O Caso de Maria Aparecida

HERCULAN DECROIS EM

O CASO DE MARIA APARECIDA

CAPÍTULO I

INTOLERÂNCIA:

Ela era filha de um comerciante português, estabelecido na pequena vila do segundo distrito de cidade de Riacho Fundo. Aos seus dezessete anos, era uma bela moça, cabelos negros e longos, pele morena clara, altura de um metro e setenta. Olhos verdes, que mais pareciam duas esmeraldas, escondidos atrás de cílios negros. Uma figura de mulher diferente, de olhar e voz envolvente, que fugia do convencional, terna, decidida, seu semblante sempre sereno, causava, nos que a viam, uma admiração e um desejo de se aproximar dela.

Trabalhava no armazém de secos e molhados, junto com os demais empregados. Não se poderia distingui-la como sendo filha do dono, pois trabalhava tanto como qualquer um dos empregados. Ela costumava a dar pequenas fugidinhas para namorar, um rapazola que trabalhava na borracharia a frente do armazém. O pai não havia permitido o namoro, pelo fato do rapaz ser afro descendente. Alegava que não sabia de onde teria saído o rapaz, que surgira na cidade há algum tempo a traz. O borracheiro que necessitava de um ajudante lhe deu guarida e o rapaz, ali foi ficando, ficando, sem nunca dizer de onde viera. Mas, Maria para não contrariar o pai passou a encontrá-lo às escondidas, saindo furtivamente durante o expediente. O Rapaz a esperava no início do bosque e eles passeavam de mãos dadas entre as árvores e arbustos que nasciam na barranca do rio, que passava na lateral esquerda da vila.

Naquele dia ela passou pela borracharia, deu um furtivo aceno ao rapaz, que respondeu, ela continuou e ingressou no bosque. Ele não podia se afastar naquele momento, pois tinha de reparar o pneu de um caminhão. Logo que terminou a tarefa ele correu ao seu encontro, foi direto ao lugar onde costumavam a sentar, sobre uma pedra. Esperou um pouco e como ela não apareceu, ele achando que ela tinha cansado de esperar e voltara para o armazém, retornou para a borracharia. Quando o armazém fechou para o intervalo do meio dia, foi que o pai de Maria deu por sua falta. Ele interrogou a todos os funcionários, uma das colegas que era sua confidente, abriu o jogo dizendo que ela tinha ido se encontrar com o ajudante do borracheiro. O português, possesso, se dirigiu a borracharia. Lá chegando, por ser meio dia não havia ninguém, ele invadiu a casa do borracheiro e arrancou o rapaz da mesa onde estava almoçando pegando-o pela camisa e lhe disse:

— Stopor! Raios, onde está Maria? O que fizeste com a minha filha?

O rapaz não sabia do desaparecimento de Maria, achava que ele tinha apenas descoberto o namoro.

— Não fiz nada nos apenas estamos namorando.

O português enfurecido passou a dar-lhe socos. O borracheiro intervém agarrando o português que diz que sua filha desapareceu. Ele pergunta ao rapaz:

— O que é que ele esta falando?

— Não sei de nada eu apenas a estava namorando.

A polícia foi chamada e o rapaz foi preso para verificação da acusação feita pelo pai da desaparecida.

Uma milícia foi formada para procurar a moça pelo bosque. Após varias horas de trabalho a milícia havia vasculhado toda a mata, sem obter qualquer sinal da desaparecida.

O ajudante do borracheiro foi interrogado por várias horas. O cabo que o interrogava queria saber onde ele tinha escondido o corpo, pois era evidente que a tinha matado e ocultado o cadáver. O rapaz apenas dizia que não sabia o que tinha acontecido com Maria, que ela passara pela borracharia e lhe havia acenado, ela entrara no bosque, ele tinha demorado no conserto de um pneu e quando terminou foi ao seu encontro, mas ela não estava no lugar onde costumavam a ficar. Aguardou por algum tempo e retornou, achado que ela não o tinha esperado. Dois dias se passaram e nada de Maria.

O pai da moça e alguns amigos foram para frente do posto policial e lá ficaram reunidos. A cada hora que passava mais gente se aglomerava nas cercanias do posto policial. Dentro do posto apenas o destacado que era cabo da polícia militar e um soldado que era seu auxiliar.

Os ânimos começavam a se acerbar, de vez em quando, uma pedra era jogada nas vidraças do posto. Logo apareceram paus, achas de lenha e hastes de ferros na mão dos justiceiros. Muitos bradavam:

— Vamos invadir e linchar o danado.

O pai de Maria dizia:

— Vamos enforcar o estupor e que ele vá para o raio que o parta.

MARIA

CAPÍTULO II

O ESTUPADOR

O estuprador corre ao mesmo tempo, em que subia as calças, deixando sua vítima estendida no chão. A polícia em seu encalço, o deixa atônito e ele adentra na mata e corre alucinadamente. Após haver corrido por mais de duas horas, despistando a polícia, o estuprador chega a uma rodovia e começa a pedir carona, sinaliza com o braço estendido fazendo sinal aos veículos que passavam. Após haver percorrido mais de cinco quilômetros, um caminhão para no acostamento, o estuprador se aproxima da janela do motorista, que lhe diz:

— Quer uma carona, para onde está indo?

— Para onde o senhor for, sou um andarilho e o meu destino e andar de um lado para outro. Mas bom mesmo é se o senhor for até a ponte sobre o rio do peixe.

— Você está com sorte, passo por lá. Sobe que eu preciso de companhia, a viagem está muito chata, podemos contar estórias um para o outro Haaaa, haaa.

O estuprador sobe na boleia e toma assento ao lado do motorista, que estendendo a mão lhe diz:

— Antônio Carlos, prazer em conhecê-lo.

— Da mesma forma Francisco.

— E daí Francisco como é essa vida de andarilho? Dá muito dinheiro? Haaa, haaa.

— Não, não dá dinheiro algum, eu pretendo parar com esta vida.

É apenas uma fase passageira.

Quando o caminhão se aproximava do Rio do Peixe o motorista lhe diz:

— Estamos chegando, que pena que você vai ficar por aqui. A conversa estava boa.

O caminhão passava por uma ponte sobre um rio. O estuprador diz ao motorista.

— Fico por aqui, vou dar uma pescada neste rio.

O caminhão para e ele desce, agradece ao motorista ao desembarcar. Dirige a margem do rio e se encaminha para um local determinado. Após cinquenta minutos de caminhada ele chega a uma cabana. Procura sob uma pedra a chave e abre a porta. Exausto se joga na tarimba e pensa:

Quase fui pego, eu tenho de parar com isso se não vou me dar mal.

Logo está dormindo. Ao despertar, coça os olhos, despreguiça-se e senta no catre. Lembra quando chegou ali pela primeira vez, muito antes de descobrir que teria compulsão por estuprar garotas. Seu pai havia construído a rústica cabana para com os amigos pescarem nos finais de semana. A última vez que ali estivera fora há cinco anos. Parecia que nada tinha mudado, salvo o pó que cobria tudo. Permaneceria ali por tempo indeterminado, até que as coisas se acalmassem.

Naquela manhã ele levantara cedo, pegou o barco de pesca e subiu o rio em busca de um pesqueiro, quando o encontrou, iscou o anzol e arremessou a linha até o centro do rio. A espera de fisgar um peixe ele notou movimentos na margem oposta do rio. Fixou o olhar e viu uma jovem que caminhava na relva, ela se aproximava cada vez mais da margem oposta, parou ao chegar a uma pedra que aflorava na barranca. E, ali permaneceu. Algum tempo depois, ele viu se aproximar um jovem que se aproximando da garota a pegou pela mão, ela levantou e eles se beijaram ardentemente. Ela deitou na relva ele deitou-se sobre ela. Aos beijos rolaram, as roupas foram afrouxadas e afastadas para propiciar o ato carnal. Após a garota arrumou as roupas, o rapaz ergueu as calças e afivelou a cinta. Logo de mão dadas começaram a caminhar entre os arbustos e pastos da barranca do rio. A espreita, tendo assistido tudo o estuprador pensa:

— virei aqui todos os dias, possivelmente eles se encontram diariamente, da próxima vez estarei prevenido.

