POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 3

Que Hamilton Palhares é um policial do tipo casca grossa, experiência, disso ninguém tem dúvidas, porém poucos conhecem seu outro lado e é bom que isso permaneça em segredo mesmo. Sair de um plantão conturbado e tomar umas cervejas com sua parceira, a mulher causadora de suas noites em claro foi como reviver. Hamilton pode sentir novamente aquela sensação que só um adolescente possuí: paixão arrebatadora. Ao voltar para o seu apartamento num prédio de cinco andares na zona oeste de Vila Velha ele se pegou rindo sozinho e com o coração batendo acelerado.

Um ritual ao qual ele faz questão de fazer sempre chega no corredor de seu apartamento; sacar sua arma e mantê-la apontada para baixo com o dedo fora do gatilho. Nunca se sabe. Em um pouco mais de quinze anos como policial, Palhares ajudou a trancafiar bandidos de altíssima periculosidade, sem falar dos CPFs que cancelou. Só depois de uma curta, porém minuciosa varredura é que ele se sentiu seguro para seguir em frente.

Já em segurança, sentado na ponta da cama, Hamilton sofre ao ver fotos de Sabrina em seu perfil no Instagram. Como ela é linda, ele pensa ao vê-la sorrindo. Nem a presença do marido em determinadas imagens atrapalha. Há uma em específico a qual ele não consegue mais pular para as outras. Melo deitada numa espreguiçadeira ao lado de uma piscina azul cristalina exibindo seu belo par de seios cobertos pela parte de cima do biquíni e pernas bronzeados, “ que loucura”. Loucura é pouco. Se apaixonar por uma mulher comprometida é estar a um passo de uma depressão. Isso seria o fim para um investigador como ele. O melhor a se fazer nessas horas é dormir.

*

O celular vibrou e tocou em cima da mesinha ao lado da cama às seis da manhã. Sabrina Melo precisou de alguns segundos para se situar. Ele pegou o aparelho e o nome acima do número a fez despertar de vez.

— Bom dia, chefe.

— Bom dia, Melo, você já está a caminho?

Engoliu seco.

— Saindo de casa.

— Ótimo, vá ao encontro do Palhares, mais uma vítima do poeta assassino.

Agora a sensação era que Sabrina nem havia dormido.

— Positivo, Paixão, segue com o endereço.

Cinco minutos depois Sabrina parou seu carro ao lado do de Hamilton no local indicado por Lúcio Paixão. Palhares olhava para o corpo da jovem loira, brutalmente amarrada por fios de eletricidade e com um corte profundo no pescoço.

— Puta merda. – balbuciou.

Sabrina aproximou-se.

— Oi, bom dia.

— Paixão tá uma fera e assim que terminarmos aqui, ele nos quer na sala dele.

Eu mereço, pensou a agente. Já não bastasse a crise que enfrenta na vida pessoal, agora chegou a vez de aturar chefe estressado.

— O poeta assassino, e pelo visto ele anda inspirado. – Melo chegou mais perto. – seria a continuação do outro poema?

— É bem provável.

Hamilton estava irritado, respiração forte. Sabrina fotografou os dizeres e tentou acalmar o parceiro.

— Não vai adiantar ficar assim. Estamos fazendo o melhor que podemos, Paixão que se exploda.

— Paixão é o menor dos meus problemas. Precisamos tirar esse louco de circulação. Veja isso, mais uma jovem que não terá a oportunidade de chegar a minha idade. Mais que merda.

Não obtendo sucesso, Sabrina resolveu apelar.

— Já tomou café?

Arqueando uma das sobrancelhas Hamilton respondeu que não houve tempo para o desjejum.

— Venha, vamos tomar café.

*

Nem todos puderam abrir os olhos nessa manhã e vislumbrar o nascer de um novo dia. Isso porque estão mortos. Mortos como a loira da academia. Como alguém consegue dormir em paz sabendo que, uma família nesse exato momento recebe a notícia de que um dos membros foi morto? Morta por suas mãos. Isso não parece ser um problema para Leonardo. Ele dorme feito um bebê num berço confortável.

Leonardo Coutinho, segundo filho de um casal de comerciantes. Ex universitário do curso de direito, deixou a faculdade para viver sua vida longe das obrigações exigidas pelos estudos. No auge de seus vinte cinco anos, Léo ama esportes, ama baladas, tem verdadeira adoração pelo sexo oposto e o que ele podem lhe proporcionar. Vale lembrar que houve uma época em que ele passou um ano envolvido com um jovem mais novo. Leonardo não é gay, mas cansou de dormir no apartamento do rapaz. Quantas foram às vezes em que ele precisou espancar o garoto por ciúmes. Coutinho odeia ser deixado de escanteio, ele ama uma exclusividade.

Sempre ao acordar, a primeira coisa a fazer é pegar o celular e conferir se há novas mensagens no WhatsApp e também dá uma olhadinha no site de notícias. Ao ler o nome dado pela imprensa ao assassino em série fez Leonardo vibrar ainda deitado.

— O assassino poeta. Gostei.

*

Aroma de café misturado ao da massa de pão recém saída do forno. Murmúrios, barulho de talheres chocando-se com a louça e a sua frente Sabrina Melo. Que contraste. Hamilton teve que admitir, sua parceira estava coberta de razão, ele realmente necessitava de uma bela dose de cafeína.

— Sente-se melhor agora? – Melo estava rindo.

— Bem melhor. Obrigado.

— Eu já te vi nervoso, furioso, tenso, mas nunca consternado. Posso saber o motivo?

Palhares olhou para fora da padaria onde focou num pombo se alimentando de um pedaço de biscoito de água e sal.

— Não! – foi categórico.

Sabrina não insistiu.

— Você também não me parece nada bem. O que está havendo?

— Nossa, está tão visível assim?

Hamilton deu de ombros.

— Roberto e eu. Chegamos ao limite. Confesso que já joguei a toalha.

— Ele te agrediu? – coçou a barba.

— Ele não é louco de levantar a mão pra mim. A rotina acabou com o nosso casamento. Ele não abre mão do trabalho e eu muito menos do meu, então...

— Assim como vocês, há milhares. Já tentaram terapia de casais? – abriu o pão de queijo e comeu uma das metades.

— Não! Acha que vale a pena?

— Não!

Sabrina riu.

— Agora falando sério. Antes de desistir, analise o que isso pode acarretar. O término de um relacionamento, por mais que não tenha sido legal é traumático. Pense nisso, menina.

— Vou pensar.

O celular de Palhares vibrou dentro do bolso. Lúcio Paixão.

— Se vocês não estiverem aqui, em minha sala, em dez minutos, vou suspendê-los.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 13/02/2023
Código do texto: T7718295
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