Dupla explosiva

A atenção do guarda de segurança ao lado da porta giratória interna do banco foi despertada pela entrada de um cadeirante no saguão dos caixas eletrônicas. Teoricamente, ele deveria abrir a porta lateral para que o homem pudesse passar com sua cadeira de rodas, mas o homem, a) vestia um paletó completamente abotoado, apesar do dia ensolarado lá fora e b) suava profusamente, o que só tornava tudo ainda mais suspeito. O segurança aproximou-se do vidro à prova de balas da entrada lateral e indagou, quando o homem aproximou-se da porta giratória:

- Bom dia. O senhor deseja assistência nos caixas eletrônicos?

- Não... - disse o cadeirante, expressão atormentada. - Preciso ir ao caixa. Dentro da agência.

- O senhor é correntista? - Questionou o segurança. - Está com seu cartão do banco?

- Eu não sou correntista, - admitiu o homem - mas preciso de informação sobre um empréstimo. Preciso falar com alguém lá dentro, um gerente...

- Certo - assentiu o segurança. - O senhor tem algum comprovante de que é portador de deficiência?

- Como é? - O rosto do cadeirante contorceu-se.

- O senhor pode comprovar que é deficiente? - Insistiu o segurança, num tom calmo.

- Eu estou sentado numa cadeira de rodas, não estou? - Irritou-se o cadeirante.

- Certo. Mas isso não me garante que não pode andar - reiterou o segurança.

Alguns clientes no saguão estavam acompanhando o desenrolar da conversa. Um setentão de óculos escuros, jeito de militar aposentado, irritou-se com a cena:

- Ei, não vê que ele é cadeirante? Abra logo essa porta e deixe o homem entrar!

- O guarda só está fazendo o trabalho dele - atalhou uma mulher que segurava uma menina em uniforme escolar pela mão.

- Obrigado, senhora - o segurança tocou na aba do quepe em agradecimento pelo apoio.

E voltando-se para o cadeirante:

- Afinal, o senhor vai me apresentar algum documento, para que eu possa liberar a passagem? Um cartão de estacionamento, que seja?

O cadeirante, que parecia prestes a ter um ataque cardíaco, começou a desabotoar o paletó.

- Acho que agora você vai entender a minha pressa - declarou.

O segurança instintivamente levou a mão à coronha da arma, no coldre. Os outros clientes no saguão recuaram, apavorados. O cadeirante ficara de pé, e sob o paletó, usava o que pareciam ser várias bananas de dinamite ligadas a um relógio digital. Os números vermelhos, em contagem regressiva, marcavam 58 minutos.

* * *

- Homem-bomba com reféns, na agência do Banco Federal, Avenida 1º de Abril - anunciou o delegado Paranhos para os agentes disponíveis no salão da Central de Polícia. - Vão Munhoz e Correia, o esquadrão antibombas já chegou lá, a área está cercada pela polícia militar.

- Terrorismo? - Indagou o inspetor Francisco Munhoz, vestindo o blazer que estava nas costas da cadeira.

- Roubo a banco. O sujeito quer dez milhões em notas de duzentos para não explodir tudo.

- Tá delegado, mas e o esquadrão antibombas? - Questionou a inspetora Vera Correia, também levantando-se da frente do computador. - O meliante está armado?

- Está com uma pistola automática, mas disse que também é vítima, que o obrigaram a vestir um cinturão cheio de dinamite e se fingir de cadeirante. Se não levar os 10 milhões em... 35 minutos... a bomba explode e mata todo mundo dentro do banco.

- Inclusive nós que estamos indo pra lá - resmungou Munhoz, pegando as chaves de uma viatura no quadro do salão e rumando para o estacionamento com a parceira.

No caminho para a agência, que felizmente ficava próxima, sirene e giroscópios ligados, Munhoz ao volante maldizia a sua sorte.

- A gente devia ter ido naquela operação contra os caça-níqueis! Agora estamos arriscados a virar carne moída!

- Pare de dizer isso que eu ainda não almocei - repreendeu-o a parceira.

- Eu já perdi o apetite - declarou Munhoz.

Pararam com duas rodas sobre a calçada, a rua fechada por viaturas da polícia militar, um tenente chefiando os fardados.

- Como é que está a situação lá dentro? - Indagou a inspetora para o tenente.

- Quem estava no saguão saiu, doutora - disse o tenente, imaginando que Vera fosse delegada. - O homem-bomba está dentro da agência, com os reféns que sobraram.

- Muita gente? - Questionou Vera.

- Pelo menos uma dúzia, entre clientes e funcionários.

- E o pessoal do antibombas?