Assim passaram-se três dias, diariamente o estuprador permanecia à espera de sua presa. No quarto dia ela aparece, e fica a espera de seu amado. Ele sorrateiramente atravessa o rio, esquivando-se entre arbustos chega até a vítima e a sufoca com um pano embebido em álcool.

O Estuprador deitou seu troféu inconsciente no centro do pequeno barco e levou uns instantes examinando o corpo estendido. Era tão bonita quanto às mulheres que costumava a atacar, e tinha um vigor animal que o excitava. O corpo era radioso, orvalhado de transpiração. E cheirava a colônia de jasmim.

Contemplando sua prisioneira inerte, o Tarado visualizava o que o esperava. Correu a palma da mão sob a blusa dela. Os seios pareciam perfeitos sob o sutiã. Sim, sorriu.

— Você valeu muito à pena.

Lutou contra a vontade de possuí-la de imediato, ele pegou o remo e começou a movimentar o barco, mansamente pelas águas calmas do rio.

Agora poderia estuprá-la a qualquer hora que quisesse, sua presa estava imobilizada e a sua disposição.

Ao chegar, encosta o caíque na barranca do rio. Sua presa havia acordado e se debatia sob as amarras.

Ele a pegou, como um saco fosse, colocou-a sobremos ombros e subiu a barranca e a levou até o acampamento. Empurrou a porta com o pé, entrou e a largou sobre o catre.

Sua mente doentia começava a funcionar, sentia um prazer mórbido em contemplar sua vítima amarrada a sua disposição.

O que faria com ela, teria de planejar demoradamente, assim, a espera o excitava. Imobilizaria no catre, presa pelos pulsos com as cordas, mas as deixaria frouxas, para que pudesse se debater e agredi-lo, durante o ato, pois isso o fazia sentir um prazer inigualável. Deixaria seus pés soltos, assim, dificultando a abertura de suas pernas, de forma que custaria mais a possuí-la, chegando ao orgasmo mesmo antes de penetrá-la.

Retiraria a mordaça, possibilitando que gritasse e o ofendesse, assim sentiria mais prazer.

Foi no quinto dia, após estuprá-la, por várias vezes, com requintes de crueldade que ele deixa o casebre, retira a máscara e vai pescar no rio. Quando retorna sua presa havia se evadido. Certamente que a polícia acharia o local sem demora, o que fez com que o estuprador, partisse imediatamente levando apenas os seus pertences mais indispensáveis.

MARIA

CAPITULO III

OLINCHAMENTO

A tarde caia e os ânimos mais acirrados, até que a multidão resolveu invadir o posto policial. Os policiais não impuseram nenhuma resistência. O garoto foi arrancado da cela, e quando no meio da multidão, recebeu socos, pauladas, pontapés e alguma estocada por objetos pontiagudos. Em menos de dez minutos o garoto estava morto. A multidão satisfeita com a sua ira aplacada se dispersa pela rua.

Os policiais que por todo o tempo se mantiveram como simples observadores pegaram o corpo mutilado e levaram-no para o borracheiro e sua mulher, para que fizessem os serviços funerários.

O casal ao receber o corpo de seu agregado, que mais o consideravam como um filho, dócil e carinhos, cumpridores de seus deveres. Não entendiam com aquilo teria acontecido. Como o vigário somente viria no final de semana e sendo uma quarta feira. Resolveram eles mesmos enterrar o coitado em uma cova rasa na lateral da estrada que chegava a vila. Uma cruz de madeira foi montada e crava no sepulcro, onde tinha a seguinte inscrição:

julgado, condenado e executado, sem qualquer oportunidade de defesa. Aqui jaz Alguém que apareceu, sabe lá Deus de onde, veio para ser martirizado.

Todos os moradores, de uma forma ou de outra estavam implicados no crime de linchamento, por isso, ninguém tocava no assunto, parecia que nada havia acontecido.

No quinto dia todos ainda estavam procurando o lugar onde o maldito tinha enterrado a garota. Até então nenhum sinal do corpo.

ou de luta corporal, nenhum vestígio de violência em todo o bosque. Até que um dos homens que a estavam procurando, de repente, viu Maria vir correndo pelo bosque. De início achou que se tratava de uma aparição fantasmagórica, foi acompanhando-a em sua corrida e se aproximando devagarinho até notar que era ela em carne e osso. Ele se aproximou e disse:

— Maria é você?

Ela parou, olhou para ele, e disse:

Me ajuda que estou fugindo do meu agressor. Logo outros foram chamados que acompanharam Maria até a cidade. Todos os moradores ao verem o cortejo que seguia Maria saíram de suas casas e engrossaram a pequena multidão. Todos hávidos de saber o que lhe havia acontecido.

Ao chegarem ao armazém, Maria entrou no estabelecimento. Seu pai correu para abraçá-la.

— Maria, minha Maria! Onde esteve esse tempo todo?

— Sai para tomar um pouco de ar, aqui dentro estava muito quente e fui atacada por um homem, que colocou um pano com álcool no meu nariz, eu desmaiei, e quando dei conta de mim, estava amarrada em um barco, que navegava pelo rio. O homem que remava no barco, estava com uma máscara, que cobria toda a cabeça, nem os olhos eu podia ver, pois, estavam escondidos atrás de uma tela de renda negra. Encostou o barco na margem do rio e me levou para um barraco, amarrou-me sobre uma cama e por cinco dias, fui estuprada varia vezes por dia. Até que no quinto dia, quando ele estava ausente, consegui fugir, forçando as cordas, desprendi uma das mãos e após a outra, arrombei a janela da casa e escapei.

— Minha filha! Não é crível! Achamos que o negrinho a tinha atacado, a matado e enterrado o corpo.

— Não papai ele me quer bem nunca faria isso comigo. Além do mais ele é uma ótima pessoa.

Maria não entendeu porque todos estavam chorando, inclusive o seu pai. Ela estava ali sã e salva, apesar de tudo o que passou estava salva.

O pai de Maria com os dois policiais procuraram o barraco por vários quilômetros na margem do rio, e quando o encontraram estava vazio, nem sinal do agressor.

O subprefeito que também se omitira quando a multidão se concentrara a frente do posto policial. Achou, por bem fazer uma reunião de todos os moradores, salvo aqueles que fossem de menoridade e Maria que até então não sabia do que havia acontecido em sua ausência.

O subprefeito assim falou:

— Chamei-os a essa assembleia para decidirmos uma questão inusitada. Como todos os senhores sabem. Uma multidão enfurecida, não era para menos, havia evidências de um estupro seguido de morte, com ocultamento de cadáver, linchou o rapaz que supostamente seria o autor do bárbaro crime. Ele, ora vítima, fora apenas um rapaz que aparecera na cidade, sem eira nem beira, e foi ficando pela borracharia do senhor Paulo José Souza. O que temos a decidir, diante dos fatos incontestáveis, é o que fazer? Eu trago duas proposições as quais exporei a todos para que se não houver outras proposições sejam votadas. A primeira é que devemos fazer uma denúncia a polícia da cidade, narrando todos os fatos acontecidos e seja o que Deus quiser.

A segunda é que, todos nós silenciemos e não toquemos no assunto daqui para frente. Afinal o rapaz surgiu do dia para a noite e assim poderá ter sumido. Ninguém dará falta dele, pois, em três anos que esteve na vila nunca ninguém o procurou.

A assembléia murmurou, murmurou, e ao final as propostas foram postas em votação.

Quase que por unanimidade de votos foi resolvido de que esqueceriam o ocorrido e que ninguém jamais falaria sobre o assunto. Os únicos que votaram contra foram o borracheiro e sua mulher. Mas, como votos vencidos resolveram silenciar.

Maria não tomou conhecimento do que havia acontecido no seu desaparecimento, pois para ela tinha sido apenas o seu sequestro e estupro.

No dia seguinte Maria foi à borracharia o borracheiro, ao vê-la se aproximar fingiu não tê-la visto. Quando ela perguntou:

— Onde está o Pedro seu José?

— Não sei Maria, você é quem deveria saber onde ele está.

E continuou a trabalhar não dando mais atenção a moça, que se vendo desprezada retornou ao armazém.

