POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 6

O cansaço, desânimo e principalmente a tristeza por estar carregando uma carga que a consome dia após dia, são visíveis e não é preciso se aproximar muito. Sabrina Melo dirigiu até o departamento de forma automática, sem prestar atenção no trânsito, nos pedestres, no mundo girando lá fora. Para uma policial isso é péssimo. Ela só foi se dar conta disso quando estacionou em uma das vagas e desligou o veículo “como cheguei até aqui?” Pouco importa isso agora. Ela deu uma olhada no espelho interno e não gostou do que viu. Uma mulher bonita, mas com sérios sinais de desgastes. Uma mulher incrível, porém mentalmente destruída. Para tentar disfarçar o indisfarçável, ela buscou em sua bolsa algo que ajudasse a mascarar seu semblante abatido. Um batom vermelho talvez resolva.

Dentro do departamento Hamilton a aguarda agarrado ao exemplar dos poemas mais sombrios que já lera em toda sua vida. A cada página, versos que parecem ter saídos do inferno direto para impressão. Palhares tem dificuldade de acreditar que tais obras foram escritas por seres humanos.

— Bom dia. – Sabrina o tirou de sua imersão do mundo da morte.

— Oi, bom dia.

Hamilton tinha nas mãos uma obra terrível, monstruosa e a sua frente um ser belo de encher os olhos. Como administrar tudo isso?

— Veja isso. – a entregou o livro.

— Poemas da Morte. Que título piegas. – puxou uma cadeira.

— O título pode ser piegas, mas o seu conteúdo é um pesadelo. Eu o consegui numa sebo. Enquanto te aguardava, liguei para o dono da loja e sabe o que ele me falou?

Sabrina passava as páginas.

— Esse livro não foi a frente. A editora investiu pesado e pouquíssimos exemplares foram vendidos, tipo, dezenas só. Por isso quase ninguém conhece.

— E você acha que o tal assassino poeta é um dos poucos que adquiriram esse livro e está por aí matando e escrevendo partes das obras? Pelo amor de Deus, Palhares. Não estou lhe reconhecendo.

Hamilton ficou em silêncio, e não só ele como todo o departamento, assim achou ele. Na verdade Palhares nunca a viu assim. Nunca a ouviu falar dessa maneira. O estresse feminino é algo assustador. Mas no fundo, ela está certa. O livro foi posto sobre a mesa e nesse intervalo, Paixão apareceu com seu rosto sulcado, mais pavoroso que o normal.

— Ao trabalho, os dois. O nosso poeta está na ativa e agiu novamente. O governador está uma fera e a população exige respostas.

— E o que você acha que estamos fazendo, senhor? – Sabrina assumiu a frente.

— Com quem pensa que está falando, agente Melo?

O pomo de Adão de Palhares não parava de se movimentar. Inacreditável o cenário que se desenrolava perante seus olhos.

— O senhor deveria estar do nosso lado e não do governador. Será que ele tem a mínima ideia do que é trabalhar num caso como esse?

— Cuidado com o seu tom de voz, mocinha...

A essa altura todo o departamento já havia parado e todos assistiam atônitos o embate.

— Diga ao governador, que se não estiver satisfeito com o nosso trabalho, que acione o FBI, Cia, sei lá mais o que.

— Tá legal, chega de show. – Paixão bateu na mesa. — a senhora está suspensa. Palhares venha comigo.

Hamilton não sabia o que fazer.

— Paixão, por favor, precisamos da Melo no caso. Eu preciso dela.

— Decisão tomado, Palhares. Vou lhe enviar outro parceiro. – olhou para Sabrina. – vá pra casa, esfrie a cabeça e depois conversamos.

Sabrina apenas ajeitou sua bolsa no ombro e caminhou sentido corredor que dá acesso a saída. Hamilton a acompanhou sob protestos de Lúcio.

— Se você sair, eu saio junto. Sem você a meu lado não vou conseguir...

— Agradeço por sua sensibilidade e apoio, mas não faça isso. Está arriscado os dois serem suspensos o que seria terrível. Vá lá e prenda esse miserável.

— Posso te ligar mais tarde?

— Claro!

Paixão esbravejava com os braços abertos a plenos pulmões naquele corredor frio, mas isso pouco importava para Palhares. Ele a beijou na testa deixando claro para todos seu real sentimento por ela.

— Em minha sala, já, agora. – berrou o delegado.

*

Vila Velha nunca foi uma cidade pacata, mas longe de ser como nos grandes centros ou metrópoles onde o crime organizado e a violência unem forças tirando a paz de seus habitantes. Para se ter uma ideia, o último caso de assassinato dessa magnitude, ocorreu há cinco anos quando um funcionário mal remunerado e humilhado durante anos por seus patrões, foi demitido por justa causa sem motivo aparente. Após uma semana ele voltou ao sítio e matou seus ex patrões deixando uma prole órfã.

