O Quinto Homem - Parte 4

26 de maio Noite 22:20 hs:

Chegou em Concórdia e foi direto para um pequeno hotel.

Depois de tomar um bom banho fresco, sai do chuveiro com uma toalha enrolada na cintura. Pega um litro de vinho nacional, olha o rótulo, "o legítimo Sangue de Boi".

Ainda de toalha, caminha até a beirada da cama, pensativo passa a mão pela testa e revê a camioneta que tentou lhe tirar fora da estrada.

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Vinha perto de Balneário Camboriú, além de Itapema, na Br 101, próximo ao Km 192; a chuva fina no retrovisor o impedia de ver com nitidez o que acontecia lá atrás e no pára-brisas a visão era quase nula , por isso dirigia com atenção redobrada, quando no auge da curva, na descida; uma Pajero se jogou em cima do gol, quase o tirando da estrada, e jogando-o para o acostamento;

No ínicio pensou que se tratava de um simples e comum acidente. Controlou o veículo a muito custo e quando se recobrou do susto, conseguiu ver, no retrovisor, o carro seguindo-o.

Logo o veículo o atacou novamente, dessa vez na traseira. O gol deu um arranco; Marcelo quase bateu a cabeça no pára-brisas; Por um certo tempo pensou ter desmaiado, isso não foi mais que segundos. Então ergueu os olhos e por reflexo pisou fundo. O carro pareceu ganhar força extra e saltou ferozmente adiante. Imaginou que tinha deixado para trás a Pajero, porém logo o cantar dos pneus lhe dissera o contrário; Quem quer que estivesse dirigindo parecia louco, queria elimina-lo a qualquer custo. Se colocou lado a lado com o gol de Marcelo, ocupando a pista contrária da Br, fazendo os outros veículos a irem para o acostamento.

Um choque na lateral. Outro. O gol sai da pista.

Marcelo usa de toda força e evita um barranco, em seguida volta a pista.

Quando entra na última curva da descida, um ônibus vem em sentido contrário e obriga a Pajero a voltar a sua pista.

Marcelo está suando frio. Tira o chapéu e o joga no banco traseiro.

A Pajero retoma a pista da contramão e inicia outra seqüência de golpes no gol, mais uma outra carga de golpes e o carro será jogado fora da pista, numa ribanceira de quase duzentos metros.

Marcelo já pensa no pior, quando uma scania surge na curva, a Pajero tenta escapar cantando os pneus, mas é arrastada. Os pneus frigem na pista, mas é inútil.

Vê no espelho retrovisor, a Pajero ser atirada para fora da pista e tombar no barranco;

Pisa fundo ao mesmo tempo em que respira aliviado.

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Madrugada 27 de Maio 03:00 Hs

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Acorda com barulho de vozes no corredor. Coloca uma camiseta, um par de chinelos e de calção sai para ver o que aconteceu.

Um casal de velhos reclama, em italiano, com um afoito casal que, provavelmente, deduz Marcelo, estavam fazendo exercícios nada silenciosos.

Antes de sair do quarto, para ver de perto o motivo do barulho, resolve voltar para dentro, para pegar o chapéu. Nesse momento é surpreendido por uma pancada na nuca.

---- Ai!!

Ao cair ainda consegue ver algo brilhando no escuro.

Parecia uma estrela.

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--- Aiii! - acorda gritando de dor - Aii !-- Droga !!-- olha ao redor de si: Quatro pessoas desconhecidas, que falam sem parar. Ele não consegue entender o que diziam.

--- Que foi ? O que aconteceu? --- Só então se dá conta de que está na cama.

--- Ai ! Como é?! Ninguém sabe falar? - escora-se na guarda da cama - Parem com isso !! - grita quando os velhos italianos começam a falar.

--- Não grite senhor, é falta de educação e ninguém aqui é surdo ! - responde um rapaz alto e magro.

Reconheceu-o. A todos. Eles estavam no corredor do hotel.

O corredor !

A pancada na cabeça ! !

Tornou a olhar ao redor. Tudo revirado na quarto. Suas roupas foram retiradas da mala, e estavam Jogadas no chão! O quarto estava uma bagunça geral.

--- Não sabemos quem foi! Estávamos no corredor, conversando, quando ele, - apontou o Sr. de idade - o Sr. Benvenutti, viu a luz do seu quarto acesa. Ficamos intrigados. -- começou a explicar o rapaz.

--- Ela, - olhou em direção à jovem -- veio correndo para ver se o Sr. era um desses, ... desses .... sabe né ... tarados, é que ela tem gênio forte sabe?! Daí quando ela abriu a porta descobriu seu corpo no chão. - pareciam preocupados não com ele, mas com alguma coisa, poderia ser por ele tê-los visto discutindo. - O Sr. está bem?

--- Sim estou !Muito obrigado Sr. ... ?

--- Dallelaste, Milton Dallelaste, ao seu dispor. Trabalho na Sadia e viemos nos divertir um pouco. - olhou para a moça, que abaixou a cabeça. - O hotel é do filho deles, - referindo-se aos velhos - O que estava na portaria.