Os dias se passaram e Maria não conseguia mais ver Pedro, e isso a estava inquietando até que ela resolve falar com uma de suas colegas de armazém, que lhe informou que o Rapaz tinha desaparecido assim como um dia aparecera. Os dias foram passando e Maria se resignou e não mais procurou saber o que acontecera com o Pedro, mas sempre na esperança de que ele algum dia retornasse.

Certo dia a Mãe de Maria disse a seu esposo:

— Manoel! Nossa filha está grávida!

— Raios! Como sabes tu disso?

— Passa dez dias de sua menstruação e nada. E ela está com enjoos.

— Que ela não saia mais do quarto, que eu vou à cidade ter com um médico que pode tirar a criança.

No dia seguinte.

— Senhor Manoel, traga a sua filha ao meu ambulatório que farei o trabalho, se dizes que está há um mês e meio, é possível fazer o aborto.

Maria foi levada ao médico para exames uma vez que sua regra tinha sido interrompida. Ela nada desconfiou.

No ambulatório o casal estava na sala de espera, enquanto o médico e sua ajudante faziam o procedimento.

Uma hora depois o médico aparece ao casal e muito nervoso disse:

— Eu nunca me deparei com tal situação. Quando eu ia iniciar os procedimentos ela teve uma queda de pressão e quase que a perdemos.

Logo se recuperou, deixamos passar um tempo e quando tudo estava estabilizado voltamos ao procedimento, uma nova queda de pressão. O que me levou a desistir do procedimento. Acho que ela é sensível a este tipo de intervenção. Parece que ela tem uma auto-preservação.

Manoel pergunta: — E o que podemos fazer nesse caso?

— No meu entendimento, acho que o senhor tem mais é que deixar vingar a criança. Eu ao menos não faço nova tentativa. Não posso arriscar a vida da mãe.

O casal e Maria retornam a vila. Resolvem revelar a Maria que ela está grávida, e que é uma gravidez de alto risco, que o médico disse que ela teria de ficar deitada todo o período da gravidez. Maria logo entendeu que ficara grávida do estuprador. Tinha feito amor com Pedro, mas nunca tinha engravidado.

— Mãe eu não quero este filho. Este filho é do estuprador.

— Minha filha eu sei, mas não podemos arriscar a sua vida.

Maria passou a ficar confinada em um quarto enquanto a gravidez se desenvolvia. Manoel espalhou pela vila que Maria tinha ido passar alguns meses com seus avôs em Portugal.

MARIA

CAPÍTULO IV

O PARTO

Quando se aproximou dos nove meses, seu pai procurou uma parteira e lhe disse:

— Custe o que custar, eu quero que a senhora, faça o parto e que de um chá de sumiço na criança, e que diga a Maria que nasceu morto.

A parteira aceitou a incumbência dizendo:

— Aceito, mas o senhor terá de desembolsar uma grande quantia. Não pelo parto em si, mas para eu dar o tal de chá de sumiço na criança.

— Diga quanto quer e eu pago.

Assim eles negociaram e ficaram certos de que ela seria chamada quando Maria iniciasse o trabalho de parto.

Chegado o dia, as contrações já vinham de dez em dez minutos, muita água fervida, lençóis secos e deu-se inicio ao parto. A parteira colocou um lençol sobre os joelhos de Maria e mandou-a morder um lenço e fazer força. A criança nasceu sem qualquer demora, a parteira a envolveu em um dos lençóis e a levou para um quarto contíguo ao que estava Maria. Enrolou-a em uma manta e a deixou esperando. E foi ter com Maria, que perguntou:

— Como é meu filho ou filha?

A parteira lhe respondeu:

— Sinto muito, mas foi nasci morto era um menino. Eu mesma vou tratar do sepultamento.

Assim não causara embaraços para a família.

Ela pegou a criança e saiu, logo chegaram os pais de Maria para confortá-la.

Quinze dias depois Maria chegara de Portugal. Foi o que espalharam pela vila. Ela voltou a atender no armazém juntamente com outras atendentes e seu pai.

MARIA

CAPÍTULO V

CERTO ADVOGADO

Passados alguns meses, aparece na vila um homem que dizia ser advogado aposentado e que iria residir no distrito, para tanto queria comprar um sítio nos arredores da vila. A compra foi feita e ele passou a integrar a comunidade. Certo dia, Alfredo da Luz estava caminhando pela rodovia quando depara com uma cruz a beira da estrada. Vê que há algo escrito, já meio apagado pelo tempo. Ele se agacha, tira um lenço do bolso e limpa o local onde está o escrito e consegue ler:

julgado, condenado e executado, sem qualquer oportunidade de defesa. Aqui jaz Alguém que apareceu, sabe lá Deus de onde, veio para ser martirizado.

Alfredo da Luz, como bom advogado criminalista que fora, antes de sua aposentadoria. Tomou nota da inscrição em seu caderninho de anotações e guardou no bolso.

Na cidade foi procurar o subprefeito:

— Bom-dia! Senhor subprefeito. Posso ocupar um pouco do seu tempo?

— Ora senhor Alfredo, o tempo que desejar.

— Apenas quero obter uma informação do senhor. Eu estava caminhando pela estrada, quando vi uma cruz na lateral direita de quem vem para a vila. E me deu curiosidade de saber quem ali estava enterrado?

O subprefeito ficou visivelmente embaraçado, gaguejou que havia sido um andarilho, que fora atropelado por algum desconhecido, que logo fugiu.

— Estou satisfeito com a sua informação, passar bem senhor subprefeito.

Ao sair ele ficou meditabundo e pensava:

ee ficou embaraçado e inventou alguma estória na hora. Além do mais a inscrição dizia que a história seria outra, falava em condenação sem chance de defesa. E em execução.

Ai há um mistério, coisa boa para um advogado criminalista aposentado descobrir, e assim, ocupar o seu tempo.

Alguns dias depois, o advogado abasteceu o seu carro e perguntou ao frentista:

— Posso lhe fazer uma pergunta?

— Sim, senhor, pode fazer:

— Há uma cruz a beira da estrada. Quem ali está enterrado?

— Sabe que eu não sei, estou aqui há pouco tempo e quando cheguei já estava lá, mas o borracheiro poderá lhe informar ele está na vila há muito tempo.

Ele foi calibrar os pneus na borracharia. Tendo feito ao borracheiro a mesma pergunta que fizera ao frentista. O homem ficou visivelmente emocionado e simplesmente disse que não sabia de nada. O advogado, não insistiu, mas pensou:

etá muito estranho este assunto, o homem parecia que iria desmaiar quando lhe fiz a pergunta. Vou ao posto policial para ver o que sabem sobre o caso.

Lá chegando:

— Bom-dia senhor cabo. Permita que me apresente, sou Alfredo da Luz, advogado aposentado eu poderia lhe fazer uma pergunta?

— Bom dia Doutor, faça a pergunta, por favor.

— Vi que na margem direita da estrada há uma cruz, quem ali está enterrado?

O cabo engoliu em seco e ficou visivelmente embaraçado como os demais e disse:

— Alguém que teria sido atropelado na estrada. Não sabemos quem era efetivamente.

O Advogado agrade e se despede. E pensa:

a resposta condiz com a que me informou o subprefeito, mas mesmo assim há algo estranho nesse caso. Vou procurar o escrivão de registro, lá deve haver algum registro do caso.

Após sua diligência nos registros nada foi encontrado sobre o acidente e o atropelamento.

Ele pensou:

“Não vou conseguir nada, acho que este é um caso para um investigador profissional”.

— Alo é Herculan Decrois detetive particular.

Quem está falando?

— Alfredo da Luz.

— Como vai Doutor Alfredo, em que lhe posso ser útil?

— Detetive! Estou investigando um caso que me deixou curioso, aqui na vila em que estou residindo. Como não sou especialista em investigações, espero contar com o amigo.

— Certamente conte-me o que está acontecendo.

Depois de um breve relato o investigador disse:

— Pode contar comigo, estarei aí dentro de vinte dias, quando devo terminar um caso que estou trabalhando no momento.

— Um detalhe detetive, não pretendo pagar os seus honorários, como sabe estou aposentado, mas posso lhe servir dentro das minhas atividades advocatícias.

