POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 9

Ao ver às mãos de sua antiga pretendente trêmulas e suadas, Leonardo tentou toca-las. Mesmo tomada por um pavor incontrolável, Ariadna não permitiu o contato.

— Não vai comer o seu lanche?

— Perdi a fome. – respondeu gaguejando.

— Posso?

— Fique a vontade.

A mordida foi bem generosa e lenta da perspectiva dela. Ariadna sentiu um nojo absurdo disso.

— O que você quer?

Léo sinalizou a pedindo que esperasse.

— Desculpe, falar de boca cheia não rola, né. Ainda mais em nosso primeiro encontro desde o término.

— Término? E quando começamos?

Coutinho pegou um guardanapo.

— É verdade. Nem começamos. Você não se importou com meus sentimentos.

Enquanto Leonardo falava, Ariadna engolia seco. Por baixo da mesa ela tentava pegar o telefone dentro da bolsa.

— Garanto que, depois de me dar aquele pé na bunda você arrumou outro carinha, não é mesmo? Me conta com foi.

Finalmente sua mão alcançou o celular no fundo da bolsa. Agora basta disfarçar bem para conseguir discar o número de sua mãe sem chamar atenção.

— Isso não é da sua conta.

— Nossa, rápida e mortal como da última vez. Você tem noção do que causou em mim o seu NÃO?

— Claro que tenho. Durante um tempo você fez questão que eu soubesse de seus ataques de fúria. Ameaças, chantagens, perseguições. Você precisa de um tratamento, Leonardo. Você não vê que está doente?

— Sim, estou doente e foi por isso que resolvi te seguir até aqui. Vou tratar minha enfermidade com seu sangue.

Sem se preocupar com que as pessoas ao redor iriam pensar, Leo pôs a faca em cima da mesa.

— Largue o celular e venha comigo sem dar escândalo. – falou baixo e devagar.

*

Às imagens não possuem uma qualidade tão boa assim, isso não chega a ser um problema já que há seis pares de olhos bem atentos nelas há quase meia hora. Hamilton tenta se concentrar o máximo que pode uma vez que a causadora de seus devaneios se encontra no mesmo recinto a centímetros dele.

— É isso pessoal, temos o nosso poeta matador. Devo avisar o Paixão? – Amaral deu pausa no vídeo.

— Já deveria ter feito isso. Mas antes, tire uma cópia ampliada da cara desse sujeito. – Palhares cruzou os braços.

— Vai joga-la na mídia? – Sabrina perguntou.

— Não. Isso só vai ajudar a espanta-lo. Esse desgraçado assassinou friamente três meninas e tudo que sabemos sobre ele até então é que gosta de poemas. Já chega de ficar tentando montar quebra-cabeça ou buscar entender porque ele os escreve em seus corpos. Somos polícias e não jogadores de xadrez.

— Mas, Palhares, me desculpa, somos investigadores de polícia e uma investigação nada mais é do que juntar peças. – Amaral falava de forma rápida. — se chegamos até aqui, foi porque jogamos, não é, Melo?

— É, então...

— Concordo plenamente. Mas lembre-se de uma coisa; quando toda técnica e conhecimento que possuímos não nos traz o resultado esperado é preciso agir utilizando a força bruta. Esse cara merece ser caçado igual a um bicho selvagem. – Hamilton tinha o rosto ruborizado.

— Então, você está recomendando que... – Amaral não conseguiu completar.

— É isso aí. Peguem a foto desse bosta e vamos pra rua caça-lo.

*

A base de empurrões, Ariadna adentrou a um lugar abafado e mal cheiroso.

— Gostou? Reservei esse lugar pensando em você.

— Que lugar é esse, Leonardo?

— Bom! Aqui seria construída uma pequena vila para comportar pessoas da mesma família, mas a obra não foi a frente e desde então encontra-se desse jeito.

— Minha mãe já deve estar arrancando os cabelos de tanta preocupação, me deixe ir embora.

Coutinho guardou a faca no cós da calça.

— Não posso. Preciso completar minha obra.

A cada um passo dado por Léo em sua direção, Ariadna dava dois para trás.

— Qual obra? – gaguejou.

Do bolso da camisa ele pegou o papel com o poema e a mostrou.

— Escrevi isso pra você, lembra?

Ariadna arregalou os olhos.

— Quando a senhora, da forma mais assustadora me disse que não queria nada comigo, corri para o meu quarto e, chorando, escrevi essas quatro estrofes lhe desejando a morte. Nos encontramos novamente e...

— O que você queria que eu fizesse, Leonardo? Que eu caísse aos seus pés, morrendo de amores por você? Se liga cara. Você ao menos leu o que escreveu?

— Lógico que li. Agora chegou a sua vez. Toma. Leia.

