Luzes Mortas

Acordei.

Debrucei sobre a cama para checar o despertador.

Sempre acordava antes dele.

Na verdade eu nunca dormia.

Oito horas da manhã.

Levantei.

Abri as cortinas para deixar a lua entrar.

Sim, a lua.

Já faz um tempo desde que o meu sol se foi.

Dei uma boa olhada pela janela.

Respirei o ar da noite. Do escuro.

A minha luz também não existe mais.

Fui até o banheiro, liguei a torneira quente e tomei um banho frio.

A água que escorre de mim é sangue.

Me enxuguei para ficar sujo.

Abri o armário, olhei todas as roupas.

Todas as cores disponíveis.

Vesti uma peça de cada cor.

Camisa preta, calça preta, meias e roupas íntimas pretas.

Saí de casa, ao trabalho.

Parei no ponto de ônibus.

Muitos monstros. Me observando minuciosamente.

Me devorando com o olhar.

De todos os tipos e formas. Mas todos da mesma cor.

Preto.

Fiz sinal para o ônibus. Tentei fugir.

Mas muitos deles entraram também.

Sentei num banco distante. Quero eles longe de mim.

Observei pela janela o termômetro lá fora. Trinta e cinco graus.

Uma chuva torrencial. Um dilúvio. Uma tempestade.

Gelo caindo do céu, arranhando o vidro.

Como o dia estava lindo.

Cheguei no trabalho.

Arranquei minha mente, minha alma.

Troquei por duas baterias.

Produzi.

Desproduzi.

Produzi.

Acordei horas depois.

Não me encontrei com ninguém.

Voltei para casa.

Deitei no sofá.

Escrevi uma carta para o vazio.

Escutei o silêncio para ouvir música.

Chorei sem lágrimas. Elas acabaram.

Reguei as plantas secas com querosene.

Liguei o rádio para ouvir a chuva.

Subi na janela, andei até o ar.

Sexto andar, mas eu não desabo.

Eu estou totalmente vazio por dentro.

Eu não posso desabar.

Mesmo assim eu tenho caído todos os dias.

Abri a gaveta, peguei a arma.

Puxei o gatilho novamente.

Tudo continua no lugar.

Olho no espelho.

E não me vejo.

Nunca me vi.

Vejo outra pessoa.

Morta...

De repente eu não sou eu.

De repente eu nunca nasci.

De repente eu nunca existi.