— Não se preocupe doutor, eu também lhe devo alguns favores, como sabe uma mão lava a outra.

A manhã fria no início da primavera ele estava sentado, após o café da manhã, em frente do fogão a lenha que aquecia toda a cozinha. Preparava o chimarrão e, ao mesmo tempo, pensava:

— Amanhã chegará o detetive Herculan Decrois, estou ansioso para acompanhar as investigações que irá proceder.

No dia seguinte por volta das dezessete horas, um carro, surrado para diante de uma placa à beira da estrada, dele desce o detetive Herculan Decrois, com seu um metro e noventa e oito de altura. Aproxima-se da cruz e curva a espinha, força a vista para ler o escrito da pequena placa fixada no centro da cruz de madeira. Ajoelha-se e chega mais perto, e logo desiste de fazer a leitura. Adentra no carro, pega um pano e retorna, passa-o sobre a placa, retirando os detritos acumulados. Pega do bolso uma maquina de

fotografia digital e começa tirar fotos de todos os ângulos. Embarca no carro e segue rumo à vila. Para no posto de abastecimento, acena o frentista que se aproxima, ele pergunta:

— Boa tarde, o senhor pode me informa onde encontro o hotel?

— Fica nesta mesma rua a umas duas quadras.

O hotel, na verdade, era apenas uma pensão, um prédio todo em madeira.

O recém chegado adentra, se dirige ao balcão de recepção e diz ao atendente:

— Boa tarde, pode me conseguir um quarto para pernoites.

O homem, com cara de desacorçoado responde.

— Pretende pernoitar por quantos dias?

— Tempo indeterminado. Vou iniciar um trabalho na vila e somente irei quando ele estiver concluído.

O homem buscou com a mão sob o balcão um livro de registro e, abrindo-o, disse:

— Por favor, coloque o seu nome, número da RG e origem.

O detetive preencheu o registro, devolveu ao atendente, que examinou se tudo estava correto, pegou uma chave e alcançando disse:

— Quaro número 5.

— Há! Uma pergunta, onde posso fazer as refeições?

— No clube, fica a uma quadra daqui por esta mesma rua.

No quarto o detetive, liga o notebook, conecta e câmara e dela copia as fotos. Amplia a foto da placa e consegue ler:

julgado, condenado e executado, sem qualquer oportunidade de defesa. Aqui jaz Alguém que apareceu, sabe lá Deus de onde, veio para ser martirizado.

Examina detidamente os dizeres da placa e nota que há uma data, no canto direito da placa, escrito com letras de menor tamanho. Amplia a imagem e lá está 10 de agosto de 2006. Ele pensa:

— Essa deve ser a data do sepultamento. Portanto, a morte deve ter de dado nessa mesma data.

Pegou o livrinho de anotações e copiou toda a inscrição inclusive a data.

No dia seguinte, mal o sol lançava seus primeiros tentáculos para subjugar a noite que estava sucumbindo. O detetive já estava conduzindo o seu possante rumo ao posto de abastecimento.

Enquanto o carro era abastecido ele aproveitava para perguntar ao frentista.

— Mire senhor frentista.

— Otávio, senhor, Otávio as suas ordens.

— Mire Otávio! Quando cheguei, notei uma cruz na estrada, logo a beira da estrada. Quem está enterrado ali?

— Não sei não senhor, eu sou novo na cidade, quando cheguei já estava lá. Dizem que foi um atropelamento, e que, o assassino fugiu. Mas o borracheiro estava aqui quando isso aconteceu.

— Vou procurá-lo para ver o que ele sabe a respeito.

O grande detetive bate palmas e logo chega o borracheiro, que lhe diz:

— As suas ordens senhor.

— Bom-dia senhor. Sou Herculan Decrois, detetive particular e estou interessado no caso de um atropelamento, ocorrido em 10 de agosto de 2006. O senhor estava aqui nessa época não?

— Posso saber que o contratou para o serviço?

— Digamos que fui contratado pela minha curiosidade apenas.

— Eu não tenho nada a informar, apenas sei o que todos sabem, o rapaz foi atropelado, e o atropelador se evadiu.

Nisso a mulher do borracheiro que tudo estava ouvindo, se aproximou e disse:

— Ele era um menino muito bom.

O homem ficou possesso e com extrema veemência disse a mulher.

— Tereza vá já para dentro e me prepare o café.

A mulher baixou a cabeça e entrou.

O detetive pensou:

— Aqui há informação sobre o caso, a mulher deu a entender que a vítima era conhecida.

O destacamento policial, ainda estava fechado quando o detetive chegou. Ao abrir ele entrou e se colocou no balcão de atendimento.

— Bom-dia senhor! Herculan Decrois as suas ordens. Posso obter uma informação com o senhor?

— As suas ordens senhor Decrois.

— Quero ver os registros policiais de 10 de agosto de 2006, se for possível.

— Perfeitamente, aguarde enquanto procuro o livro.

— Há! Aqui está.

Alguns momentos depois:

— Permisso senhor! Aquele atropelamento, que consta na placa a beira da estrada não foi registrado.

— Há, entendo. Não, não houve registro, pois não sabíamos de quem se tratava.

— Agradecido. Passar bem.

MARIA

CAPÍTULO VI

UM NOVO COMERCIANTE

A vila estava calma, o sol brilhava no horizonte, a primavera havia chegado e os dias já estavam bem quentes. A caminhonete preta, com cabina dupla parara a frente da subprefeitura do distrito. Dela desembarcou um homem alto, magro e forte, aparentava ter seu quarenta e poucos anos. Sobe os poucos degraus de acesso ao prédio da subprefeitura.

Nesse momento o subprefeito está sentado a frete de uma escrivaninha. O homem para a sua frente e espera ser atendido.

— Em que lhe posso ser útil? — pergunta o subprefeito.

— Permita que me apresente, sou Manoel José Martins da Silva. Mais conhecido por Zé Martins. Sou empresário e estou pretendendo instalar no distrito uma agropecuária. Entendo que o senhor seja a pessoa mais recomendada para me auxiliar nesse assunto.

— Com toda a certeza, o nosso distrito está carente desse comércio.

— Sei disso, em minhas pesquisas constatei que, os insumos agrícolas são adquiridos na cidade, que fica trinta e dois quilômetros.

Zé Martins, logo em seguida, vai ao armazém do seu Manoel, pai de Maria e lá chegando se apresenta:

— Perdoe-me por incomodá-lo, — disse, dirigindo-se ao homem que estava ao balcão.

Permita que me apresente, sou Manoel José Martins da Silva, do ramo de agropecuária.

— Bom-dia. Também me chamo Manoel, Manoel Silveira, sou o proprietário do estabelecimento, as suas ordens.

— Senhor Manoel, estou inclinado a instalar uma filial de minha agropecuária na vila, pois tenho diversos clientes no meu estabelecimento na cidade e estou entendendo que seria ótimo para a vila se tivesse um lugar onde os agricultores pudessem comprar seus insumos, sem ter de se deslocar para a cidade.

Queria saber se o senhor não sabe onde eu posso alugar um prédio para instalar o meu estabelecimento, o mais próximo do seu, para facilitar as compras.

— Ca eu tenho um local que lhe poderá servir hoje está sendo utilizado como depósito secundário do meu armazém.

— Podemos dar uma olhada?

— Com certeza, me acompanhe, por favor.

Assim a agropecuária foi instalada ao lado do armazém.

Zé Martins viúvo há mais de dois anos, mantinha-se nesse estado, pois não encontrara a mulher ideal para substituir sua falecida esposa. Pai adotivo de um menino que naquele momento tinha três anos de idade. Vivia exclusivamente para o filho e para o trabalho. Ele costumava a ver Maria chegar ao armazém, a qual sempre cumprimentava com uma mesura. Ela lhe causava admiração pelo jeito português das mulheres lusitanas, sempre exuberantes e alegres, com um grande sorriso estampado no rosto. A noite ela povoava os seus sonhos de homem solitário, mas a diferença de idade lhe causava embaraço. Certo dia ele estava na porta do estabelecimento, com seu pequeno, quando Maria passava. Ao olhar o garotinho, que lhe deu um sorriso e lhe alcançou os bracinhos. Maria não resistiu ao assédio e se aproximou, e pegou o pequeno no colo. Foi o suficiente para que Zé Martins lhe dirigisse a palavra:

— Parece que ele gostou da senhorita, como vê ele tem falta de uma mãe.

