O encontro do Poeta da Noite com o Vampiro Solitário

A noite é fascinante... Poder contemplar as estrelas, ver o luar dos apaixonados, casais andando pelas ruas, trocando juras de amor eternas.

Antes de tudo, sou um poeta; não qualquer poeta, do tipo amador, que se arrisca a fazer versos medíocres rimados, sou um poeta da noite, influenciado pelos poderes que a escuridão exerce sobre as criaturas, e é a esse poder que me entrego ao escrever minhas obras poéticas, belas, perfeitas. Faço fluir do meu âmago cada palavra, tornando-as únicas e incomparáveis.

Mas também sou um poeta solitário. Preciso encontrar meu verdadeiro amor, para tornar-me o mais perfeito dos poetas. Minha inspiração tem sido a solidão, que me toma neste momento, contido em meu pequeno aposento. Olhando pela janela, posso sentir que alguém me procura. O céu, as nuvens negras, a Lua cheia, mostram-me que em algum lugar está o ser que me trará aquilo que busquei por tanto tempo.

Aproveito este momento para discorrer breves palavras sobre a criatura que mais me fascina: o vampiro, ser da noite, imortal, poderoso e forte, seu olhar é capaz de penetrar na alma de qualquer ser humano, assim como seu amor eterno pode incandescer uma chama no mais solitário dos corações e, com suas presas cravadas no pescoço de sua vítima, esse amor pode tornar-se eterno. As eras vão se passando, e eles continuarão vivos, belos e ainda fortes para sobreviverem por séculos e mais séculos. Será que eu seria capaz de suportar tamanho amor por tanto tempo? Se eu pudesse, arriscaria me atirar nos braços do mais belo de todos eles, deixaria ser tomado em seus braços, e depois de um longo beijo, entregar-me para o destino e ter fluindo em minhas veias o poder da vida eterna. Não, isso é devaneio, sonho, loucura minha. Que ser da noite desejaria um mero mortal ao seu lado pela eternidade, sendo que tantas dessas criaturas vagam por aí? Tolices de um coração solitário.

- Talvez possas ter teu desejo realizado.

- Quem és tu?

- Sou conhecido como o Vampiro Solitário. Há séculos vago por esta terra, lançado na escuridão da morte e da solidão. E durante dias, paro em sua janela para apreciar as mais belas palavras que alguém poderia proclamar com tanta graça.

- Pensei que vocês, seres da noite, jamais se encantassem por meros mortais.

- Aí é que tu se enganas, jovem poeta. Chega uma hora em toda uma existência que tu sentes a falta de um consorte para acompanhar-te em tua jornada pela morte. Uma ironia do destino, viver morto para encontrar um alguém que o faça sentir vivo. Engraçado, não? Pois um ser como eu, forte, poderoso, belo, poderia ter aos meus pés qualquer mortal como tu, mas não... Já tive todos os seres que podes imaginar aos meus pés, mas nenhum que tornasse minha morte digna de ser vivida.

- Entendo quão difícil deva ser uma existência sem amor, sem alguém para compartilhá-la.

- Não sabes, jovem poeta. Para se conhecer o bem, deve-se conhecer o mal, pois então, o destino se torna irônico mais uma vez, e assim poderia definir minha existência como sendo uma eterna ironia.

- E posso saber por que estás aqui a me fazer tais revelações?

- Talvez haja um motivo maior do que tua mente possa ir, meu jovem. Pode parecer uma piada para ti, mas como mencionei anteriormente, tuas palavras soam como uma melodia para meus ouvidos. Tu foste o primeiro mortal que conseguiu me fascinar. Não digo que foi um grande fascínio, pois sou uma criatura fascinante por minha própria natureza. Não me encanto pelos outros, os outros que são encantados pela minha beleza. É estranho o que sinto por ti, é algo novo em mim.

- Talvez tenhas encontrado o consorte que tanto procuraste em tua vida inteira.

- Seria muito sofrimento.

- E por quê? Não poderia tornar tua morte mais digna de ser vivida, ao lado de um alguém que, assim como tu, está buscando um sentido pra continuar vivendo?

- Falas com o coração do jovem que és, mas não com a sabedoria de uma pessoa vivida, não sabes nada sobre amor, solidão, sofrimento.

- Sei mais do que pensas. Meu mundo tem sido a solidão e meu consolo é apreciar a Lua cheia, que olha para mim com pena de ver-me sofrendo por não existir um alguém a quem direcionar minhas palavras. Proclamo os poemas para as paredes, que me acolhem com a mesma pena que a Lua sente.

- Pois continue a proclamá-los para as paredes, se assim queres. Foi perda de tempo achar que tu serias ao menos capaz de reconhecer o que estou fazendo aqui, mas como disse, ainda és jovem e não percebes.

