O Poeta das Galáxias

René , ou o POETA das GALÁXIAS

René deitou os cabelos prateados no encosto do avião que de Nova York decola para Riocomprido. O tempo de trajeto para ele vai ser longo e difícil -pensa- ,pois desde que implantaram um chip para que pudesse escutar novamente,pois era surdo, tudo mudou em sua vida. Escutava explosões como esta das turbinas do avião ao tomar o trajeto do lar e da mulher amada.

Foram anos a fio de tortura para ele, sendo musico, não poder escutar um som sequer. Refugiou se na poesia na época para poder sobreviver e encontrou na poesia a sua verdade. Quis a sorte que o levassem meio a fôrça para passar férias em Rochas Salgadas onde conheceu Silvia Simone. Nunca tinha sentido música entrando pelos olhos, sentiu quando a olhou . Foi música no olhar desde a primeira vez em que a enxergou.. E mais, quando ela soube do seu problema procurou os amigos, o Alex, o Jacques, o Felipe e levantou fundos para que ele fizesse a cirurgia. Ao chegar em Nova York não acreditava que teria sucesso. Viveu na escuridão, sem escutar anos a fio, tendo como cotidiano o silencio eterno, infinito. Súbito, abrupto, o som chegando por todos os lados, por todos os seus poros e entrando orelhas adentro, lambendo os tímpanos.

Chegou a pensar que fosse enlouquecer. Agora se adaptava e o futuro se estendia, apontando para um casamento com uma mulher adorável e boníssima. René queria ter muitos filhos com ela. Crianças a correr, a brincar pela casa, a escutar a música da vida, a mesma música que após o seu acidente lhe foi negada durante vinte anos.

Cantarolou um poema sorridente ao pensar em Silvia Simone quando lhe disse que somente firmava compromisso com ela depois de a escutar e dizer meu amor. Abriu o Lap top e mandou em um E –mail,um poema seu, para o celular de Silvia em Rochas Salgadas. No poema agradecia ao Sinhô, como o chamavam os nativos de Rochas Salgadas, por tudo o que estava lhe dando pois, se no passado perdeu 20 anos de vida, no presente estava ganhando uma linda mulher, quase uma deusa, a sua deusa, mais amigos, e a faculdade de escutar e portanto voltar a criar música. E René, conhecido no passado como o Poeta Triste em Riocomprido, um homem quieto , discreto e sofrido ,perdeu a timidez,se levantou em pleno corredor do avião em meio às nuvens e, tomado de grande emoção, enquanto o avião flanava,voava,declamou para passageiros e uma tripulação atônitos:

A Benção Sinhô

A Benção Sinhô lá prás bandas do ano dois mil!

E que não seja o fim do mundo!

Deus te abençoe peão,

que sai pelas madrugadas frias ,

geladas ,a laçar gado,

a buscar ovelhas desgarradas,

contando causos , chimarrão na mão,

discursos nas rodas da peonada.,

em teu trajeto pelas veredas,

picadas, cochilhas ,

e agora nesta nossa nova trilha.

Deus te abençoe jangadeiro ,

quando dia a dia, matreiro enfrentas o mar bravio,

frágil barca ,jangada,

teu corpo suado, tuas mãos calejadas.

Deus te abençoe baiana do vestido branco,

rodeada de acarajés,

com todos os teus santos,

teus cantos, teu gingado e mais teu requebrado.

Deus te abençoe ,Cristo,

pois vem de teus braços o abraço,

o aviso estendido,

que guarda a beleza da nossa natureza.

Tua benção, Sinhô,

para todas as cidades,

reservas, vilas, povoados, favelas,

e para os verdes brasileiros,

viveiros, espalhados em tons variados,

e mais o dom do azul, o som rebolado,

o canto , o samba do nosso oceano.

Deus nos abençoe em versos pelos céus de todos os universos!

A benção, Sinhôzinho, lá prás bandas do ano dois mil?.

Silvia Simone passava à beira-mar seus últimos dias de mulher iluminada. Tinha feito a opção de casar com René e casando perdia seus poderes mágicos,encantados, seria uma mulher como as outras. Pensa nisto quando o celular chama. Silvia abre a mensagem postada no pequeno telefone. Dizia que René estava escutando e estava decolando para a vida e para ela..

Silvia Simone, a Sereia de Olhos Encantados, começa a perder seus poderes quando teme, como qualquer mulher, que algo ocorra ao avião durante a viagem. Levanta o olhar para uma enorme nuvem em forma de asa de anjo e sopra o vento. Sopra o vento com tanta força que a nuvem se desloca em uma velocidade maior que aquela da luz e se oferece, como um enorme berço para um avião que vem de Nova York rumo a Riocomprido trazendo entre os passageiros um homem, um grande Poeta ,que no passado quando desesperado poetava para as galáxias, foi escutado e atendido por Simone a mulher encantada como a chamam os nativos de Rochas Salgadas.

suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 30/05/2008
Reeditado em 28/06/2008
Código do texto: T1011632
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