— É seu filho?

— Sim, é meu filho muito querido.

Maria não resistiu o desejo de beijá-lo e de apertar aquelas bochechas gordas e escuras. Zé Martins aproveitou a deixa e disse:

— Pelo que vejo a senhorita gosta muito de criança.

— Adoro crianças, posso levá-lo comigo até o armazém?

— Esteja à vontade e venha visitá-lo quando quiser.

Maria saiu levando o menino. Mostrou-o a todos no estabelecimento e após alguns minutos retornou para devolvê-lo. José Martins preparou-se mentalmente para cortejar Maria.

— Senhorita Maria! Eu a tenho visto passar, e estou encantado com a sua beleza. E tenho pensado na senhorita como a pessoa capaz de me levar a viver novamente.

— Estou lisonjeada.

— Aceitaria jantar em minha casa, levando o senhor seu pai e sua mãe.

— Vou informá-los do convite e depois lhe responderei.

MARIA

CAPITULO VII

O DESTINO DO ESTUPRADOR.

Usando um abrigo preto com capuz, o estuprador caminha pela rua da cidade. Sua costumeira compulsão o dominava inteiramente neste momento. Estava como um predador a procura de sua presa. Um emaranhado de pensamentos confunde seu cérebro naquele momento. Está completamente excitado, com a mão pelo bolso do abrigo, segura o membro ereto. Seus pensamentos repetem:

Tenho de encontrar uma garota, já faz uma semana que não pego ninguém, hoje tenho de dar sorte.

Seu caminhar se apressa ao ver na serração um vulto que se desloca no mesmo sentido que ele. Começa a correr para alcançá-la, quando está lado a lado com ela, ele vê que se trata de uma garota com uma sacola de compras na mão. Ele para e começa amarrar o tênis, a garota se adianta e ele passa a segui-la.

E pensava:

Próximo vira uma ponte seca da ferrovia, lugar ideal para pegá-la.

Ele olha em todas as direções e constata que estão sós, ao menos, na distância que podia ver dentro da serração.

Quando a presa está próxima da ponte, ele acelera e lhe dá um encontrão à vítima surpreendida se desequilibra a cai, rolando pela lateral inclinada da estrada. Ele desce e a pega, coloca a mão sobra à boca em forma de mordaça, e a arrasta para baixo da ponte.

A vítima se debate e soltando uma das mãos, o arranha no rosto. Ele instintivamente lhe dá um soco na face e ela perde os sentidos. Incontinente baixa a própria calças, rasga a calcinha da vítima, abre-lhe as pernas e a penetra violentamente. A dor faz com que a presa tenha seus sentidos recuperados e ela solta um estridente grito de socorro. Logo sua boca é apertada com a mão enérgica do estuprador.

Um homem, que passava próximo, ouve e corre em socorro.

O facínora é agarrado por traz, e preso pelo colarinho é erguido e arremessado contra a pilastra da ponte, bate com a cabeça e desfalece. O salvador pega a vítima e sai com ela no colo à procura de socorro. Quando encontra um casal, ele a entrega dizendo que irá pegar o estuprador que se encontra desacordado. Retorna ao local e não mais encontra homem. Uma poça de sangue indica que está gravemente ferido.

A polícia é acionada e a procura do estuprador mobiliza mais policias, até cães são trazidos ao local. Finalmente após várias horas de perseguição ele está cercado. Uma dúzia de policiais aponta-lhe, suas armas e ele se ajoelha e coloca as mãos na cabeça. Preso é levado à delegacia, onde confessa os seus crimes, com uma estranha frieza, própria dos psicopatas.

CAPITULO VIII

A INVESTIGAÇÃO

Herculan Decrois chega à subprefeitura. Faz uma grande mesura e diz:

— Bom-dia, senhorita. Permita que me apresente. Sou Herculan Decrois, detetive particular e desejo falar com o subprefeito.

A moça responde o cumprimento, levanta e entra numa porta, onde havia uma placa que indicava o gabinete do subprefeito. Alguns instantes depois retornam e diz:

— Por favor, senhor detetive, o subprefeito o espera no gabinete.

Após as apresentações, o subprefeito, que permanecera de pé, disse:

— Foi bom o senhor ter vindo me procurar. Soube que está investigando um caso no nosso distrito e queria saber com que objetivo?

— Mire senhor subprefeito, há uma pessoa interessada em saber o que aconteceu com o corpo que foi enterrado a beira da estrada, e eu apenas estou fazendo o meu trabalho.

— O senhor não acha que coisas que estão enterradas e esquecidas, não devem ser revolvidas, mormente quando se trata de um distrito pequeno como este em que todos são conhecidos e, porque não dizer amigos.

— Mire senhor subprefeito, eu não quero importunar ninguém, apenas quero saber em que condições a morte ocorreu, fazer o meu relatório e dar o caso como encerrado.

— Então escreva em seu relatório o que lhe vou dizer e de o fora. Um estranho foi atropelado por outro estranho que se evadiu, o corpo foi enterrado no mesmo local onde houve o atropelamento e o caso ficou encerrado para os moradores desta vila.

— Não querendo ser desrespeitoso, senhor subprefeito, estas informações já foram dadas, por todos aqueles que minhas investigações me levara a perguntar sobre o caso. Acontece que

quem me contratou não pensa assim, por isso vou continuar o meu trabalho. Passar bem e obrigado pelo aviso.

O domingo chegou e o grande detetive, às seis horas da manhã adentra na igreja para assistir a primeira missa. Coloca-se no fundo, e observa todos os fieis entrarem na igreja e tomarem seus lugares.

Nas missas das sete e oito horas ele lá continuou como fosse um católico fervoroso. Na entrada da missa das nove horas, ele viu entrar o borracheiro e sua esposa. Finda missa, o detetive, como por acaso, sai da igreja justamente ao lado do casal, borracheiro e esposa.

— Bom-dia como vai à senhora, como vai o senhor?

— Bom-dia, lhe disse o borracheiro, e baixou a cabeça. A esposa retribuiu o cumprimento.

— Já que nos encontramos por acaso, eu gostaria de acompanhá-los para lhes fazer umas perguntas.

— Quando nos encontramos pela primeira vez, a senhora disse que quem estava enterrado a beira da estrada, se me lembro bem, era um menino muito bom, dando a entender que o conhecia. Mas todos da cidade me disseram que ele era um estranho, que foi atropelado por outro estranho.

O borracheiro ficou visivelmente irritado com a mulher, e esta por sua vez posse a chorar.

Em voz tonitruante o borracheiro diz:

— O senhor está importunando minha mulher, nos nada temos a lhe informar sobre o caso.

O detetive com muita seriedade diz:

— Então temos um caso. Mire senhor, de um jeito ou de outro acabarei descobrindo tudo o que ocorreu. Veja bem, sei que sua senhora o conhecia, pois, disse que era um menino muito bom. O senhor acaba de dizer que temos um caso.

— O senhor é mesmo insistente, mas não podemos ser vistos juntos, encontre-me logo à noite a dois quilômetros seguindo para a direita da estrada.

— Às vinte duas horas está bom para o senhor?

— Sim, pode às vinte e duas horas, passar bem.

Passava das vinte horas, quando o detetive chegou ao hotel, ou pensão. Sua bagagem estava na portaria. O recepcionista lhe disse:

— O senhor vai deixar o hotel, senhor Decrois.

— Não, não pretendo deixá-lo, permanecerei por mais alguns dias.

— Senhor não entendeu. O senhor terá de ir embora do hotel ainda hoje. O senhor não é bem-vindo nesta vila.

— Mire senhor, isso não será possível.

— São ordens do proprietário.

Resignado, o detetive deixou o hotel, levando suas bagagens para o carro. E, logo foi ao clube tomar umas cervejas.

— Bom dia senhor.

— Bom dia.

— Uma cerveja, por favor.

— Temos ordem do proprietário para não servi-lo. Disse que o senhor não é bem-vindo na vila.

— Quer dizer que não me querem na vila. Sou persona não grata. Muito bem, me hospedo na cidade.

