenas 12 minutos, segundo gostava de dizer, mas tinha um pouco mais de juízo, ou melhor, era um pouco menos louco que Joy. Esse foi logo dizendo quando estavam dentro da cabana abrindo cervejas sentados nos sofás esburacados:

- Da hora mano! Você é o famoso ASSALTANTE DO BEBÊ. Cara, você está em todos os jornais, em todas as TVs do mundo! Acho que podemos tirar vantagem disso!

Renan estava cansado demais, desorientado demais, e logo pensou no que Cláudia diria, mas foi cortando o barato do amigo:

- Não vou mais levar o Vítor em assaltos. Na verdade, cara, não sei o que fazer dessa puta merda de vida!

- Calma cara. Pensa! Pensa! Ferrado por um, ferrado por mil! Com esse bebê no peito você tem o colete perfeito. Ninguém vai atirar, ninguém.

Joy, bebendo sua cerveja, apenas ria e confirmava o que o irmão dizia.

Renan, no íntimo, sabia que era uma fria e que todos os três, de alguma forma, acabariam mortos! Olhou para o pequeno Renan que dormia e, não querendo desfazer dos amigos, levantou a cerveja gritando:

- Foda-se o mundo! Seremos a quadrilha do bebê!

E beberam muito e cheiraram muito até, tarde da noite, caírem de cansaço.

No dia seguinte, Vítor estava à sombra de uma árvore. Brincava com um dos bonecos que Renan levara enquanto o pai, sem camisa, cuidava de jogar, após umas 3 horas de trabalho, a última pá sobre a cova rasa na qual enterrara os dois amigos. Depois, sentou-se ao lado do filho, suado e tremendo de cansaço falou ao filho que o encarava com os grandes olhos azuis:

- Você sabe que esses merdas iam fazer a gente ser pego mais rápido, não sabe? Tive que fazer, pequeno e você, quando crescer, terá que fazer esse tipo de coisa também.

Enquanto os irmãos dormiam, Renan atravessara a cabeça de Jon com uma faca. Joy, no outro quarto, dormindo pesadamente, também não sentiu quando Renan atravessou-lhe a nuca com a faca ainda suja com o sangue do irmão. Tanto o sofá quanto aquela cama emporcalharam com a sujeira toda. Vítor dormia inocente na sala. Renan cheirou mais um pouco, encarou o filho e disse:

- Segura a onda Campeão! A gente vai sair dessa juntos!

8 - CERCO.

Renan teve que limpar a cabana. A morte dos irmãos deixou correr muito sangue. Usou água e o que conseguiu de sabão não era o suficiente. Teve que esfregar muito. Não que amasse a limpeza, mas sabia que sangue atrairia moscas, mau cheiro e, no caso de alguma visita eventual, geraria suspeitas. Não queria responder por aqueles crimes. Sabia, no íntimo, que uma hora seria pego. A polícia toda no seu encalço. A essa hora o corpo de Cláudia já devia ter sido encontrado. Havia uma velha TV na cabana ligada a uma antiga parabólica que pegava canais básicos e ruins. Era o suficiente para acompanhar os principais noticiários. Os irmãos haviam estocado comida, bebida, mas o pó já era pouco e estava minguando. Havia também descoberto uma grande quantidade de carteiras de motorista falsas. Tiraram fotos com vários disfarces e, mudando seu cabelo, deixando-o crescer juntamente com a barba certa poderia passar por um daqueles. Os dias foram correndo. Seus cabelos e barba cresceram. Ficou meio louco com o pouco pó. Foi diminuindo e, nos momentos de insanidade e fúria corria pelo campo até ficar exausto e cair. Um riacho próximo começou a fornecer peixe que pescava tendo Vítor por perto. Por duas vezes fora à cidadezinha próxima comprar leite. Tinha sempre o cuidado de ser rápido e de deixar Vítor no carro, em uma sombra. Fazia de tudo para não chamar a atenção. Percebeu que a procura por ele, pelo menos por enquanto saíra dos principais noticiários e, comprando um jornal, percebeu que a imprensa descobrira outros casos para tratar com maior interesse. Ficara aliviado. Dia após dia, como o pó era difícil, sua agonia aumentava. O dinheiro também estava rareando. Mesmo sem querer iria precisar de mais. O caminho mais rápido era um novo assalto. Usaria o bebê novamente? Teria a coragem, agora que estava limpo de expor seu filho. Durante algumas noites acordava assustado ouvindo a voz de Cláudia. A irritação crescia, a falta de dinheiro já o apertava. Louco pela falta de pó, corria na vizinhança até cair. Com o tempos os suores e tremores iam passando, reduzindo e foi ficando mais lúcido. Começou a cortar lenha após descobrir um velho, em uma rodovia próxima que comprava mesmo pequenas quantidades. O dinheiro honesto não era novidade na sua vida. Já trabalhara antes, quando conhecera Cláudia, mas seus caminhos foram ficando tortos, escuros e sombrios. Amigos ruins trouxeram hábitos ruins. Começou a cheirar por graça e diversão. Quando dera por si, precisa daquilo com constância. Sentia-se bem, inteligente, disposto e forte, mas a cada vez precisava de mais e mais. Perdeu o interesse pelo trabalho e passou a fazer pequenos furtos para manter o vício. Conheceu os irmãos que matara e chegaram a puxar carros cometendo até mesmo algumas entregas como mulas por aí. A coisa tomou um caminho errado até o desconcerto com Cláudia virando aquele crime. O nascimento do Vítor atordoou-o. Jamais pensara ter um filho, mas ficou todo mole com a ideia de ser pai. Afastou-se um tempo das turmas, tentou largar, arrumou até um emprego como frentista e outro em um lava jato. Melhorou um pouco entregando pizzas, mas quando Vítor nasceu resolveu voltar a cheirar até entrar em colapso vindo a ter aquela explosão matando a esposa. Mais lúcido, passou a chorar arrependido. Vítor crescia e já dizia pequenas palavras.