--- Quer que chame a polícia Sr. ... ? - falou esperando sua identificação.

--- Não obrigado ! Eu me viro! - olhou para o casal de velho e levantou-se.

--- Está tudo Bem ! -- Tuti bene ! ----- tentou improvisar um italiano, que fez a velha sem dentes sorrir. Andou até onde suas roupas estavam jogadas. Revirou os bolsos da calça.

--- Não se preocupem. Não me levaram nada. Logo estarei bem.

Levou-os até a porta.

--- Não digam nada ao gerente. Acho que foi um desses moleques de rua. Em Florianópolis tem muitos desses.

Fechou a porta.

Deitou-se.

Tenta pegar no sono mas a dor da pancada ainda é forte. Olha no relógio: 4:20 da manhã. Logo amanhecerá , pensa. O que acontecerá agora?

Desde que saiu de Floripa é a segunda vez que tentam lhe matar.

De repente um estalo. ! O livro!!!

O livro!!!!

Pulou da cama e em meio a bagunça achou a pasta.

Aberta! Nada dentro! E o livro? Cadê o livro?

Começa a procurar em meio às roupas e coisas no chão.

Nada!

Não é possível!1 Eles levaram o livro.

Quase o mataram por causa do maldito livro! Sorriu ligeiramente, mas logo tornou-se sério.

Um arrepio lhe correu a espinha.

O livro podia ser a chave de tudo.

E com certeza quando descobrissem que o livro que levaram era o que o Padre lhe dera emprestado, a frustração faria essas pessoas se tornarem mais perigosas ainda.

Sim, pois era quase certo que queriam o livrinho do velho.

Um livro que poderia conter a chave do mistério.

Começou a lembrar o que o Padre lhe dissera; "As páginas arrancadas devem conter nomes, pelo qual pude entender, de pessoas que freqüentam a casa do velho. Ele conhecia antigas fórmulas de ervas e plantas. Era um profundo conhecedor dos segredos da natureza. Por isso as ervas, os livros antigos, era o que antigamente o chamariam de bruxo, feiticeiro, quer dizer, um curandeiro, um Druida. Em outra parte ele diz que está contente com um aprendiz. Reclama que não tenha tido um filho ou filha assim. Mas reclama da ausência deste aprendiz nas reuniões. O código não é tão claro e fácil de interpretar. Fala também de pequenos sacrifícios de animais para a manutenção da ordem na casa. Ajuntando isso ao que você me falou, imagino eu que alguém estava com ele, um pouco antes de sua morte; por isso os dois pires na pia. Provavelmente na pressa lavou a xícara e esqueceu de lavar o pires. Não sei se estou certo, talvez o laudo do legista confirme minhas suspeitas se disser que foi ataque cardíaco. Acho que ele foi envenenado, com suas próprias ervas e quem fez isso certamente conhecia o que estava fazendo, pois colocou ervas aromáticas para tirar os curiosos de perto.-- e disse em tom enfático.-- Se sabe rezar meu rapaz, é bom começar; pois o perigo pode ser maior que o imaginado. Faça com o coração tudo o que fizer, peça com fé e conseguirá obter sucesso."

No momento em que estas palavras foram ditas não imaginava o quão proféticas seriam.

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28 de maio 9:30 da manhã

O gol desliza pela estrada de acesso a Itá . Marcelo está tenso.

A vista é muito bonita. É uma região de escarpas. Onde o verde predomina com pequenas propriedades rurais.

Logo vê uma placa indicando a proximidade. Dois quilômetros

Já avista a cidade velha. Conversando com o rapaz da lanchonete do hotel de Concórdia ficou conhecendo um pouco sobre a história de Itá . O rapaz era Itaense de nascimento e sua família ainda morava ali, mas ele fazia faculdade em concórdia e então se mudara para lá. A cidade se dividia em Cidade Nova e Cidade Velha.

Itá era fruto de colonização italiana e alemã. Por volta de 1919 três famílias pioneiras chegaram e construíram um vilarejo na divisa de Santa Catarina com Rio grande do sul, ás margens do rio Uruguai. Essas famílias eram; os Schauble, Bernardi e Paludo. Derrubaram matas e construíram piquetes e estradas. A economia inicial era baseada na madeira que era comercializada através de balsas pelo rio Uruguai até a Argentina. Mas a maioria das vezes jogavam as toras de lenha no rio e deixavam a corrente levar a madeira, sendo que seguiam eles mesmos em cima de toras, para conseguir fazer com que chegassem ao destino. Um Colonizador chamado Luiz Campos deu o nome ao local de Itá , que em Tupi-Guarani, significa Pedra, devido a dificuldade de se praticar a agricultura no terreno, acidentado e cheio de pedras. Em 1924 Itá passou a Distrito, pertencente ao município de Cruzeiro, hoje chamado Joaçaba. E em 1956 foi elevado a categoria de Município.