As vinte e duas horas o detetive encosta o seu possante, a beira da rodovia e permanece à espera do borracheiro. Logo em seguida aparece a caminhoneta que estaciona ao lado do seu carro. Descem o borracheiro e sua esposa.

— Senhor detetive — disse o borracheiro — Eu e minha esposa, não aguentamos mais, ocultando o que ocorreu nesta vila, após aquele dia fatídico, minha mulher, parece que morreu para a vida. Eu vivo nervoso, meu estomago parou de funcionar bem, tenho enxaquecas, e distúrbios estomacais. Nossa vida virou um inferno, não aguentamos mais, por isso vamos lhe contar tudo o que aconteceu. Mas terá de nos prometer que nunca, em hipótese alguma irá sequer mencionar o nosso nome.

— Eu prometo por minha honra, nunca dizer que foram vocês que me informaram. Na verdade, as minhas investigações e artifícios que utilizarei, tornarão evidentes que vocês nadam tinham com o caso. Os fatos que levantarei é que serão responsáveis para o esclarecimento do ocorrido, quando da morte do menino. Portanto, fiquem tranquilos de que não os farei correr qualquer risco.

Após ouvir o demorado relato de tudo o que passou na pequena vila, o detetive disse:

— Agora tenho como continuar as minhas investigações. Repito, farei a partir das informações que tenho agora, mas sem que qualquer desconfiança possa cair sobre vocês.

Na manhã seguinte o grande detetive, que tivera de pernoitar na cidade, chega à vila, seu possante estaciona a frente da subprefeitura.

— Bom-dia senhorita, eu desejo falar com o senhor subprefeito.

A moça bate a porta e entra.

— Senhor está aqui o senhor Herculan Decrois, que deseja falar-lhe.

— Droga, este homem de novo, diga-lhe que estou ocupado, vou dar-lhe um chá de banco, o melhor, diga que somente posso recebê-lo à tarde, após as dezesseis horas.

Marque uma reunião com os principais cidadãos da comunidade, para hoje às onze horas.

O detetive deixa a subprefeitura e, contrariado pensa:

— Ele não quer me atender, sabe que não desistirei, certamente quer tempo para tomar alguma providência. Vou ficar de olho no subprefeito.

Herculan Decrois estaciona o seu carro, há três quadras da subprefeitura, num local onde tinha uma vista completa da entrada da subprefeitura. Abre o jornal do dia e começa a Lê-lo, sem perder de vista a subprefeitura. As dez e quarenta e cinco começaram a chegar diversas pessoas a subprefeitura. Ele pode reconhecer o borracheiro entre as pessoas que adentraram no prédio. As onze e quinze o detetive adentra no prédio e diz a secretária.

— Estou aqui de novo, me parece que está havendo uma reunião do subprefeito com várias pessoas. Sabe que horas terminará a reunião. Eu quero dar uma palavrinha com o senhor sub-prefeito, por isso, vou esperar o término da reunião.

— Mas ele disse que somente o atenderia às dezesseis horas.

— Mire senhorita, não levarei mais do que cinco minutos, pois tenho que deixar a cidade.

— Agora eu não posso interromper a reunião.

— Não tem importância eu esperarei aqui, até que a reunião termine. Se não se importar, é claro.

— Por mim, pode aguardar.

Na reunião:

— Pois bem senhores, o detetive que está investigando o caso da morte de atropelamento a beira da estrada, está avançando contra nós.

Por isso eu os chamei aqui para que de comum acordo possamos resolver o que fazer com ele.

O destacado militar se pronunciou:

— Posso fazer com que o meu guarda de trânsito, confisque o seu veículo, com isso ganharemos alguns dias.

— Isso não será suficiente-disse o subprefeito-temos de ter ações mais concretas.

O pai de Maria coçava a cabeça em sinal de desagrado. O borracheiro e sua esposa esconderam-se entre os outros para não serem observados. O destacado, disse com voz embargada:

— Parece que eu sou quem terei de tomar providências para desencorajar o detetive. Deixem comigo que tomarei providências, ainda hoje.

O subprefeito, em sinal de aprovação, maneava a cabeça para cima e para baixo.

— Então senhores e senhoras; vamos esperar as providências do nosso destacado.

Às onze horas e cinquenta minutos, a porta do gabinete é aberta e saem: O dono do armazém, o borracheiro, o dono da pensão, o dono do posto de gasolina, o ecônomo do clube, o cabo do destacamento policial, entre outros.

Todos passaram por Decrois e o cumprimentaram, com um simples aceno de cabeça.

O subprefeito o vendo sentado disse:

— O senhor aqui, eu não disse que o receberia após as dezesseis horas.

— Mire senhor subprefeito, eu tenho um assunto a tratar hoje à tarde na cidade, por isso vim ver se o senhor podia me receber de manhã.

— Pois entre senhor detetive, e seja breve.

— Serei com certeza.

— Mire senhor subprefeito, eu tenho novidades para o senhor. Recebi um comunicado que um estuprador acaba de ser preso na cidade vizinha, e que confessou vários estupros, incluindo um em sua jurisdição. O senhor tem conhecimento disso?

O subprefeito ficou visivelmente embaraçado, e gaguejando disse:

— Eu tenho de examinar os registros do posto policial.

— Mire senhor! Algo tão importante deve ter tido repercussão na vila, o senhor não está lembrado?

— Sim, eu lembro, mas faz algum tempo e minhas lembranças, não andam bem, alias o caso não teve grande repercussão. Assim que levantar os dados eu os passarei ao senhor. Passar bem.

O possante do detetive foi acionado e ele partiu ruma a RS.

No dia seguinte, passavam das dez horas, quando Decrois adentra da vila. O soldado do destacamento lhe faz sinal para parar o carro.

— Bom-dia senhor! Carteira de habilitação e documentos do carro.

Decrois retira os óculos espelhados e com a mão direita, abre o porta-luvas e pega os documentos.

— Mire senhor guarda, aqui estão os documentos e a habilitação.

O guarda examina os documentos demoradamente, e estando tudo em ordem diz:

— Abra o bagageiro, por favor, quero examiná-lo.

Herculan pega a chave na ignição e vai abrir o bagageiro, após havê-lo aberto, o guarda lhe diz:

— Estepe, macaco, chave de rodas e triângulo.

O detetive começa a retirar do bagageiro o solicitado. O guarda pega a chave de rodas e fica com ela na mão e diz:

— O seu carro está com a luz de ré quebrada, isso representa perigo no trânsito, vou ter de deter o carro.

O detetive, surpreso, se desloca e vai ver a luz de ré na traseira do veículo.

— O senhor está enganado a luz de ré esta perfeita.

O guarda levanta a chave de rodas e com grande força quebra a sinaleira e vários pedaços, e diz:

— Confira novamente, como eu disse está quebrada, vou ter de deter o carro.

— É você tem razão, agora está quebrada. Eu sei o que quer. Alias você e todos da cidade, que eu desista da investigação de um caso muito estranho, aqui ocorrido. Não é mesmo?

— Não sei do que está falando, apenas constatei que estava com a luz de ré quebrada nada mais. Por isso, vou ter de autuá-lo e aprender o carro.

O detetive pega o celular e disca:

— Alo é da praça de veículos de aluguel? — por favor, quero locar o seu caro por todo o dia de hoje, quanto me custará. Está certo, pode vir,

Fica no segundo distrito de cidade de Riacho Fundo, Na entrada da cidade, sim, a rua principal. Fico no aguardo.

— Como vê senhor guarda. O senhor não está me imobilizando, apenas retardando as minhas ações.

Na casa comercial do pai de Maria:

— Bons dias. Posso falar com o proprietário? — disse o detetive Herculan Decrois.

— Sou o proprietário Manoel Silveira, as suas ordens.

— Bom dia meu senhor. Sou Herculan Decrois, detetive particular e desejo falar com o senhor em particular, se for possível.

— Pode sim, me acompanhe até o escritório, por favor.

— Pois é senhor Manoel, estou investigando o caso da cruz a beira da estrada. As minhas investigações me levaram a um estupro que ocorreu nesta vila. Acontece que o estuprador foi preso e confessou todos os crimes, incluindo o que realizou nesta vila. O senhor tem algo que me possa informar?