— Eu não vou ler essa merda.

Num ato de pura fúria, Coutinho berrou um palavrão deixando o coração de Ariadna congelado. Ele sacou outra vez a faca e a apontou para ela.

— Leia! – vociferou.

*

Sabrina dirigia o próprio veículo pelas ruas feitas de paralelepípedo de um bairro bastante conhecido em Vila Velha. Na verdade, o lugar é um dos mais antigos, o terceiro a ser fundado. Em cima do painel a foto do assassino poeta encontra-se fixada por uma fita adesiva e sempre que seus olhos batem nela, a investigadora volta a pensar em tudo que foi falado por Hamilton Palhares naquela sala. Os dois trabalham juntos tempo o suficiente para Sabrina conhecê-lo bem e diante de tudo que presenciou, Melo chegou a conclusão que seu parceiro vem sofrendo de mesmo mal que ela. Não adianta negar. Quando nossa vida pessoal não está bem, de uma forma ou de outra isso refletirá na profissional e se não soubermos lidar com isso, para um dos dois lados a bomba explodirá. Palhares precisa de ajuda, pensou deixando as ruas de paralelepípedo.

Enquanto isso, o alvo dos pensamentos de Sabrina, também percorre as ruas dirigindo apenas com uma das mãos, pois a outra encontra-se ocupada segurando a folha da A4 contendo a imagem de Leonardo Coutinho. Ao ver um boteco com alguns desocupados jogando sinuca ele parou abruptamente seu carro e desceu.

— Polícia. – afastou a jaqueta deixando sua identificação a mostra. — algum dos senhores já viu esse sujeito circulando por aqui? – ergueu o papel.

Os homens se entreolharam. O mais baixo deixou o taco sobre a mesa.

— Hum. – apertou os olhos. — nunca vi.

O outro riu com uma típica risada de fumante inveterado.

— Se sóbrio você já não enxerga, imagina com cinco copos de pinga na ideia.

Todos caíram na gargalhada. Até Palhares não resistiu a piada. Não houve êxito ali, mas pelo menos Hamilton conseguiu algo que não fazia a algum tempo; rir. Ele voltou para o carro um pouco mais disposto. Seu celular tocou. Era Amaral.

— Há uma mulher aqui relatando o sumiço de sua filha.

— Já tem vinte quatro horas desde então?

— Não! Ela disse que a menina deixaria o trabalho e daria uma volta no shopping e até agora não apareceu.

— Assim fica difícil. – coçou a testa. — qual a idade dessa garota, ela tem nome?

— Claro que tem. Ariadna Campos, dezenove anos...

— Faz o seguinte. Siga com os procedimentos com a mãe e caso encontre alguma ligação com o nosso criminoso faça contato.

— Positivo.

O celular ficou no banco do carona e Hamilton seguiu sentido zona norte da cidade.

*

O poema lido por Ariadna é aterrador e a fez mal. A faca seguia sendo apontada na direção de seu pescoço enquanto que os olhos ameaçadores de Coutinho faziam um tipo de escaneamento por todo o seu corpo. Ela chegou ao final do texto e sinceramente, seu esgotamento mental era quase que palpável.

— Você escreveu isso pensando em mim?

Léo assentiu.

— É horrível. Como pode nutrir tamanho sentimento destrutível dentro de você, Leonardo? Vai lhe fazer mal, cara.

— Mais do que você fez? Duvido. Eu era e ainda sou louco por você, Ariadna, podíamos ter tido uma história linda juntos, mas você preferiu dar às costas.

A faca encostou um pouco mais.

— Calma, Léo. Vamos conversar. Guarde essa faca, não faça nenhuma besteira...

— Tarde demais, querida. O estrago já foi feito.

Ariadna sentia o suor escorrer de suas costas e sua circulação sanguíneo agitar-se em suas veias.

— Como assim?

— Juliana, Aline e Carla. Elas pagaram o preço por sua criancice.

— Quem são... – Ariadna pôs a mão na boca. — Jesus. São as meninas mortas pelo...

Leonardo se deixou ser dominado pela emoção.

— Assassino poeta.

— Léo. Pelo amor de Deus. Você matou aquelas pobres moças?

Coutinho apertou os lábios.

— Meu Deus. Você precisa de um tratamento urgente. E seus pais?

Outra lágrima desceu.

— Eles nem desconfiam.

— Abaixe essa faca, por favor. Vamos sair daqui. Prometo ficar do seu lado para o que der e vier. Vamos.

Às lágrimas foram limpas e isso fez com que Léo adotasse novamente o velho comportamento psicótico.

— Isso não será possível. Preciso terminar o que comecei. Agora, tire a blusa. Não tenho o dia todo. Vai. – a segurou forte pelos cabelos.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 27/03/2023
Código do texto: T7750431
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