Uma experiência extra-sensorial

(Essa experíência que relato aqui, aconteceu de verdade. Estou postando entre os Contos Surreais, porque me pareceu o lugar mais adequado, entre os que se me apresentaram)

Ele entrou no apartamento onde morava, que era uma "república" de estudantes, por volta das 13 horas, vindo da faculdade e, morto de fome, como sempre, pois acordava mais tarde do que deveria, não tendo por isso, tempo para tomar o seu café da manhã.

Dona Júlia, uma nordestina que fumava cachimbo e, já passada dos sessenta anos, era a doméstica que os serviam, a ele e a seus três primos, com os quais repartia aquele espaço.

Rapidamente ela pôs à mesa, sabendo perfeitamente da fome que o consumia...

Depois daquela refeição relativamente frugal, por absoluta falta de recursos que pudessem incrementá-la com quitutes mais variados,

Sombra resolveu fazer um repouso, antes de se dedicar às tarefas escolares, tendo em vista os exames bimestrais que se aproximavam.

Estamos falando do ano de 1968, período altamente politizado da história estudantil brasileira, mês de maio mais precisamente.

Nenhum de seus primos estava no apartamento, coisa que não era muito comum.

Deitado de costas em sua cama, Sombra tentava encaixar um cochilo, mas seus pensamentos, que naquele momento eram muitos, não lhe permitia. Foi quando, de repente, sentiu uma friagem chegando-lhe pelas costas, que, curiosamente, estavam em contato com o colchão. Sombra pensou então que aquele colchão deveria estar furado para que ele estivesse sentindo frio justamente nas costas.

Se fosse na barriga que estava em contato com o ar, seria justificável, mas, nas costas...?

Muitíssimo incomodado com aquilo e, apesar de um certo cansaço que lhe acometia, resolveu olhar para o colchão tentando descobrir se havia algum furo.

Quando ele manifestou -mentalmente- a intenção de se virar, imediata e milagrosamente, o ato já estava feito.

Sombra virou-se para baixo e lá, enxergou o seu corpo deitado na cama, a uma distancia de mais ou menos meio metro do outro corpo, que estava flutuando, deitado como o de baixo e que na verdade continha toda a sua consciência. Para ser mais exato, não houve nenhum movimento de virar-se para olhar. O seu desejo foi simplesmente satisfeito, sem nenhum esforço.

Foi depois disso que ele teve uma série de experiências visuais, como se aquele corpo não tivesse própriamente olhos, mas mesmo assim, possuisse a capacidade de "ver" a partir de qualquer ponto, como se o corpo todo "Visse e se Visse".

Ele não saberia dizer por quanto tempo ficou ali parado, flutuando, mas aos poucos, sem que ele tivesse nenhum controle sobre o processo, começou a se movimentar em torno do corpo que havia ficado deitado sobre a cama. Passou por ele e, entrando embaixo, viu as molas, que naquele tempo eram comuns em todas as camas, até que, continuando, chegou perto da parede.

Nesse momento ocorreu-lhe o seguinte pensamento: " Agora tenho que voltar pois a parede me impedirá de continuar". Mas, como se a parede não existisse e o seu pensamento não fizesse a menor diferença, penetrou no espaço onde estava erguida a parede, subindo por ela ou por dentro dela, voltando para o lugar de onde havia saído, ou seja, sobre o corpo que estava deitado na cama.

Em seguida, o corpo que possuia toda a consciência começou um novo processo que eu chamaria de "aterrissagem corporal", pois, a medida que ia se aproximando do corpo deitado na cama, formava-se uma espécie de vento por baixo, que lhe pareceu, ter a função de amortecer a queda iminente, dentro do outro corpo. Ou seria melhor dizer:- O encaixe dentro do outro corpo...

Para deixar mais clara essa imagem, seria como um foguete que vemos em filmes de ficção científica, soltando aquele jato de fumaça, para propiciar uma aterrissagem suave.

No momento exato em que, aquele encontro de corpos, de naturezas completamente diferentes -como me pareceu- iria acontecer, uma porta se fechou violentamente no apartamento, fazendo com que o corpo fisíco, vamos dizer assim, fizesse um movimento involuntário com a perna direita, de contração e alongamento, parecido com um chute, finalizando dessa forma o processo.

Sombra viu-se integrado novamente ao seu corpo, mas com um pequeno problema a ser resolvido, nada se mexia, somente os seus olhos.

Até aquele momento, Sombra havia conseguido ficar calmo e tranquilo durante todo o tempo, mas depois disso, começou a sentir um grande pavor de que algum primo seu chegasse e tentasse puxar conversa.

Respirou fundo para se acalmar e pensou no que poderia fazer para sair daquele adormecimento, que lhe tirava os movimentos completamente.

Sem falar de alguns pensamentos que lhe ocorriam como, por exemplo, estar definitivamente paralizado, piorando sobremaneira o seu estado emocional.

Fez então um esforço hercúleo, para, pelo menos mexer o dedo mindinho de sua mão direita e, depois de um longo tempo, conseguiu atingir o seu intento, fazendo despertar em seguida sua mão e o seu braço direito, quase que automaticamente, trazendo-o para sua nuca e puxando sua cabeça para frente, instintivamente.

Foi quando o seu corpo voltou completamente ao normal, para seu grande alívio e felicidade, mas, trazendo junto consigo uma dor de cabeça que ele jamais havia sentido, que não lhe permitia ficar de pé. Teve então que se deitar e dormir por uma hora, aproximadamente, acordando então completamente restabelecido.

Essa experíência trouxe para Sombra, muito além das crenças, a certeza que nós não somos somente um corpo.

A certeza que existia pelo menos mais um corpo e, talvez existissem outros mais que ele, infelizmente, não teve a felicidade de conhecer.

Os mistérios da natureza humana continuavam tão insondáveis como sempre foram, mas uma pista lhe fora deixada, criando dentro dele a certeza de que existe uma força enorme dentro de todos os seres humanos, que pode ajudar muito na construção do destino de cada um de nós ou pelo menos na resolução dos problemas que enfrentamos, constantemente, ao percorrermos essa coisa fantástica chamada vida.

Ficou-lhe portanto a fé, que, diferente das crenças, nasce de dentro para fora...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 07/09/2008
Código do texto: T1166394
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