Um calafrio fez o corpo do homem estremecer. Logo um calor lhe subiu do estômago até a garganta e quase o sufocou. Embaraçado, sem saber o que dizer e balbuciou algumas palavras:

— Senhor, como é mesmo o seu nome?

— Herculan Decrois, as suas ordens.

— Está quente aqui no escritório, vou ligar o ar-condicionado.

— Como queira senhor.

A dúvida era o último farrapo de controle e ele pensou:

Acalme-se Manoel, deves ver o que ele sabe sobre o que aconteceu, tranquiliza-te homem.

O teu medo pode colocar tudo a perder.

O frio começava a arrefecer o calor da sala, o comerciante, sentou-se a escrivaninha e apontou a cadeira a sua frente para o detetive sentar-se.

— Em que lhe posso ser útil senhor detetive:

— Mire senhor Manoel, o relato do estuprador dão conta de que a vítima teria sido a sua filha.

Ao ouvir isso, o comerciante, sentiu que um calor partia do seu estomago rumando para a garganta, que parecia se fechar como que uma forca o estivesse estrangulando. E pensou:

Será que ele sabe da relação entre o estupro e o que aconteceu com o negrinho?

— Senhor Erculano!

— Herculan Decrois, senhor Manoel, Herculan.

— Então, senhor Herculan. O senhor sabe como são estas coisas, ter uma filha estuprada é uma coisa que todos nós queremos esquecer. Como se diz nos ditos populares, colocar uma pedra em cima.

Não gostaria que o senhor levantasse esta questão, seria o mesmo que romper chagas já cicatrizadas.

— Mire senhor Manoel, na verdade, eu não estou investigando o estupro da sua filha, e sim, um atropelamento que houve na mesma época, cujo corpo da vítima está enterrado a beira da estrada.

— Mas que ralação teria o estupro de minha filha com o atropelamento de um estranho?

— É exatamente isso que queria ver se o senhor podia me ajudar.

— Porque o senhor imagina que eu lhe possa ajudar nesse sentido?

— É que eu queria o seu consentimento para falar com a sua filha Maria.

Nesse momento a forca que o estava sufocando, parecia que tinha sido apertada e que o ar não mais podia passar pelas vias respiratórias. O calor que subia do estomago, fazia brotar sudoreses em todo o seu corpo. O que fez o detetive perguntar:

— O senhor está passando mau senhor Manoel?

— Não, o calor é que está insuportável.

— Mas quanto a minha pergunta?

— Como eu disse, não gostaria que minha filha tivesse de recordar tudo o que aconteceu. Tenho certeza de que isso somente lhe fará mal. Por isso não vou lhe dar o consentimento.

— Mire senhor Manoel, é exatamente isso que estou procurando minimizar, sabe como é ela está citada como vítima do estuprador, o promotor possivelmente quererá que ela sirva de testemunha de acusação. Sentar no banco de testemunhas a frente de uma plateia e ter tudo recordado, certamente será mais constrangedor do que falar comigo.

— Não lhe posso dizer nada agora, tenho de pensar, amanhã talvez, me procure amanhã.

— Muito bem, então se é assim que deseja, até a manhã e passar bem.

Trinta minutos após o detetive haver deixado o mercado, seu Manoel procura o subprefeito.

— O detetive está fechando o cerco, agora ele quer se entrevistar com minha Maria. O que devo fazer?

— Pois é o destacado nada do que fez parou o detetive, agora teremos de tomar medidas mais serias.

— Eu já estou enrolado até o pescoço, não vou cometer outro crime para encobrir o primeiro.

— Não é disso que estou falando. Acho que devemos como cidadãos corretos, falar com o detetive e contar-lhe toda a história. Eu apenas cometi o crime de omissão, afinal eu não compareci ao linchamento do menino.

— Mas a Maria, a minha Maria, quando descobrir o que aconteceu, nunca mais olhará para a minha cara.

— Pense seu Manoel, pense e após venha para conversarmos. Lembre-se que naquele dia fatídico, eu fiz duas proposições, a que venceu foi a mais cômoda para todos. Mas me parece que não foi a mais acertada.

Manoel deixa a subprefeitura, contrariado, maneando a cabeça, passa pela recepcionista e nem a vê, pois em pensamento havia um problema crucial a ser resolvido.

Na manhã seguinte lá estava o detetive a procura do senhor Manoel.

— Bom-dia, bom-dia posso falar com o senhor Manoel? — disse a uma das balconistas, casualmente a Maria.

De longe Manoel o vê e se apressa em recebê-lo e o leva ao escritório.

— Mire senhor Manoel, o que decidiu?

— Senhor Decrois! Decidi que o senhor poderá entrevistar a minha Maria, mas o fará em minha presença.

— Perfeitamente senhor Manoel, concordo.

— O senhor espere aqui que eu volto com Maria. Posso demorar um pouco, pois pretendo prepará-la para a entrevista.

— Esteja à vontade senhor Manoel, esteja à vontade.

Senhor Manoel, visivelmente nervos, procura a filha e lhe diz:

— Minha filha, está aqui um detetive que deseja entrevistar você. É sobre o estupro, disse ele que o homem foi preso e confessou o seu estupro. Convém não mencionar que tu ficaste grávida do desgraçado.

— Seu detetive! Aqui está minha filha Maria.

O detetive fez uma grande mesura, Maria estendeu-lhe a mão, ele a pegou pela ponta dos dedos e a beijou dizendo:

— Fico alegre em conhecê-la senhorita Maria.

Pai e filha nesse momento demonstravam grande embaraço obrigando o detetive a tomar as iniciativas.

— Vamos sentar para podermos conversar.

Após estarem sentados, ambos trocaram olhares interrogativos e olharam para o detetive, em forma de interrogação.

— Mire senhorita Maria. Um homem que foi preso por haver cometido vários estupros, confessou havê-la estuprado, numa cabana a beira do rio. Eu gostaria que a senhorita me contasse o que aconteceu e como aconteceu.

— Eu fui tomar um pouco de ar na mata aqui ao lado, quando fui surpresa pelo estuprador que me colocou um pano com éter no meu nariz. Quando voltei a mim, estava dentro da cabana amarrada a uma cama.

— A senhorita estava perto do rio?

— Sim, estava próximo ao rio.

— Eu estive dando uma espiada pela mata, o rio fica longe, a quase um quilômetro daqui. A senhorita estava sozinha?

— Sim, estava sozinha.

— E foi tão longe para tomar ar?

Maria ficou embaraçada. O senhor Manoel mais ainda.

Tem alguma coisa mais que queira me contar?

— É eu estava esperando o meu namorado, e ele demorou e eu fui atacada.

— Seu namorado, e o que disse o seu namorado do caso?

— Não disse nada, ele desapareceu, da mesma forma como apareceu, de uma hora para outra.

— E daí para frente o que aconteceu?

Seu Manoel cortou a conversa e disse:

— Eu resolvi mandá-la a Portugal na casa dos Avos, para passar um tempo.

— Lisboa?

— Não, Porto.

— Mire, eu estive em Portugal no ano passado, foi a primeira vez que atravessou o oceano Atlântico? O que achou da viagem, senhorita?

Maria ficou embaraçada e não soube responder adequadamente à pergunta, limitou-se a dizer que tudo ocorrera bem. O senhor Manoel, interrompeu o dialogo e disse:

— Bem detetive! Acho que as perguntas foram respondidas, se não há mais nada a perguntar podemos, tratar dos afazeres.

— Estou satisfeito senhor Manoel, foi um prazer conversar com a senhorita?

— Maria Aparecida Silveira

O detetive sai da entrevista pensando:

Mire Decrois! Aqui há algo que não ficou explicado. Eles ficaram embaraçados com a viagem, acho que houve algo que estão escondendo. Maria aparecida Silveira, não posso esquecer este nome.

Pegou o caderninho de anotações e registrou o nome de Maria.

No dia seguinte, o detetive retira o seu carro, após haver substituído a sinaleira de re. E, logo retorna a cidade de Riacho Fundo, onde estava hospedado.

A semana seguinte, o detetive esteve ocupado em suas investigações, tendo permanecido fora do segundo distrito.