- Moleque! Você tá crescendo! Vai precisar de escola de uma casa de uma família de verdade! Não sei se poderei cuidar de você muito tempo. Acho que tenho que te levar para alguém!

Naquela mesma noite adormeceu pesado. Durante a madrugada, pensou ouvir sirenes. Teria ficado maluco? Não. Não ficara. Incansavelmente, a polícia conseguira ir seguindo seus rastros mesmo semanas depois. Forma entrevistando pessoas, cercando possibilidades até que o velho para o qual vendera lenhas o identificara. Mantendo vigilância discreta, observaram-no um dia voltando das compras. Conseguiram ver, à distância, o bebê no carro. Bingo! Agora era armar uma operação para resgatar o bebê e prender o criminoso. Renan levantou e viu as luzes da polícia cercando toda a propriedade. Em pânico, colocou o bebê, já muito maior, novamente no suporte cadeirinha que prendia ao peito dizendo:

- Calma, campeão, a gente consegue! A gente consegue!

Lá fora a polícia percebera que ele acordara e diziam para se render, tudo daria certo.

Sem drogas na cabeça, mas em pânico, Renan saiu com Vítor para fora carregando duas pistolas.

- Não atirem, dizia o comandante da operação!

- Renda-se, Renan! Você está cercado. Deixe o bebê e se entregue. Não faça nenhuma bobagem.

- Não vou me entregar! Atirem se quiserem!

E foi-se aproximando. Os policiais nervosos, com capuzes e coletes apontavam pistolas e fuzis. Um helicóptero começou a sobrevoar e com fortes luzes das viaturas o iluminavam de todos os pontos. Um dos atiradores de elite afirmou que poderia abater o alvo sem risco para o bebê. O comandante disse que não, que não poderiam abusar.

Naquele momento de pânico ouviu, então, através, de um dos alto-falantes a voz de Cláudia:

- Renan, entregue o nosso filho! Eu estou viva! Você não me matou! Tudo poderá acabar bem!

Ela seguia as instruções do negociador.

Naquele ponto o bandido tremera. Pensara ter matado a mulher, mas liquidara os irmãos e saberia que responderia por aquilo. Naquele estado havia pena de morte e seria questão de tempo para descobrirem os vestígios e achar os corpos. Gritou para a mulher:

- Não posso me entregar! Não verei o Vítor crescer!

A polícia interpretava aquilo como uma possível ameaça. O atirador de elite perguntou:

- Alvo na mira!

O comandante engolia em seco. Inesperadamente Cláudia sai da viatura em que se encontrava e, protegida por um colete, se mostra ao marido:

- Renan! Entregue nosso filho! Por favor! Não faça mais nenhuma loucura!

Entre lágrimas, ele grita:

- Desculpe! Eu estava louco! Desculpe! - E, chorando compulsivamente, se ajoelha tendo Vítor ao peito e abaixando as armas.

- Alvo na mira, comandante!

Cláudia, ouvindo ainda aquilo, temendo que a polícia agisse, corre em direção aos dois.

- Não atirem! - Gritava o comandante.

A menos de dois metros de Renan, a mulher também se ajoelha dizendo:

- Renan, pelo Vítor, se entreque!

Levantando a cabeça e chorando ele solta uma pistola, depois a outra e, lentamente, solta a cadeira do bebê. Cláudia rapidamente pega o filho e corre em direção aos policiais. Renan se deita colocando as mãos à nuca...

9 - NO CORREDOR DA MORTE...

Apesar de serem dois criminosos e viciados, o crime que Renan cometera matando os irmãos não o livrara da pena de morte. O fato de cuidar do filho também não servira. Seu exemplo precisava ser combatido. O processo foi longo, polêmico e levou 10 longos anos até o dia em que deveria andar pelo corredor da morte em direção à sala de execução. Seria por injeção letal. O pequeno Vítor frequentava uma escola e com apoio psicológico mãe e filho iam superando traumas e as cobranças da sociedade. Ao entrar na sala, tendo dezenas de testemunhas, Renan somente pensava no filho e na oportunidade daquela vida tão louca e rápida que desperdiçara. Cláudia enviava fotos do filho, mas não permitira uma aproximação entre ambos. Já era difícil para ela, imaginem o quão seria para o filho ter aprenderia a gostar do pai para vê-lo morrer. Preferiu, então, matá-lo o quanto antes possível na memória do pequeno.

Ao entrar na sala, assim que seu sangue recebera o sonífero, antes de apagar totalmente viu a figura dos irmãos que matara ao lado da maca enquanto diziam:

- A gente só estava te esperando, companheiro!