TOC TOC - O vizinho

Tudo encoberto

só neblina

não se vê o outro lado

Que outro lado você quer ver?

Ela chegou. Sentado na cozinha minúscula, eu esperava. Remexi sem esperança esses sacos de lixo que me rodeiam. Como um invisível me pus ao pé da janela, esperando um som, um sussurro, uma fala ou algo que me trouxesse à vida; mas nesse dia, ela era tão morta como sempre fui. De certo, ela iria ao banheiro, eu ficaria ouvindo seu mijo jorrar na privada e depois ela abriria uma lata de cerveja e o barulho de um isqueiro acendendo seu cigarro. E uma música. Mas nessa noite não. Coloquei mais uma vez um saco de lixo na lixeira... tirei... coloquei novamente... não... ela não poderia fazer isso... me deixar sozinho...

Ela colocou uma música. Sei que nessa hora, ela vai abrir uma cerveja. Dois minutos... ela no banheiro. Não vejo, ouço e me faço notar... amasso cada vez mais forte os sacos plásticos que acumulei.... ela está atenta e me escuta. Eu sei.

Os dias passam e a única presença é a dela.

Um dia, ela chega com outro.

Tento fugir e esquecer os sons, sem amassar plásticos, mas ligando o chuveiro, com um balde embaixo ..... para que não fosse tão pontiagudo também o som da água canivete tocando o chão, para que não ferisse mais do que já feriu.

Sei que ele já foi embora quando ela começa a digitar. O som do teclado me nina e tudo volta ao normal. Estou em paz... ela também ocupa as mãos.

(Teresópolis - 2006)