Hoje a cidade se vê servindo de cenário para um criminoso que parece se divertir enquanto famílias se desesperam com a perda precoce de suas meninas. A pergunta que não quer falar é: quem é ele? O que a polícia está fazendo? O que será de nossas moças? Ao chegarem ao local do crime, Hamilton Palhares e seu novo parceiro são abordados não só pela imprensa, como por civis exigindo respostas.

— Siga em frente, Amaral. Deixe aqui comigo.

Palhares não estava para brincadeiras, tão pouco afim de responder perguntas de gente que se quer participara de uma incursão policial na vida.

— Investigador Palhares, nós estamos ao vivo e gostaríamos de um esclarecimento sobre esse tal assassino poeta...

— Em primeiro lugar, quem deu esse vulgo a ele foram vocês da impressa. E em segundo, quero tranquilizar a população deixando claro que a polícia vem fazendo o seu trabalho. Não é um caso fácil, mas eu confio em minha equipe. Seguiremos trabalhando para tirar esse louco de circulação.

— Só mais uma pergunta...

— Meu amigo, quem dera eu poder ficar aqui conversando com vocês, mas como bem falei, esse é um baita caso, então, com a licença dos senhores...

Hamilton abriu caminho por entre jornalistas e civis. Era praticamente impossível dar mais que dois passos seguidos, sem falar dos gritos de protestos. Quando finalmente alcançou o lugar onde Amaral se encontrava Hamilton estava esgotado.

— O ser humano perdeu a noção mesmo. – O jovem detetive acocorou-se perto do corpo.

— Bem vindo ao inferno. – resmungou olhando ao redor.

— Ela foi trazida pra cá. – se levantou. — ele a matou em outro lugar. Não há respingos de sangue.

— Me diga algo que eu já não saiba. – fotografou o poema.

Amaral empurrou seus óculos para mais junto dos olhos e se esforçou para impressionar seu companheiro.

— Então, ele a conheceu em algum lugar, temos que considerar esse fato. Vila Velha possuí poucos lugares de diversão para jovens como ela, então, não será difícil encontrar o local certo. Feito isso, vamos conversar com seus amigos e familiares e...

— Estou impressionado. – coçou a barba. – ótimo, vou deixá-lo encarregado dessa missão. Qualquer novidade me avise.

— Positivo.

O que há de errado comigo, por que não consigo encaixar as peças? A resposta ele sabe muito bem. Sabrina Melo. É difícil manter a mente funcionando e focada num determinado assunto quando há algo ou alguém atravessando sua linha de raciocínio. A essa altura de sua vida, Hamilton Palhares não esperava que, algo dessa natureza acontecesse. Lógico que não. Para um homem que no passado viveu as mais loucas e perigosas aventuras sentimentais, estar hoje apaixonado no auge de seus quarenta e oito anos é quase que uma piada de mal gosto. Como dizem os mais antigos, “ enquanto há vida, há esperança” nunca foi tão fácil acreditar nisso.

*

Às mãos estão trêmulas. Sua pele pegajosa devido ao suor. Seus olhos queimam e sua saliva desce amarga pela garganta. Leonardo voltou para casa não muito feliz pelo que fez. Cortar o pescoço daquela garota, assistir o sangue jorrar, vê-la deixando a vida não foi nada agradável. Estranho, não deveria ser assim. O que aconteceu comigo? Até parece que ele não sabe. Loucura e insanidade são coisas distintas? Pensou deitado em sua cama. Ele sabe que não conseguirá sair em pune dessa. Aqui se faz, aqui se paga. Essa conta vai chegar e não será barata. De repente o som de uma sirene o fez levantar da cama e correr até a janela. Leo foi abrindo aos poucos a cortina. Um pouco mais suado, ele pode ver uma ambulância passando em alta velocidade. Antes de voltar para cama e tentar relaxar, Coutinho foi até sua pequena estante onde estão seus livros. Terror, fantasia, poemas entre outros gêneros compõe o móvel que localiza-se ao lado da escrivaninha. Na parte de cima, onde há uma coleção completa Barsa, ele puxou uma folha de caderno com alguns dizeres. Agora sim ele pode voltar para cama.

Um poema. Quatro estrofes. Uma dedicação. Um nome. A priori Leonardo o leu mentalmente e não gostou do que sentiu, quem sabe falando em voz alta surta o efeito esperado.

— Ariadna.

O peito foi incendiado e tudo o que ele queria no momento era ir até ela e... Ele achou melhor ter calma, para tudo na vida tem o seu momento certo. Agora sim Léo caiu em si. Porque matar tantas mulheres inocentes o vem fazendo mal? Justamente por isso, elas não são culpadas de coisa alguma. Por que mata-las então? Todas as três meninas, de uma certa forma lembravam Ariadna, seja no jeito de andar, no perfume, no olhar ou na forma de insulta-lo. Todas traziam ou trazem a sua memória doentia a mulher que o abandonou. Elas mereceram morrer!

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 03/03/2023
Código do texto: T7731646
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