Patinho Feio-Figura do Google

-Não, não posso fazer o que me pede. Sinto tá, mas se fizer algo que o acorde será o meu fim. Terei jogado fora, anos e anos de uma luta difícil. Acredite.
-Nem posso dizer que ele está vencido e que esteja dominado, pois disto não tenho certeza. Eu creio que ele está dominado, mas apenas creio.
Você pode imaginar o que é lutar contra um inimigo poderoso e invisível e que te domina e que de repente você tem a felicidade  de, num golpe de sorte, sei lá, imobilizá-lo e mantê-lo sob seu controle? Sabe lá o que é isso?  Despertá-lo para a vida é a última coisa que quero fazê-lo.
Sabe, ele é muito perigoso e traiçoeiro. Quer sabe como o peguei?  Nem eu mesmo sei, acho que fiz tantas tentativas que numa dessas, ele dormiu no ponto e aí eu numa madrugada sem sono, quebrei –lhe a perna. É isso aí mesmo, que você está lendo.  Foi uma grande proeza. Vê-lo ferido, pulando com uma perna só, foi muito uma sensação de paz interna, indescritível.
Eu havia tentado terapias alternativas, participado de grupos de estudos sobre ele, meditado, mas qual. Ele reaparecia cada vez mais fortalecido e lúcido. Numa dessas terapias que prometiam o engrandecimento espiritual,  na qual eu deveria ficar em frente a um espelho identificando um a um os meus defeitos e olhando  para dentro de mim e achando-me horrível , eu acabei por descobrir que poderia pirar e a perder a auto-estima, foi então que me desencanei.
Mas depois que quebrei a perna do indivíduo eu ganhei forças novas. Um belo dia, descobri  que , com disciplina e cuidado, eu poderia quebrar-lhe a outra perna.
Foi o que fiz. Foi um golpe certeiro que deixou-o paralisado, resmungando. Claro que ele não esperava por essa. Vocês acham que funcionou? Qual nada, um dia, sem mais nem menos, não é que o pego aos pulos gritando comigo? Descobri então,  desanimado,  que o fato de ter-lhe quebrado as duas pernas, não tinha resolvido coisa alguma. O sujeito era mesmo duro na queda, duríssimo.
Foi então que certa vez, eu fiquei muito irritado com ele e num golpe cruel, que muito me abalou,  eu arranquei-lhe a língua. Eu senti os efeitos deste ato e fiquei muito tempo transtornado,  com peso na consciência, passei dias, taciturno e calado, com um temperamento meio mineiro de olhar de não ter vontade de reagir, de me sonegar, de evadir-me  para não me comprometer. Fiquei estranho um tempão. Amigos acharam que eu estava doente, que precisava de uma sessão de exorcismo. Credo!
Mas a coisa teve resultado. Ele, feridíssimo,  parecia comer-me com os olhos e a querer devorar minha mente. Despertou-me forças interiores inimagináveis, ódios profundos às pessoas, comportamentos erráticos, ora indiferente, ora infernalmente  crítico, passei a desdenhar e a desacreditar dos outros e a me afastar das coisas, para não mostrar o ar de superioridade que eu não queria ter, mas acho que ainda tinha. Notei que tinha prazer em ficar só, como se as pessoas me incomodassem. Passei a ter dificuldades em lidar com elas.
Foi quando, para afastar-me deste quadro quase psicótico, eu dei-lhe o golpe que considerava, o golpe de misericórdia. Sabe o que fiz? Arranquei-lhe os olhos!
É ...., para ver aonde a coisa chegou. Pensa que foi algo fácil? Foi não. Mas apesar da monstruosidade, não tive dúvidas.  Senti muito, mas foi um ato decidido que eu sabia ser extremo, mas eu estava muito contrariado, para não fazê-lo.
Pessoa...! , o sujeito ficou possesso. A coisa ficou fora de controle. Ele tentava gritar dentro de mim, mas como não podia, rolava no chão desesperado e furioso.  Eu perdi o sono. Ele mostrava-se amargo e fútil no seu jeito deliberado de se mostrar ferido. Ficou até indiferente e eu também. O troço levou-nos, os dois a depressão. A coisa teve conseqüências. Há teve !
 Por ingerência direta dele, eu caí em profunda prostração e um estado de desanimo compassivo. Tenho que confessar que as coisas perderam um pouco o sentido. Comecei a desgostar de mim, minha auto- suficiência foi para o vinagre  e comecei a me sentir auto- piedoso e evasivo. Passei a desdenhar dos truques da vida e achá-los sem graça. Parecia que eu já sabia o que iria acontecer e quando era surpreendido por algum fato inesperado, ficava impassível e desligado.
Fiquei desesperadamente crítico, azedo e pra lá de pragmático. Não conseguia ater-me a detalhes, só me interessa os finalmente. Achei que não iria mais me recuperar. A coisa durou meses. Mas agüentei firme, sabia que qualquer vacilo, ele voltaria á tona com a força devastadora de sempre.
Por isso meu caro, desculpe, não posso aceitar qualquer coisa que me leve a crer que eu tenha qualquer mérito ou mereça qualquer reconhecimento. Fujo das Badalações como o diabo foge da cruz.
Este, infelizmente é o preço que tenho que pagar para mantê-lo no “cativeiro”, inerte e imobilizado. Sabe , depois de tanto tempo, ele ainda muda meu humor, amarga meus julgamentos, endurece minha visão crítica e me faz achar defeitos em tudo que vejo.
Sei que sou ás vezes, mal entendido e ando resvalando na autocomiseração e na chatice e que minha auto-estima jamais foi totalmente recuperada, mas prefiro assim. Tudo menos ele, ditando meus hábitos, mudando meu comportamento, torcendo meus juízos de valores, colocando-me acima de todas as coisas e desfigurando a imagem que devo ter de mim.
Por isso não dou bola aos comentários, muito menos aos seus lamentos, nem às decepções, ou a descoloração dos desejos e a perda de um certo brilho da vida.  Não estou nem aí. Vou em frente com minha nova concepção de vida, meio zen, meio plana, ortodoxa, eu diria, mas politicamente correta.  O importante, estou certo,  é afastar-me dele e de tudo de ruim que ele pode fazer para o meu espírito e à minha alma.
Ah....Antes que vocês adivinhem , o sujeito a quem me refiro no texto é meu ego, este Torquemada que vive comigo.
Portanto aos meus heróicos leitores que tiveram o saco (Viram como fiquei um mala?) de ler este pequeno texto  até o fim e se porventura, acharam que ele tem algum mérito, por menor que seja, por favor não me façam elogios, OK?
Assinado
Celio (100 anos envelhecido, mas feliz) Govedice
 Será?
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 23/11/2008
Reeditado em 23/11/2008
Código do texto: T1299217
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