- Dentro do saguão, mas o homem-bomba não quer sair. Disse que se não deixar o dinheiro no local combinado antes do fim do prazo, as dinamites vão explodir. E se alguém tentar tirar o cinturão, também vão explodir.

- Então, não adianta esquadrão antibombas - ponderou a inspetora. E para Munhoz:

- Dez milhões é troco para o Banco Federal. Os caras têm seguro contra roubo.

- Troco de pinga - assentiu Munhoz.

- Vamos dar a esse cara o que ele quer - decidiu-se Vera, entrando no saguão da agência com Munhoz em seu encalço. Ela ergueu o distintivo para se identificar e mandou que o agente com a armadura antibomba saísse.

- Espere lá fora, o principal interessado não quer você por aqui - avisou.

- A senhora manda - disse aliviado o agente, saindo serelepe apesar dos 80 kg da roupa de proteção.

Vera aproximou-se da entrada lateral da porta giratória e sempre exibindo o distintivo, gritou para o homem-bomba:

- Estou desarmada, vim negociar. Quanto tempo temos?

- Vinte minutos - respondeu o homem, apontando para o relógio digital no peito, com o cano da pistola.

- Tá. Quem é o gerente? - Indagou Vera.

Um homem de cabelo grisalho ergueu-se de uma mesa.

- Sou eu, Sampaio, delegada.

- Sampaio, você pode abrir o cofre-forte e fornecer uns malotes para que o cavalheiro leve o dinheiro que veio buscar?

O gerente a encarou com surpresa, mas Vera nem esperou pela resposta e já estava falando com o homem-bomba:

- Em troca, o cavalheiro vai liberar todo mundo, exceto o gerente, pois vamos precisar dele para abrir o cofre?

Foi a vez do homem-bomba ficar indeciso. A inspetora apontou para o relógio digital:

- O tempo está se esgotando.

- Tá bem! - Exasperou-se o homem-bomba. - Sai todo mundo, menos a doutora delegada e o gerente.

Clientes e funcionários nem precisaram receber segunda ordem para correr para a porta lateral e fugirem o mais rápido que podiam da agência. Agora a sós com o homem-bomba, Vera e Sampaio foram acompanhados por este até a caixa-forte. Sob a mira da pistola, o gerente digitou um código num painel numérico, girou um manípulo, e a pesada porta de aço se abriu.

- Agora, vocês enchem os malotes - comandou o homem-bomba.

Obedientemente, a dupla obedeceu à ordem. Malotes cheios, caminharam em direção a entrada lateral, ainda aberta, Sampaio à frente. Vera esperou que o gerente passasse em segurança e fingiu que tropeçava; quando o homem-bomba aproximou-se para ajudá-la a erguer-se, ela girou o corpo e acertou um chute na arma, que voou longe. Mais do que depressa, ela passou pela entrada lateral e saiu correndo pelo saguão da agência. Ouviu tiros: era Munhoz, que estava atirando contra a porta lateral, mas o homem-bomba já a havia fechado e agora estava sozinho dentro da agência.

- Ei, onde você andou esse tempo todo? - Protestou a inspetora. - Eu tenho que resolver tudo sozinha?

- Apareci quando você precisava, não é? - Replicou Munhoz, puxando-a pelo braço para fora da agência. - Vamos logo, que essa coisa vai explodir!

- Vai nada - disse Vera, quando se viram do lado de fora, cercados por policiais militares. E para o tenente no comando:

- Aguarde mais uns quinze minutos, e se nada explodir, o esquadrão antibombas entra - determinou.

- Sim, doutora - anuiu o oficial.

Quinze minutos depois, passado o prazo fatal fornecido pelo homem-bomba, nem sinal de explosão. O agente de armadura entrou na agência e voltou pouco depois, anunciando que o homem-bomba não estava visível.

- Onde diabos ele se enfiou? - Questionou Vera.

O homem só foi localizado meia hora depois - escondido dentro da caixa-forte.

- Você é louco - disse o gerente ao reabrir o cofre. - Podia ter morrido sufocado!

- Sufocado sim, mas de explosão não - comentou Vera. - Essas dinamites não são de verdade, né?

- Nem a pistola - admitiu o homem-bomba. - Pensei que ia conseguir fazer o assalto só pelo medo da bomba.

- A mim não convenceu, mas o meu parceiro quase me deixou na mão - ironizou a inspetora.

- Eu só estava esperando o melhor momento para agir - defendeu-se Munhoz.

- Conta isso pro Paranhos - disse Vera, dando uma palmada nas costas do parceiro.

- [25-03-2024]