Carrossel dos mortos

E a voz aveludada de um homem pergunta à garota:

- Tu viu aquilo ali?

- Sim, acho que sim...

- Mas como acha? Tem de ver agora, ou deixará pra depois?

- Depois? Ah! Não sei, depois é depois, o melhor é agora!

E ele pergunta novamente:

- Quer embarcar moça?

- Onde?

- No carrossel!

- Nesse carrossel de gente morta?

- Lógico! Aqui encontrará aqueles a quem procura. Os teus falecidos, teus mortos queridos.

Ela embarca com cautela, se pára ao lado de um cavalo cadavérico desse carrossel assombrado.

- Maçã do amor! Maçã do amor!

- Ô guri respeita os falecidos, e que maçã é essa aí? Ela é verde, não é maçã do amor coisa nenhuma! - Fala a garota irritada par ao vendedor.

- É que ela está envenenada com a eternidade...

Enquanto tudo vai acontecendo e a garota discute com o menino que vende as tais maçãs eternas, um homem jovem, sobe ao carrossel com sua moto vermelha.

- Ô ô ô tu ai! Diz o homem que conduz o carrossel.

- Eu?

- Sim, você com a moto! Qual o teu nome?

- Não digo, não posso!

- Então tira essa moto daí!

- Não posso!

- Por quê? - Indaga o homem indignado.

- Ela faz parte da minha vida .

- Mas no carrossel da morte não podes trazer nada de concreto, nada que era da tua vida passada, tens de deixar tudo para trás. Ou terá de descer do carrossel!

O homem ficou tão indeciso que acabou se perdendo no meio de uma sombra que se formou ali, ele não largou a moto então não pode seguir viagem junto com as outras almas, foi enviado a outro local, do qual não convém falar, pois dizem que atrai má sorte, coisas ruins.

A garota continua procurando por seus mortos, caminha, corre, caminha, corre de novo e não os acha. Grita:

- Cadê? Cadê?

- O que procuras moça? - Pergunta o condutor.

- Procuro por meus mortos, tu falaste que eles estariam aqui!

- Ah pois é moça... Mas isso foi antes, agora eles já se foram!

- Mas foram pra onde meu deus?

- Ué pra onde todo morto vai, pro outro lado!

- Mas que lado criatura?

- O lado de lá, e a moça está do lado de cá!

- E não posso ir pra lá também, para procurá-los?

- Queres morrer então? – o condutor sorri com a hipótese.

- Não! Não, não, agora não! Ainda não! Quero descer desse troço maluco, estou sonhando só pode!

- Sonhando a moça não está não, a moça está acordada!

- Que droga! Que droga! Então estou louca, estou ficando biruta! - Ela grita para ele.

- Quero descer! Sai, sai, sai fora seu seqüestrador, seu ceifador de almas, sai pra lá seu Caronte! – o home apenas a observa e une as mãos como se fosse fazer uma prece.

Silêncio... Escuro...

- Cadê a luz? – Pergunta ela.

A garota não está mais no carrossel dos mortos, agora encontra-se em meio a milhares de livros, uma fraca luz ilumina o local.

- Nossa quantos livros! Clube dos Imortais? Livro Negro dos Vampiros? Ué... Onde diabos estou afinal?!

Um senhor muito alto, de bigode branco bem penteado, terno preto bem feito e com um chapéu antigo passa por ela nesse momento.

- Ô senhor do chapéu preto, que lugar é esse?

- Não sabes?

- Se soubesse não perguntava oras!

- Ele dá às costas e a ignora.

- E lá se vai o velho sem me responder. - Ela resmunga para si mesma.

Continua caminhando, o lugar parece um labirinto feito por pilhas e mais pilhas intermináveis de livros! Coloca as mãos nos bolsos da calça jeans. Sente algo, encontra uma maçã verde, a qual ela não se lembra de ter comprado do garoto que a vendia no carrossel.

- Moleque travesso! Enfiou a porcaria da maçã aqui sem eu ver... - Resolve experimentar, morde um pedaço, dois pedaços, e de repente aquela voz aveludada surge novamente.

- Moça... -Ela se assusta, dá um grito!

- Ai que susto, o que você quer agora hein?

- Você tem que pegar os livros!

- Livros? Mas que livros?

- Aqueles que tu leste o título quando entrou aqui!

- E mais essa agora! Mas que merda hein... Tu me colocas num carrossel de gente morta, depois eu apareço aqui no meio desse labirinto de livros e agora queres que eu pegue dois livros que eu nem sei onde estão. Ela procura, demora, mas encontra o que a voz pede.

- Tá, já peguei e agora?

- Agora acorda pra realidade moça, vou me calar!

- Acordar pra que? Tu falaste que eu não estava dormindo!

- Acorda que a água pro chá de morango já ferveu, vai queimar a chaleira!

Ela abre os olhos. Estava deitada na rede, embalada pelo vento esse tempo todo. A chaleira estava apitando como louca.

Lilith Góthica
Enviado por Lilith Góthica em 15/11/2008
Código do texto: T1284367
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