Era segunda feira quando ele estacionou o possante, após o guarda lhe haver sinalizado para que estacionasse. Baixando o vidro e colocando a cabeça para fora da janela disse:

— Bom dia senhor guarda. Em que lhe posso ser útil? Como pode ver substituí a sinaleira a variada.

— Bom dia senhor detetive. Por favor, os documentos do carro e sua habilitação.

Decrois desceu do carro e se colocou ligeiramente afastado e alcançando com a mão direita os documentos disse:

— Aqui está senhor guarda.

O guarda pegou os documentos e se dirigiu para a parte traseira do veículo e olhando para a sinaleira de re disse:

— Vejo que ainda não consertou a sinaleira, ao mesmo tempo, em que aplicava um golpe com salto da botina, estilhaçando a carenagem da sinaleira. Quando ele olha para Decrois este está, com uma câmara digital, filmando tudo. O guarda fica sem saber o que dizer, atinou apenas a dizer:

— Dê-me isso.

— A voz saiu embargada, quase um sussurro, enquanto o detetive guardava a câmara.

— Mire senhor guarda! Eu sou um homem que prega a tolerância. E, não vejo nenhuma necessidade de denunciá-lo pelo que fez. Certamente o levaria a expulsão da corporação.

O guarda trêmulo, com voz embargada diz:

— O que devo fazer para o senhor não me denunciar?

— Primeiro quem determinou que o senhor fizesse isso?

— Segundo o que houve com o auxiliar do borracheiro que está enterrado à beira da estrada?

— Eu não sei de nada, isso eu fiz de livre vontade.

— Muito bem, passar bem senhor guarda.

— Espere! O que vai fazer?

— Nada além do que o direito me permita. Mire senhor guarda! Tudo o que me contar somente me ajudará nas minhas investigações. Eu prometo que o seu nome não vai aparecer no meu relatório.

— O rapaz foi linchado, todos pensavam que ele tinha matado Maria e escondido o corpo.

— Mais uma coisa, Maria viajou logo em seguida para Portugal?

— Não os boatos que correram na época é que ele estava em casa escondida, pois estava grávida.

— Isso é tudo o que posso lhe contar.

— Está de bom tamanho, fique tranquilo que eu vou preservar a sua identidade.

Mais tarde:

— Bom-dia, senhor Manoel, como tem passado?

— Bom-dia, senhor detetive.

— Podemos ter um particular em seu escritório?

— O que deseja agora? Já o informamos de tudo o que sabíamos.

— No seu escritório, não quero que ninguém ouça o que tenho a lhe dizer.

O comerciante, visivelmente contrariado, sacudindo a cabeça, conduz o detetive ao escritório.

— Mire senhor Manoel! Eu estive na semana passada fazendo um levantamento das pessoas que viajaram para Portugal, logo após o fatídico ataque sofrido por sua filha, até seis meses depois e não encontrei o nome de sua filha nas listas de passageiros. O que o senhor tem a me dizer sobre o assunto?

O senhor Manoel, sentiu o suor correr por seu braço, como o orvalho escorre de uma folha pendular.

— Senhor detetive, eu devo confessar, algo que escondemos de toda a nossa comunidade. Acontece que com o estupro minha filha ficou grávida, por isso, inventamos a viagem a Portugal.

— Sim, mas como explicou o filho, quando ela retornou?

— O filho nasceu morto e foi enterrado pela própria parteira.

— Está explicado senhor Manoel, desculpe havê-lo incomodado.

No dia seguinte:

— Bom-dia minha senhora!

— Bom dia, que deseja desta humilde parteira.

— Permita que me apresente, sou Herculan Decrois detetive. Eu soube através do escrivão do registro de nascimento, que a senhora é a única parteira do lugar, que fora a senhora, as mulheres têm de ir para a cidade para efetuarem o parto. E resolvi procurá-la. A senhora atendeu o parto da senhorita Maria filha do senhor Manoel do armazém, estou certo?

— Sim, como ficou sabendo?

— O senhor Manoel me revelou este detalhe.

— E o que o senhor quer de mim?

— O senhor Manoel me disse que a criança nasceu morta, mas não há registro algum cartório. A senhora pode me explicar isso? Pois, é crime deixar de registrar os nasci morto. A senhora poderá ser processada por isso.

— Seu detetive, eu sou uma mulher humilde, não cometi nenhum crime, o menino nasceu vivo e eu o levei para a adoção, por ordem do seu Manoel.

— Há isso é outra coisa. E quem adotou a criança?

— Eu prometi que nunca revelaria para quem foi dada a criança.

— Há entendo, a senhora prefere que a promotoria tome conta do caso e não um simples detetive.

— Não, por amor de Deus, não faça isso comigo, eu lhe conto tudo, mas tem de prometer que não me denunciará.

— Eu prometo, pode falar sem constrangimento que tudo ficará entre nós.

— O pai da Maria, me chamou e me prometeu uma recompensa se eu fizesse o parto e levasse a criança. Ele me disse que eu deveria dar um chá de sumiço nela. Eu peguei o menino, um mulatinho, muito lindo enrolei-o no lençol e o levei. Ninguém o viu. Fiquei com ele até completar três meses, até que consegui que um comerciante da cidade, o adotasse. Como o senhor pode ver eu fiz uma obra de caridade, achando uma ótima família para colocá-lo.

— Mire senhora! Ainda não ouvi à senhora dizer o nome do comerciante que adotou a criança.

CAPÍTULO IX

O RELATÓRIO DE DECROIS

— Bom-dia, Doutor Alfredo — disse Herculan Decrois, ao se ver, frente a frente, com o seu contratante, por troca de favores.

— Grande Herculan Decrois, meu amigo, como tem passado?

— Maravilhosamente bem, doutor e aqui estou para lhe entregar o meu relatório.

O envelope pardo abarrotado de papeis estava aprisionado pela mão esquerda do recém chegado.

— Mire Doutor Alfredo, este envelope, contém o relato de todo o meu trabalho. Daqui para frente estará com o senhor à decisão do que fazer com caso. Nada mais que eu possa fazer, pois, não é de minha responsabilidade fazer justiça, eu apenas posso iluminar a escuridão. A justiça cabe aos advogados e juízes. No entanto, me coloco ao seu dispor para elucidar quaisquer dúvidas que possam existir.

— Muito bem, examinarei o seu relatório com muita atenção, mas gostaria de me acompanhar em uma cerveja, enquanto leio o seu relatório?

— O senhor sabe que uma cerveja vem bem, quando estamos com sede, e eu sempre estou com sede...

O advogado abriu o envelope e começou a ler o relatório, sob as vistas de Decrois que, quieto, saboreava a cerveja. Ao final o cliente tece as seguintes considerações:

— Todos os moradores são cúmplices nesse martírio, no entanto, podemos apontar para indiciamento alguns dos maiores culpados, que no meu ver seriam: O pai de Maria, que também tem que reparar o crime ocultamento de nascimento. Os destacados, que não protegeram a vítima, que estava sob a sua custódia. O subprefeito, que foi o mentor e induziu as pessoas a ocultarem o acontecimento. Os demais, pode-se dizer que foram induzidos ao erro. O destino às vezes é sábio, fazer com que o senhor que adotou o filho de Maria com a vítima, uma vez que a criança é de cor negra como o seu progenitor, viesse a se estabelecer, justamente ao lado do comércio de seu pai. Mas detetive, como conseguiu romper o pacto dos moradores de nada falarem?

— Usei de algumas artimanhas, pessoas que me confidenciaram o que sabiam em troca do meu.

Silêncio. Por isso, no meu relatório não consta as pessoas que me confidenciaram. Eu recebia informação de um, por exemplo, o guarda me confidenciou que Maria não viajou para Portugal, o que eu já desconfiava. O que me levou a dizer que tinha feito um levantamento no aeroporto e que havia nenhuma Maria Aparecida Silveira nas relações de passageiros para Portugal, no período de seis meses do ocorrido.

— Entregarei o seu relatório à promotoria para que ele, se entender necessário, indicie os responsáveis.

Otrebor Ozodrac
Enviado por Otrebor Ozodrac em 10/01/2023
Reeditado em 15/01/2023
Código do texto: T7691295
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.