Faz uma curva e frea instintivamente, para apreciar a vista. Lá embaixo, centenas de casarões, casas antigas; e também construções modernas, onde o que mais se destaca é a torre da igreja .

Uma pena. Logo a água tudo cobrirá . Quer dizer, quase tudo. Este pensamento o faz ficar um pouco triste.

Lembranças. Seu velho hobby.

Entra de volta ao carro, pega sua máquina fotográfica quando começa a tirar uma série de fotos. Um veículo passa por ele.

O céu está escurecendo rapidamente.

Logo as primeiras gotas lhe tiram o ânimo para descer até a cidade velha.

Entra no carro no exato momento em que um trovão ribomba nos céus, não muito longe dali. Achou o barulho estranho. Parecia até um tiro. Devia ser algum caçador.

Segue direto para a sede da Eletrosul.

10:20

Carla Koenrichin não era exatamente o que Marcelo esperava encontrar em uma pequena cidade do interior.

Era de uma beleza exótica. E muito charmosa.

Morena, 1,75 m., cabelos pretos cacheados caídos ao longo do corpo longilinio, olhos castanhos, e lábios sensualmente carnudos. Seu corpo era todo sensualidade.

Aparentava uns 24 anos, talvez menos.

O sorriso dela acabou com a tensão que até Então o dominava.

--- Quer dizer que o Sr. veio de Florianópolis para falar comigo? - ela sorri novamente --- E o que eu devo lhe dizer de tão importante Sr. ...?

Sentou-se na poltrona, de frente para Marcelo.

Colocou um cigarro nos lábios . Deu uma tragada. No filtro ficou o batom.

Cruzou as pernas perfeitas e morenas.

Quando Xamã lhe deixou o recado, nunca esperava encontrar em um lugar tão retirado quanto aquele, uma moça tão bonita. E já começava a ficar meio empertigado em frente a ela. Incomodava tamanha beleza a apenas dois passos e não poder melhor apreciar. Seus olhos a observavam milimétricamente, cada gesto, cada palavra pronunciada, sua pele acetinada de cor marrom. ...Tinha que colocar a cabeça no lugar. Tratar de algo sério não era nada bom quando o cérebro não ajuda. Já passara por algumas situações difíceis devido a esse seu comportamento frente a belas mulheres, e as vezes nem tão belas quanto essa que estava a sua frente.

---- Marcelo, claro que tenho sobrenome, mas me chame só de Marcelo que eu entendo! Na verdade não sei o que a Senhora tem para me dizer. O que acontece é que eu recebi um recado onde dizia que deveria lhe encontrar e que a Senhora teria algo de importante para me contar, o que é, não sei, mas com certeza, trata-se de algo relacionado com o caso que estou tratando no momento. Por isso se a Senhora dispuser de alguns minutos eu poderia, de repente, descobrir o que tens de tão importante para me dizer.-- Marcelo se ajeitou na poltrona, estendendo os braços por sobre os joelhos. Observou a reação dela. Nenhuma. Na verdade ela estava era tentando esconder um sorriso que forçava seu rosto.

---- Primeiro deixe-me lhe esclarecer que aqui não tem nenhuma Senhora! Ainda não encontrei o homem certo. Algumas vezes cheguei a pensar que o tinha comigo, na manhã seguinte descobri que fora pura ilusão. - agora era Marcelo que sorria.- Na verdade eu não sei do que você está falando! Não entendi nada! Será que poderia ser mais objetivo?

---- Bem, conforme lhe disse eu precisaria de uns minutos para conversar e não acho que esse é o lugar ideal!- ela lhe deixava nervoso com aquele ar de pura sensualidade que exalava.-- Sou um detetive, não desses de filmes, mas de carne e osso, e portanto muitas coisas nem eu sei direito como fazer, e esse é um desses momentos.

---- Bom, então... -- o telefone toca. Ela levanta e vai atendê-lo. Seu levantar da poltrona deixou Marcelo mais embasbacado do que já estava. O descruzar de pernas foi um verdadeiro show que muitos pagariam para ver.

Ela demorou uns dois minutos no telefone. Logo tornou-se a sentar. Acendeu outro cigarro.

---- Por favor me desculpe. Continue, sim?

---- como eu estava dizendo, Xamã, meu sócio no escritório, sumiu coisa de uns três dias atrás, não deu nenhuma noticia, Então marcou um encontro comigo, na verdade eu já estava puto com ele, e foi no local deste encontro que tudo começou. Ou seja encontrei um cadáver no local indicado por ele, e depois de muita confusão ele me deixou um recado para vir até aqui para falar com a Senhora, quer dizer, você. -- começou -- Desde que saí de Floripa, por duas vezes tentaram me matar, ou quem sabe, me impedir de chegar até aqui. Então eu me pergunto, porquê? O que você tem de tão importante para dizer a mim? Ou o que tem de tão importante esse caso? -- olhou nos olhos dela. Olhos negros. Fundos.

.... continua...