- Percebo com tanta clareza, que tua beleza não é como um feitiço, que depois fará com que eu acorde sem me recordar de cada palavra desse momento. Tua beleza me fascina naturalmente, desejo que tu me tome em teus braços e me aqueça com teu beijo incandescente, abrasando meu coração e acendendo a chama em meu peito. Sentias que alguém me procurava, só não sabias quem seria tal criatura. Desejo dedicar meus poemas eternamente a ti, eles irão morrer e renascer, como a Fênix, para que minha vida tenha algum sentido.

- Todo esse jogo de sedução não seria suficiente para convencer-me que tu és digno de ser meu eterno consorte.

- Se isso não é suficiente, talvez deva me deixar neste momento e continuar tua existência sem sentido, sem a vida que busca na morte. Tu que não mereces um poeta como eu, que se entregaria de corpo e alma para tu.

- Tu és ousado, meu jovem. Arriscaria mergulhar na morte para ter um amor? Tu tens coragem, mas ao mesmo tempo és tolo, se achas que faria alguma coisa para tornar-te igual a mim.

- Não faças nada então e retire-se, deixarei de proclamar meus poemas, se isto tanto te incomoda. Eu os escreverei e os guardarei depois de lê-los só para meu deleite.

- Achas que cairei neste jogo de sedução?

- E por que não se retiras então? Só não sei quem aqui está jogando mais.

- Como ousas falar assim comigo, como se eu fosse qualquer um?

- Sou um mero poeta que conseguiu ir além do escudo gélido que cobria teu coração nesta morte sombria e apenas peço por teu amor. Já que tu recusas, não vou querer sofrer, se bem que já estou sentindo doer em meu peito, viver sem ti.

Um silêncio cai sobre o pequeno apartamento, trocamos olhares profundos e penetrantes, como se mergulhássemos um na alma do outro e víssemos que em nossos corações uma chama se acendeu. Por mais frio e gélido que meu amado vampiro se sentia, eu realmente consegui fasciná-lo tanto quanto eu o estava. Ambos estavam apaixonados, mas tínhamos certo receio de assumir os riscos. Eu me levanto, caminho em sua direção, parando em sua frente e digo, olhando em seus olhos:

- Então?...

- Então o quê?

- Tu sabes o que deves fazer comigo.

- Deixaste-me confuso, estou a refletir se o que queres vale a pena eu te dar.

Sussurro em seu ouvido:

- Sabes que eu estou preparado para entregar-me a ti.

O vampiro, delirando com aquelas palavras, olha para mim, aproxima-se e, com um beijo ardente, toma-me em seus braços fortes, como sempre sonhei, e nesse momento, o tempo e o espaço param. Sinto-me flutuando no teto de meu humilde apartamento, beijando e amando como meus sonhos um dia permitiram.

Descendo ao chão, o belo vampiro diz:

- Confesso-te que, pela primeira vez em séculos, senti arder em mim uma chama... nunca senti tal sensação antes.

- Eu também confesso-te que és tu quem eu esperei por uma vida inteira. Tu também acendeste em mim a chama do verdadeiro amor.

- Preciso saber se agora estás preparado.

- Sempre estive, só esperava encontrá-lo para que pudesse viver eternamente ao teu lado.

Com estas palavras, o vampiro fez crescer seus dentes e seus olhos passaram de azuis profundos para verde-claros, quase brancos. Eu, já em estado de êxtase, inclino minha cabeça para a direita e viro-me de costas para o vampiro. Fecho os olhos e preparo-me para tornar-me um eterno ser da noite.

Finalmente, cravou seus dentes em mim. Senti uma onda de prazer pelo meu corpo, e sei que ele também sentiu a mesma coisa. Neste momento, o amor cresce em nossos corações e, definitivamente, estamos ligados para sempre. Depois de morder-me, só me lembro de ter caído em um profundo sono, talvez desmaio.

Vim a saber depois, que cai nos braços de meu eterno amor, e que ele me levou para a cama, deitou-me e cobriu-me com uma manta. Depois que acordei, vi que ele havia se deitado ao meu lado, segurando minha mão e adormeceu um pouco antes do cair do dia.

Tempos depois, fomos morar em um mausoléu localizado na capital da Inglaterra, Londres. Meus poemas agora são sobre amores eternos e também juras de amor, dedicadas especialmente ao meu amado, que encontrou um sentido na morte para viver, dando sentido a minha existência. Como ele mesmo diria “uma ironia do destino, encontrar a felicidade de viver na tristeza de morrer”.

Gu Oliveira
Enviado por Gu Oliveira em 21/08/2008
Reeditado em 16/09/2008
Código do texto: T1138850
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